Opinião|Conflito entre desmate e preservação manteve um índio morto na geladeira da Funai


Sepultamento de índio que vivia isolado em território de Rondônia se transformou em disputa local. Justiça determinou enterro em local da morte

Por Fernando Reinach

Esta coluna foi escrita antes da confirmação do sepultamento, que ocorreu nesta sexta-feira, 4

Existe um índio morto nas geladeiras da Funai desde 23 de agosto. Eu soube desse índio em 2010, quando li sua história num livro do jornalista Monte Reel, na época o correspondente do Washington Post no Brasil. Quando foi descoberto em 1996, vagando pela floresta, já era o último sobrevivente de sua tribo. O restante foi morto antes que sua existência tivesse sido notada pela Funai. É por isso que a tribo e o índio não têm nome.

Todas as tentativas de comunicação fracassaram. Ele não compreendia nenhuma das línguas faladas na região e recusava qualquer contato com os indigenistas da Funai. Quem se aproximava era recebido a flechadas. Seus hábitos eram distintos de todas as outras tribos, principalmente o de cavar buracos nos locais em que acampava.

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Imagens de índio isolado na Amazônia. "Índio do buraco" é o último sobrevivente de sua etnia. Índio da Terra Indígena Tanaru vive isolado há pelo menos 22 anos. Foto: Acervo/Funai

Vivia nas florestas do município de Curumbiara, em Rondônia. O livro conta como um grupo de indigenistas e ativistas se mobilizou para demarcar o território onde esse índio pudesse viver sem risco de ser morto. Apesar da resistência de parte da população local, e como a constituição brasileira garante a demarcação de reservas indígenas para os povos nativos, o grupo conseguiu delimitar uma área de 8.070 hectares para o índio viver. Em 1998, a Terra Indígena de Tanaru foi classificada como sujeita a “restrição de uso”.

Desde 1998 a Funai visita a área, onde já identificou mais de 50 acampamentos construídos pelo índio solitário. Em uma ou duas oportunidades foi possível fotografar e filmar o índio, mas ele sempre se mostrou agressivo e nunca foi possível estabelecer contato. Após ter presenciado a morte de todo seu povo, por 26 anos ele se tornou o homem mais solitário do mundo.

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Em 23 de agosto de 2022, funcionários da Funai encontraram o índio morto. Ele deitou na sua rede e se cobriu com penas de aves. Provavelmente sabia que ia morrer. Não havia sinais de violência e uma necropsia confirmou esse fato. Se houvesse outros membros da sua tribo, ele teria sido enterrado na própria aldeia após os rituais fúnebres. Mas seu corpo permaneceu na rede por quase dois meses até ser encontrado.

Nesses últimos 26 anos grande parte da floresta da região foi cortada e queimada. Hoje a Terra Indígena de Tanaru é uma das poucas áreas preservadas. E como sempre na Amazônia, onde existe floresta, existem interesses opostos: os que querem preservar e os que querem derrubar. São essas duas forças que mantêm o índio na geladeira.

As pessoas que querem extinguir a reserva argumentam que, sem índios, ela perde sentido, deve ser extinta e a área entregue à agricultura e à pecuária. Os que querem preservar argumentam que a reserva deve continuar a existir, preservando a memória desse povo desconhecido.

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Para os que defendem os direitos indígenas, se o índio for enterrado na reserva ela fica caracterizada como uma área ocupada por um povo ancestral e portanto tem mais chances de ser protegida. A tribo viveu na região por um longo tempo, mas não existem outros restos dessa cultura que demonstrem esse fato. O túmulo seria uma evidência importante. As pessoas que desejam ocupar e desmatar a área querem evitar que o túmulo desse único índio caracterize a reserva como terra indígena. Para eles, o índio deveria ser enterrado em um cemitério local.

Mas por debaixo dessa disputa existe uma outra muito mais importante: que destino deve ser dado a reservas indígenas em que não existem mais índios. Dado o desmatamento descontrolado que impera na Amazônia, me parece que qualquer área já protegida deve ser preservada de forma permanente. E existe um outro argumento importante. Se a ausência de população indígena puder ser utilizada para justificar a extinção de reservas, isso pode levar posseiros a exterminar populações indígenas com o intuito de descaracterizar as reservas e, em seguida, pedir sua revogação.

O destino do índio que aguarda na geladeira é simbólico: ele vai indicar em que direção o Brasil quer caminhar. Na última quinta-feira (3 de novembro) um juiz decidiu que o índio deve sair da geladeira e ser enterrado no local em que seu cadáver foi encontrado. Resta ver se a Funai vai cumprir a ordem.

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MAIS INFORMAÇÕES: MONTE REEL: THE LAST OF THE TRIBE: THE EPIC QUEST TO SAVE A LONE MAN IN THE AMAZON. SCRIBNER (USA) 2010

Esta coluna foi escrita antes da confirmação do sepultamento, que ocorreu nesta sexta-feira, 4

Existe um índio morto nas geladeiras da Funai desde 23 de agosto. Eu soube desse índio em 2010, quando li sua história num livro do jornalista Monte Reel, na época o correspondente do Washington Post no Brasil. Quando foi descoberto em 1996, vagando pela floresta, já era o último sobrevivente de sua tribo. O restante foi morto antes que sua existência tivesse sido notada pela Funai. É por isso que a tribo e o índio não têm nome.

Todas as tentativas de comunicação fracassaram. Ele não compreendia nenhuma das línguas faladas na região e recusava qualquer contato com os indigenistas da Funai. Quem se aproximava era recebido a flechadas. Seus hábitos eram distintos de todas as outras tribos, principalmente o de cavar buracos nos locais em que acampava.

Imagens de índio isolado na Amazônia. "Índio do buraco" é o último sobrevivente de sua etnia. Índio da Terra Indígena Tanaru vive isolado há pelo menos 22 anos. Foto: Acervo/Funai

Vivia nas florestas do município de Curumbiara, em Rondônia. O livro conta como um grupo de indigenistas e ativistas se mobilizou para demarcar o território onde esse índio pudesse viver sem risco de ser morto. Apesar da resistência de parte da população local, e como a constituição brasileira garante a demarcação de reservas indígenas para os povos nativos, o grupo conseguiu delimitar uma área de 8.070 hectares para o índio viver. Em 1998, a Terra Indígena de Tanaru foi classificada como sujeita a “restrição de uso”.

Desde 1998 a Funai visita a área, onde já identificou mais de 50 acampamentos construídos pelo índio solitário. Em uma ou duas oportunidades foi possível fotografar e filmar o índio, mas ele sempre se mostrou agressivo e nunca foi possível estabelecer contato. Após ter presenciado a morte de todo seu povo, por 26 anos ele se tornou o homem mais solitário do mundo.

Em 23 de agosto de 2022, funcionários da Funai encontraram o índio morto. Ele deitou na sua rede e se cobriu com penas de aves. Provavelmente sabia que ia morrer. Não havia sinais de violência e uma necropsia confirmou esse fato. Se houvesse outros membros da sua tribo, ele teria sido enterrado na própria aldeia após os rituais fúnebres. Mas seu corpo permaneceu na rede por quase dois meses até ser encontrado.

Nesses últimos 26 anos grande parte da floresta da região foi cortada e queimada. Hoje a Terra Indígena de Tanaru é uma das poucas áreas preservadas. E como sempre na Amazônia, onde existe floresta, existem interesses opostos: os que querem preservar e os que querem derrubar. São essas duas forças que mantêm o índio na geladeira.

As pessoas que querem extinguir a reserva argumentam que, sem índios, ela perde sentido, deve ser extinta e a área entregue à agricultura e à pecuária. Os que querem preservar argumentam que a reserva deve continuar a existir, preservando a memória desse povo desconhecido.

Para os que defendem os direitos indígenas, se o índio for enterrado na reserva ela fica caracterizada como uma área ocupada por um povo ancestral e portanto tem mais chances de ser protegida. A tribo viveu na região por um longo tempo, mas não existem outros restos dessa cultura que demonstrem esse fato. O túmulo seria uma evidência importante. As pessoas que desejam ocupar e desmatar a área querem evitar que o túmulo desse único índio caracterize a reserva como terra indígena. Para eles, o índio deveria ser enterrado em um cemitério local.

Mas por debaixo dessa disputa existe uma outra muito mais importante: que destino deve ser dado a reservas indígenas em que não existem mais índios. Dado o desmatamento descontrolado que impera na Amazônia, me parece que qualquer área já protegida deve ser preservada de forma permanente. E existe um outro argumento importante. Se a ausência de população indígena puder ser utilizada para justificar a extinção de reservas, isso pode levar posseiros a exterminar populações indígenas com o intuito de descaracterizar as reservas e, em seguida, pedir sua revogação.

O destino do índio que aguarda na geladeira é simbólico: ele vai indicar em que direção o Brasil quer caminhar. Na última quinta-feira (3 de novembro) um juiz decidiu que o índio deve sair da geladeira e ser enterrado no local em que seu cadáver foi encontrado. Resta ver se a Funai vai cumprir a ordem.

MAIS INFORMAÇÕES: MONTE REEL: THE LAST OF THE TRIBE: THE EPIC QUEST TO SAVE A LONE MAN IN THE AMAZON. SCRIBNER (USA) 2010

Esta coluna foi escrita antes da confirmação do sepultamento, que ocorreu nesta sexta-feira, 4

Existe um índio morto nas geladeiras da Funai desde 23 de agosto. Eu soube desse índio em 2010, quando li sua história num livro do jornalista Monte Reel, na época o correspondente do Washington Post no Brasil. Quando foi descoberto em 1996, vagando pela floresta, já era o último sobrevivente de sua tribo. O restante foi morto antes que sua existência tivesse sido notada pela Funai. É por isso que a tribo e o índio não têm nome.

Todas as tentativas de comunicação fracassaram. Ele não compreendia nenhuma das línguas faladas na região e recusava qualquer contato com os indigenistas da Funai. Quem se aproximava era recebido a flechadas. Seus hábitos eram distintos de todas as outras tribos, principalmente o de cavar buracos nos locais em que acampava.

Imagens de índio isolado na Amazônia. "Índio do buraco" é o último sobrevivente de sua etnia. Índio da Terra Indígena Tanaru vive isolado há pelo menos 22 anos. Foto: Acervo/Funai

Vivia nas florestas do município de Curumbiara, em Rondônia. O livro conta como um grupo de indigenistas e ativistas se mobilizou para demarcar o território onde esse índio pudesse viver sem risco de ser morto. Apesar da resistência de parte da população local, e como a constituição brasileira garante a demarcação de reservas indígenas para os povos nativos, o grupo conseguiu delimitar uma área de 8.070 hectares para o índio viver. Em 1998, a Terra Indígena de Tanaru foi classificada como sujeita a “restrição de uso”.

Desde 1998 a Funai visita a área, onde já identificou mais de 50 acampamentos construídos pelo índio solitário. Em uma ou duas oportunidades foi possível fotografar e filmar o índio, mas ele sempre se mostrou agressivo e nunca foi possível estabelecer contato. Após ter presenciado a morte de todo seu povo, por 26 anos ele se tornou o homem mais solitário do mundo.

Em 23 de agosto de 2022, funcionários da Funai encontraram o índio morto. Ele deitou na sua rede e se cobriu com penas de aves. Provavelmente sabia que ia morrer. Não havia sinais de violência e uma necropsia confirmou esse fato. Se houvesse outros membros da sua tribo, ele teria sido enterrado na própria aldeia após os rituais fúnebres. Mas seu corpo permaneceu na rede por quase dois meses até ser encontrado.

Nesses últimos 26 anos grande parte da floresta da região foi cortada e queimada. Hoje a Terra Indígena de Tanaru é uma das poucas áreas preservadas. E como sempre na Amazônia, onde existe floresta, existem interesses opostos: os que querem preservar e os que querem derrubar. São essas duas forças que mantêm o índio na geladeira.

As pessoas que querem extinguir a reserva argumentam que, sem índios, ela perde sentido, deve ser extinta e a área entregue à agricultura e à pecuária. Os que querem preservar argumentam que a reserva deve continuar a existir, preservando a memória desse povo desconhecido.

Para os que defendem os direitos indígenas, se o índio for enterrado na reserva ela fica caracterizada como uma área ocupada por um povo ancestral e portanto tem mais chances de ser protegida. A tribo viveu na região por um longo tempo, mas não existem outros restos dessa cultura que demonstrem esse fato. O túmulo seria uma evidência importante. As pessoas que desejam ocupar e desmatar a área querem evitar que o túmulo desse único índio caracterize a reserva como terra indígena. Para eles, o índio deveria ser enterrado em um cemitério local.

Mas por debaixo dessa disputa existe uma outra muito mais importante: que destino deve ser dado a reservas indígenas em que não existem mais índios. Dado o desmatamento descontrolado que impera na Amazônia, me parece que qualquer área já protegida deve ser preservada de forma permanente. E existe um outro argumento importante. Se a ausência de população indígena puder ser utilizada para justificar a extinção de reservas, isso pode levar posseiros a exterminar populações indígenas com o intuito de descaracterizar as reservas e, em seguida, pedir sua revogação.

O destino do índio que aguarda na geladeira é simbólico: ele vai indicar em que direção o Brasil quer caminhar. Na última quinta-feira (3 de novembro) um juiz decidiu que o índio deve sair da geladeira e ser enterrado no local em que seu cadáver foi encontrado. Resta ver se a Funai vai cumprir a ordem.

MAIS INFORMAÇÕES: MONTE REEL: THE LAST OF THE TRIBE: THE EPIC QUEST TO SAVE A LONE MAN IN THE AMAZON. SCRIBNER (USA) 2010

Esta coluna foi escrita antes da confirmação do sepultamento, que ocorreu nesta sexta-feira, 4

Existe um índio morto nas geladeiras da Funai desde 23 de agosto. Eu soube desse índio em 2010, quando li sua história num livro do jornalista Monte Reel, na época o correspondente do Washington Post no Brasil. Quando foi descoberto em 1996, vagando pela floresta, já era o último sobrevivente de sua tribo. O restante foi morto antes que sua existência tivesse sido notada pela Funai. É por isso que a tribo e o índio não têm nome.

Todas as tentativas de comunicação fracassaram. Ele não compreendia nenhuma das línguas faladas na região e recusava qualquer contato com os indigenistas da Funai. Quem se aproximava era recebido a flechadas. Seus hábitos eram distintos de todas as outras tribos, principalmente o de cavar buracos nos locais em que acampava.

Imagens de índio isolado na Amazônia. "Índio do buraco" é o último sobrevivente de sua etnia. Índio da Terra Indígena Tanaru vive isolado há pelo menos 22 anos. Foto: Acervo/Funai

Vivia nas florestas do município de Curumbiara, em Rondônia. O livro conta como um grupo de indigenistas e ativistas se mobilizou para demarcar o território onde esse índio pudesse viver sem risco de ser morto. Apesar da resistência de parte da população local, e como a constituição brasileira garante a demarcação de reservas indígenas para os povos nativos, o grupo conseguiu delimitar uma área de 8.070 hectares para o índio viver. Em 1998, a Terra Indígena de Tanaru foi classificada como sujeita a “restrição de uso”.

Desde 1998 a Funai visita a área, onde já identificou mais de 50 acampamentos construídos pelo índio solitário. Em uma ou duas oportunidades foi possível fotografar e filmar o índio, mas ele sempre se mostrou agressivo e nunca foi possível estabelecer contato. Após ter presenciado a morte de todo seu povo, por 26 anos ele se tornou o homem mais solitário do mundo.

Em 23 de agosto de 2022, funcionários da Funai encontraram o índio morto. Ele deitou na sua rede e se cobriu com penas de aves. Provavelmente sabia que ia morrer. Não havia sinais de violência e uma necropsia confirmou esse fato. Se houvesse outros membros da sua tribo, ele teria sido enterrado na própria aldeia após os rituais fúnebres. Mas seu corpo permaneceu na rede por quase dois meses até ser encontrado.

Nesses últimos 26 anos grande parte da floresta da região foi cortada e queimada. Hoje a Terra Indígena de Tanaru é uma das poucas áreas preservadas. E como sempre na Amazônia, onde existe floresta, existem interesses opostos: os que querem preservar e os que querem derrubar. São essas duas forças que mantêm o índio na geladeira.

As pessoas que querem extinguir a reserva argumentam que, sem índios, ela perde sentido, deve ser extinta e a área entregue à agricultura e à pecuária. Os que querem preservar argumentam que a reserva deve continuar a existir, preservando a memória desse povo desconhecido.

Para os que defendem os direitos indígenas, se o índio for enterrado na reserva ela fica caracterizada como uma área ocupada por um povo ancestral e portanto tem mais chances de ser protegida. A tribo viveu na região por um longo tempo, mas não existem outros restos dessa cultura que demonstrem esse fato. O túmulo seria uma evidência importante. As pessoas que desejam ocupar e desmatar a área querem evitar que o túmulo desse único índio caracterize a reserva como terra indígena. Para eles, o índio deveria ser enterrado em um cemitério local.

Mas por debaixo dessa disputa existe uma outra muito mais importante: que destino deve ser dado a reservas indígenas em que não existem mais índios. Dado o desmatamento descontrolado que impera na Amazônia, me parece que qualquer área já protegida deve ser preservada de forma permanente. E existe um outro argumento importante. Se a ausência de população indígena puder ser utilizada para justificar a extinção de reservas, isso pode levar posseiros a exterminar populações indígenas com o intuito de descaracterizar as reservas e, em seguida, pedir sua revogação.

O destino do índio que aguarda na geladeira é simbólico: ele vai indicar em que direção o Brasil quer caminhar. Na última quinta-feira (3 de novembro) um juiz decidiu que o índio deve sair da geladeira e ser enterrado no local em que seu cadáver foi encontrado. Resta ver se a Funai vai cumprir a ordem.

MAIS INFORMAÇÕES: MONTE REEL: THE LAST OF THE TRIBE: THE EPIC QUEST TO SAVE A LONE MAN IN THE AMAZON. SCRIBNER (USA) 2010

Esta coluna foi escrita antes da confirmação do sepultamento, que ocorreu nesta sexta-feira, 4

Existe um índio morto nas geladeiras da Funai desde 23 de agosto. Eu soube desse índio em 2010, quando li sua história num livro do jornalista Monte Reel, na época o correspondente do Washington Post no Brasil. Quando foi descoberto em 1996, vagando pela floresta, já era o último sobrevivente de sua tribo. O restante foi morto antes que sua existência tivesse sido notada pela Funai. É por isso que a tribo e o índio não têm nome.

Todas as tentativas de comunicação fracassaram. Ele não compreendia nenhuma das línguas faladas na região e recusava qualquer contato com os indigenistas da Funai. Quem se aproximava era recebido a flechadas. Seus hábitos eram distintos de todas as outras tribos, principalmente o de cavar buracos nos locais em que acampava.

Imagens de índio isolado na Amazônia. "Índio do buraco" é o último sobrevivente de sua etnia. Índio da Terra Indígena Tanaru vive isolado há pelo menos 22 anos. Foto: Acervo/Funai

Vivia nas florestas do município de Curumbiara, em Rondônia. O livro conta como um grupo de indigenistas e ativistas se mobilizou para demarcar o território onde esse índio pudesse viver sem risco de ser morto. Apesar da resistência de parte da população local, e como a constituição brasileira garante a demarcação de reservas indígenas para os povos nativos, o grupo conseguiu delimitar uma área de 8.070 hectares para o índio viver. Em 1998, a Terra Indígena de Tanaru foi classificada como sujeita a “restrição de uso”.

Desde 1998 a Funai visita a área, onde já identificou mais de 50 acampamentos construídos pelo índio solitário. Em uma ou duas oportunidades foi possível fotografar e filmar o índio, mas ele sempre se mostrou agressivo e nunca foi possível estabelecer contato. Após ter presenciado a morte de todo seu povo, por 26 anos ele se tornou o homem mais solitário do mundo.

Em 23 de agosto de 2022, funcionários da Funai encontraram o índio morto. Ele deitou na sua rede e se cobriu com penas de aves. Provavelmente sabia que ia morrer. Não havia sinais de violência e uma necropsia confirmou esse fato. Se houvesse outros membros da sua tribo, ele teria sido enterrado na própria aldeia após os rituais fúnebres. Mas seu corpo permaneceu na rede por quase dois meses até ser encontrado.

Nesses últimos 26 anos grande parte da floresta da região foi cortada e queimada. Hoje a Terra Indígena de Tanaru é uma das poucas áreas preservadas. E como sempre na Amazônia, onde existe floresta, existem interesses opostos: os que querem preservar e os que querem derrubar. São essas duas forças que mantêm o índio na geladeira.

As pessoas que querem extinguir a reserva argumentam que, sem índios, ela perde sentido, deve ser extinta e a área entregue à agricultura e à pecuária. Os que querem preservar argumentam que a reserva deve continuar a existir, preservando a memória desse povo desconhecido.

Para os que defendem os direitos indígenas, se o índio for enterrado na reserva ela fica caracterizada como uma área ocupada por um povo ancestral e portanto tem mais chances de ser protegida. A tribo viveu na região por um longo tempo, mas não existem outros restos dessa cultura que demonstrem esse fato. O túmulo seria uma evidência importante. As pessoas que desejam ocupar e desmatar a área querem evitar que o túmulo desse único índio caracterize a reserva como terra indígena. Para eles, o índio deveria ser enterrado em um cemitério local.

Mas por debaixo dessa disputa existe uma outra muito mais importante: que destino deve ser dado a reservas indígenas em que não existem mais índios. Dado o desmatamento descontrolado que impera na Amazônia, me parece que qualquer área já protegida deve ser preservada de forma permanente. E existe um outro argumento importante. Se a ausência de população indígena puder ser utilizada para justificar a extinção de reservas, isso pode levar posseiros a exterminar populações indígenas com o intuito de descaracterizar as reservas e, em seguida, pedir sua revogação.

O destino do índio que aguarda na geladeira é simbólico: ele vai indicar em que direção o Brasil quer caminhar. Na última quinta-feira (3 de novembro) um juiz decidiu que o índio deve sair da geladeira e ser enterrado no local em que seu cadáver foi encontrado. Resta ver se a Funai vai cumprir a ordem.

MAIS INFORMAÇÕES: MONTE REEL: THE LAST OF THE TRIBE: THE EPIC QUEST TO SAVE A LONE MAN IN THE AMAZON. SCRIBNER (USA) 2010

Opinião por Fernando Reinach

Biólogo, PHD em Biologia Celular e Molecular pela Cornell University e autor de "A Chegada do Novo Coronavírus no Brasil"; "Folha de Lótus, Escorregador de Mosquito"; e "A Longa Marcha dos Grilos Canibais"

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