Opinião|Cotas raciais restauraram o racismo onde ele havia sido abolido


Não consigo aceitar a existência de tribunais raciais cuja função é classificar e privilegiar pessoas com base em sua raça e ainda trazer de volta o racismo para o vestibular

Por Fernando Reinach
Atualização:

Infelizmente o Brasil optou por combater discriminação racial com discriminação racial. Uma das consequências é que o racismo voltou aos vestibulares depois de uma batalha de décadas para extingui-lo.

Que indígenas são discriminados desde a chegada dos portugueses e que negros são discriminados ninguém discorda. Também é difícil discordar que o sistema de cotas e reserva de vagas nas universidades para pardos, pretos e indígenas (PPI) é uma forma de discriminação. Uma fração das vagas é reservada a um grupo de brasileiros com base em critérios raciais num processo em que tribunais raciais (as chamadas comissões de heteroidentificação) tem a palavra final sobre a raça das pessoas e seu direito a vagas previamente reservadas (veja O tribunal racial da USP, publicado aqui).

Essa discriminação racial deriva de uma lei aprovada no Congresso Nacional, portanto é legal. Sua constitucionalidade foi questionada e confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que listou as características a serem avaliadas para confirmar a raça dos candidatos (cor da pele, forma do nariz, natureza do cabelo). São essas características que têm sido usadas pelos tribunais raciais.

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Nos debates que levaram a aprovação dessas cotas, os juízes do STF justificaram sua decisão declarando que apesar do racismo e da discriminação serem vedadas pela Constituição, nossa Constituição também prega a necessidade de igualdade de direitos e a busca da harmonia social. Balanceando esses dois deveres do Estado, os juízes decidiram pela constitucionalidade das cotas raciais.

Estudantes fazem prova da Fuvest na cidade de São Paulo Foto: Alex Silva/Estadão - 19/11/2023

Seria um mal necessário e é, que eu saiba, o único caso de racismo legal no Brasil. Também é bom lembrar que as cotas raciais têm aumentado muito a presença desses grupos na universidade. Mas todos esses fatos não significam que combater uma discriminação com outra seja uma boa solução.

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A lei de cotas criou discriminação racial em um dos poucos processos em que não havia discriminação, o vestibular.

Até a lei de cotas os candidatos às universidades eram selecionados unicamente com base em provas de múltipla escolha, corrigidas por computadores ou provas escritas, avaliadas por grupos de corretores que não tinham acesso ao nome, fotos, raça ou qualquer dado sobre o indivíduo avaliado.

As provas eram extirpadas dos dados pessoais para se obter a nota e classificação, e só então o resultado era associado ao nome do candidato para a divulgação da lista dos aprovados. Era um processo objetivo baseado unicamente no mérito acadêmico. Um dos poucos processo sociais do qual a discriminação havia sido abolida.

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Até 1911 somente alunos de escolas importantes e elitistas, todas públicas, tinham acesso à universidade. O vestibular foi criado quando o número de candidatos superou o número de vagas.

Entre 1911 e a década de 1960, a seleção envolvia provas escritas e orais onde o candidato tinha que se apresentar presencialmente e individualmente a uma banca ou a um único examinador, seu nome e raça totalmente expostos. É claro que o resultado era sujeito a todo tipo de influencias políticas, discriminação social e racial. Historias de membros das bancas cumprimentando efusivamente os filhos de seus amigos eram comuns, assim como o constrangimento a que eram submetidos os pobres, negros e outra minorias.

A discriminação racial, o favoritismo e provavelmente a corrupção, foi abolida do vestibular com a criação dos vestibulares unificados, como a Fuvest. Esses vestibulares consistiam exclusivamente de provas de múltipla escolha as quais eram ministradas em ambientes públicos e corrigidas por computador.

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A alocação de vagas passou a ser feita de forma objetiva, anônima e baseada somente na performance acadêmica dos alunos. Esse processo, que perdurou até a lei de cotas, era totalmente isento de vieses racistas e sociais. Era um dos poucos processos na sociedade brasileira em que a raça não influenciava o resultado.

É um fato inegável que os vestibulares objetivos aprovavam um número muito pequeno de pretos, pardos e indígenas. Mas isso não se deve a existência de preconceito e discriminação racial nos vestibulares. A razão, todos sabemos, é que o ensino público, o único que pobres, pretos, pardos e indígenas têm acesso, é péssimo (com poucas exceções) para dizer o mínimo.

O racismo e a discriminação racial podem e devem ser culpados por criar um país onde esses jovens recebem um ensino tão ruim que os impedem de ter sucesso em um processo absolutamente objetivo como os vestibulares. Eles simplesmente não saem do ensino médio sabendo o suficiente para competirem com os alunos das escolas privadas. A ausência de pretos, pardos e indígenas nas universidades públicas é a prova cabal da péssima qualidade do ensino público.

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Com a decadência das escolas públicas, os ricos passaram a estudar em escolas pagas, particulares. A geração dos meus pais ainda estudava em escolas públicas, como o Caetano de Campos, que eram as melhores do País. Hoje o ensino público é péssimo e parece estar piorando, mas é a única opção para os pobres em geral.

A solução óbvia para o problema da ausência de pobres, pretos, pardos e indígenas é melhorar as escolas públicas. Instituições privadas que complementam o ensino público (como certos cursinhos gratuitos e ONGs) conseguem colocar seus alunos nas melhores universidades sem o auxílio de cotas raciais. O sucesso dos alunos das escolas públicas no vestibular deveria ser uma meta e um parâmetro na avaliação da melhora do ensino público.

Mas como o Brasil não consegue, ou pior, chego a acreditar que não quer, melhorar o ensino desses jovens, optou pela solução fácil, a reserva de vagas, que além de não solucionar a causa raiz do problema, destrói um sistema justo e objetivo que levou décadas para ser construído.

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Melhorar o ensino público, mesmo que um dia se torne um objetivo honesto dos políticos e das elites, é um processo lento e por esse motivo acredito que cotas sociais (onde as vagas são reservadas com base em critérios objetivos de renda familiar) podem ser uma medida temporária durante esse processo. Diversos programas sociais existem no Brasil e esse seria mais um. O que não consigo aceitar é a existência de tribunais raciais cuja função é classificar e privilegiar pessoas com base em sua raça e ainda trazer de volta o racismo para o vestibular do qual ele havia sido extirpado após uma longa batalha.

Infelizmente o Brasil optou por combater discriminação racial com discriminação racial. Uma das consequências é que o racismo voltou aos vestibulares depois de uma batalha de décadas para extingui-lo.

Que indígenas são discriminados desde a chegada dos portugueses e que negros são discriminados ninguém discorda. Também é difícil discordar que o sistema de cotas e reserva de vagas nas universidades para pardos, pretos e indígenas (PPI) é uma forma de discriminação. Uma fração das vagas é reservada a um grupo de brasileiros com base em critérios raciais num processo em que tribunais raciais (as chamadas comissões de heteroidentificação) tem a palavra final sobre a raça das pessoas e seu direito a vagas previamente reservadas (veja O tribunal racial da USP, publicado aqui).

Essa discriminação racial deriva de uma lei aprovada no Congresso Nacional, portanto é legal. Sua constitucionalidade foi questionada e confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que listou as características a serem avaliadas para confirmar a raça dos candidatos (cor da pele, forma do nariz, natureza do cabelo). São essas características que têm sido usadas pelos tribunais raciais.

Nos debates que levaram a aprovação dessas cotas, os juízes do STF justificaram sua decisão declarando que apesar do racismo e da discriminação serem vedadas pela Constituição, nossa Constituição também prega a necessidade de igualdade de direitos e a busca da harmonia social. Balanceando esses dois deveres do Estado, os juízes decidiram pela constitucionalidade das cotas raciais.

Estudantes fazem prova da Fuvest na cidade de São Paulo Foto: Alex Silva/Estadão - 19/11/2023

Seria um mal necessário e é, que eu saiba, o único caso de racismo legal no Brasil. Também é bom lembrar que as cotas raciais têm aumentado muito a presença desses grupos na universidade. Mas todos esses fatos não significam que combater uma discriminação com outra seja uma boa solução.

A lei de cotas criou discriminação racial em um dos poucos processos em que não havia discriminação, o vestibular.

Até a lei de cotas os candidatos às universidades eram selecionados unicamente com base em provas de múltipla escolha, corrigidas por computadores ou provas escritas, avaliadas por grupos de corretores que não tinham acesso ao nome, fotos, raça ou qualquer dado sobre o indivíduo avaliado.

As provas eram extirpadas dos dados pessoais para se obter a nota e classificação, e só então o resultado era associado ao nome do candidato para a divulgação da lista dos aprovados. Era um processo objetivo baseado unicamente no mérito acadêmico. Um dos poucos processo sociais do qual a discriminação havia sido abolida.

Até 1911 somente alunos de escolas importantes e elitistas, todas públicas, tinham acesso à universidade. O vestibular foi criado quando o número de candidatos superou o número de vagas.

Entre 1911 e a década de 1960, a seleção envolvia provas escritas e orais onde o candidato tinha que se apresentar presencialmente e individualmente a uma banca ou a um único examinador, seu nome e raça totalmente expostos. É claro que o resultado era sujeito a todo tipo de influencias políticas, discriminação social e racial. Historias de membros das bancas cumprimentando efusivamente os filhos de seus amigos eram comuns, assim como o constrangimento a que eram submetidos os pobres, negros e outra minorias.

A discriminação racial, o favoritismo e provavelmente a corrupção, foi abolida do vestibular com a criação dos vestibulares unificados, como a Fuvest. Esses vestibulares consistiam exclusivamente de provas de múltipla escolha as quais eram ministradas em ambientes públicos e corrigidas por computador.

A alocação de vagas passou a ser feita de forma objetiva, anônima e baseada somente na performance acadêmica dos alunos. Esse processo, que perdurou até a lei de cotas, era totalmente isento de vieses racistas e sociais. Era um dos poucos processos na sociedade brasileira em que a raça não influenciava o resultado.

É um fato inegável que os vestibulares objetivos aprovavam um número muito pequeno de pretos, pardos e indígenas. Mas isso não se deve a existência de preconceito e discriminação racial nos vestibulares. A razão, todos sabemos, é que o ensino público, o único que pobres, pretos, pardos e indígenas têm acesso, é péssimo (com poucas exceções) para dizer o mínimo.

O racismo e a discriminação racial podem e devem ser culpados por criar um país onde esses jovens recebem um ensino tão ruim que os impedem de ter sucesso em um processo absolutamente objetivo como os vestibulares. Eles simplesmente não saem do ensino médio sabendo o suficiente para competirem com os alunos das escolas privadas. A ausência de pretos, pardos e indígenas nas universidades públicas é a prova cabal da péssima qualidade do ensino público.

Com a decadência das escolas públicas, os ricos passaram a estudar em escolas pagas, particulares. A geração dos meus pais ainda estudava em escolas públicas, como o Caetano de Campos, que eram as melhores do País. Hoje o ensino público é péssimo e parece estar piorando, mas é a única opção para os pobres em geral.

A solução óbvia para o problema da ausência de pobres, pretos, pardos e indígenas é melhorar as escolas públicas. Instituições privadas que complementam o ensino público (como certos cursinhos gratuitos e ONGs) conseguem colocar seus alunos nas melhores universidades sem o auxílio de cotas raciais. O sucesso dos alunos das escolas públicas no vestibular deveria ser uma meta e um parâmetro na avaliação da melhora do ensino público.

Mas como o Brasil não consegue, ou pior, chego a acreditar que não quer, melhorar o ensino desses jovens, optou pela solução fácil, a reserva de vagas, que além de não solucionar a causa raiz do problema, destrói um sistema justo e objetivo que levou décadas para ser construído.

Melhorar o ensino público, mesmo que um dia se torne um objetivo honesto dos políticos e das elites, é um processo lento e por esse motivo acredito que cotas sociais (onde as vagas são reservadas com base em critérios objetivos de renda familiar) podem ser uma medida temporária durante esse processo. Diversos programas sociais existem no Brasil e esse seria mais um. O que não consigo aceitar é a existência de tribunais raciais cuja função é classificar e privilegiar pessoas com base em sua raça e ainda trazer de volta o racismo para o vestibular do qual ele havia sido extirpado após uma longa batalha.

Infelizmente o Brasil optou por combater discriminação racial com discriminação racial. Uma das consequências é que o racismo voltou aos vestibulares depois de uma batalha de décadas para extingui-lo.

Que indígenas são discriminados desde a chegada dos portugueses e que negros são discriminados ninguém discorda. Também é difícil discordar que o sistema de cotas e reserva de vagas nas universidades para pardos, pretos e indígenas (PPI) é uma forma de discriminação. Uma fração das vagas é reservada a um grupo de brasileiros com base em critérios raciais num processo em que tribunais raciais (as chamadas comissões de heteroidentificação) tem a palavra final sobre a raça das pessoas e seu direito a vagas previamente reservadas (veja O tribunal racial da USP, publicado aqui).

Essa discriminação racial deriva de uma lei aprovada no Congresso Nacional, portanto é legal. Sua constitucionalidade foi questionada e confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que listou as características a serem avaliadas para confirmar a raça dos candidatos (cor da pele, forma do nariz, natureza do cabelo). São essas características que têm sido usadas pelos tribunais raciais.

Nos debates que levaram a aprovação dessas cotas, os juízes do STF justificaram sua decisão declarando que apesar do racismo e da discriminação serem vedadas pela Constituição, nossa Constituição também prega a necessidade de igualdade de direitos e a busca da harmonia social. Balanceando esses dois deveres do Estado, os juízes decidiram pela constitucionalidade das cotas raciais.

Estudantes fazem prova da Fuvest na cidade de São Paulo Foto: Alex Silva/Estadão - 19/11/2023

Seria um mal necessário e é, que eu saiba, o único caso de racismo legal no Brasil. Também é bom lembrar que as cotas raciais têm aumentado muito a presença desses grupos na universidade. Mas todos esses fatos não significam que combater uma discriminação com outra seja uma boa solução.

A lei de cotas criou discriminação racial em um dos poucos processos em que não havia discriminação, o vestibular.

Até a lei de cotas os candidatos às universidades eram selecionados unicamente com base em provas de múltipla escolha, corrigidas por computadores ou provas escritas, avaliadas por grupos de corretores que não tinham acesso ao nome, fotos, raça ou qualquer dado sobre o indivíduo avaliado.

As provas eram extirpadas dos dados pessoais para se obter a nota e classificação, e só então o resultado era associado ao nome do candidato para a divulgação da lista dos aprovados. Era um processo objetivo baseado unicamente no mérito acadêmico. Um dos poucos processo sociais do qual a discriminação havia sido abolida.

Até 1911 somente alunos de escolas importantes e elitistas, todas públicas, tinham acesso à universidade. O vestibular foi criado quando o número de candidatos superou o número de vagas.

Entre 1911 e a década de 1960, a seleção envolvia provas escritas e orais onde o candidato tinha que se apresentar presencialmente e individualmente a uma banca ou a um único examinador, seu nome e raça totalmente expostos. É claro que o resultado era sujeito a todo tipo de influencias políticas, discriminação social e racial. Historias de membros das bancas cumprimentando efusivamente os filhos de seus amigos eram comuns, assim como o constrangimento a que eram submetidos os pobres, negros e outra minorias.

A discriminação racial, o favoritismo e provavelmente a corrupção, foi abolida do vestibular com a criação dos vestibulares unificados, como a Fuvest. Esses vestibulares consistiam exclusivamente de provas de múltipla escolha as quais eram ministradas em ambientes públicos e corrigidas por computador.

A alocação de vagas passou a ser feita de forma objetiva, anônima e baseada somente na performance acadêmica dos alunos. Esse processo, que perdurou até a lei de cotas, era totalmente isento de vieses racistas e sociais. Era um dos poucos processos na sociedade brasileira em que a raça não influenciava o resultado.

É um fato inegável que os vestibulares objetivos aprovavam um número muito pequeno de pretos, pardos e indígenas. Mas isso não se deve a existência de preconceito e discriminação racial nos vestibulares. A razão, todos sabemos, é que o ensino público, o único que pobres, pretos, pardos e indígenas têm acesso, é péssimo (com poucas exceções) para dizer o mínimo.

O racismo e a discriminação racial podem e devem ser culpados por criar um país onde esses jovens recebem um ensino tão ruim que os impedem de ter sucesso em um processo absolutamente objetivo como os vestibulares. Eles simplesmente não saem do ensino médio sabendo o suficiente para competirem com os alunos das escolas privadas. A ausência de pretos, pardos e indígenas nas universidades públicas é a prova cabal da péssima qualidade do ensino público.

Com a decadência das escolas públicas, os ricos passaram a estudar em escolas pagas, particulares. A geração dos meus pais ainda estudava em escolas públicas, como o Caetano de Campos, que eram as melhores do País. Hoje o ensino público é péssimo e parece estar piorando, mas é a única opção para os pobres em geral.

A solução óbvia para o problema da ausência de pobres, pretos, pardos e indígenas é melhorar as escolas públicas. Instituições privadas que complementam o ensino público (como certos cursinhos gratuitos e ONGs) conseguem colocar seus alunos nas melhores universidades sem o auxílio de cotas raciais. O sucesso dos alunos das escolas públicas no vestibular deveria ser uma meta e um parâmetro na avaliação da melhora do ensino público.

Mas como o Brasil não consegue, ou pior, chego a acreditar que não quer, melhorar o ensino desses jovens, optou pela solução fácil, a reserva de vagas, que além de não solucionar a causa raiz do problema, destrói um sistema justo e objetivo que levou décadas para ser construído.

Melhorar o ensino público, mesmo que um dia se torne um objetivo honesto dos políticos e das elites, é um processo lento e por esse motivo acredito que cotas sociais (onde as vagas são reservadas com base em critérios objetivos de renda familiar) podem ser uma medida temporária durante esse processo. Diversos programas sociais existem no Brasil e esse seria mais um. O que não consigo aceitar é a existência de tribunais raciais cuja função é classificar e privilegiar pessoas com base em sua raça e ainda trazer de volta o racismo para o vestibular do qual ele havia sido extirpado após uma longa batalha.

Infelizmente o Brasil optou por combater discriminação racial com discriminação racial. Uma das consequências é que o racismo voltou aos vestibulares depois de uma batalha de décadas para extingui-lo.

Que indígenas são discriminados desde a chegada dos portugueses e que negros são discriminados ninguém discorda. Também é difícil discordar que o sistema de cotas e reserva de vagas nas universidades para pardos, pretos e indígenas (PPI) é uma forma de discriminação. Uma fração das vagas é reservada a um grupo de brasileiros com base em critérios raciais num processo em que tribunais raciais (as chamadas comissões de heteroidentificação) tem a palavra final sobre a raça das pessoas e seu direito a vagas previamente reservadas (veja O tribunal racial da USP, publicado aqui).

Essa discriminação racial deriva de uma lei aprovada no Congresso Nacional, portanto é legal. Sua constitucionalidade foi questionada e confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que listou as características a serem avaliadas para confirmar a raça dos candidatos (cor da pele, forma do nariz, natureza do cabelo). São essas características que têm sido usadas pelos tribunais raciais.

Nos debates que levaram a aprovação dessas cotas, os juízes do STF justificaram sua decisão declarando que apesar do racismo e da discriminação serem vedadas pela Constituição, nossa Constituição também prega a necessidade de igualdade de direitos e a busca da harmonia social. Balanceando esses dois deveres do Estado, os juízes decidiram pela constitucionalidade das cotas raciais.

Estudantes fazem prova da Fuvest na cidade de São Paulo Foto: Alex Silva/Estadão - 19/11/2023

Seria um mal necessário e é, que eu saiba, o único caso de racismo legal no Brasil. Também é bom lembrar que as cotas raciais têm aumentado muito a presença desses grupos na universidade. Mas todos esses fatos não significam que combater uma discriminação com outra seja uma boa solução.

A lei de cotas criou discriminação racial em um dos poucos processos em que não havia discriminação, o vestibular.

Até a lei de cotas os candidatos às universidades eram selecionados unicamente com base em provas de múltipla escolha, corrigidas por computadores ou provas escritas, avaliadas por grupos de corretores que não tinham acesso ao nome, fotos, raça ou qualquer dado sobre o indivíduo avaliado.

As provas eram extirpadas dos dados pessoais para se obter a nota e classificação, e só então o resultado era associado ao nome do candidato para a divulgação da lista dos aprovados. Era um processo objetivo baseado unicamente no mérito acadêmico. Um dos poucos processo sociais do qual a discriminação havia sido abolida.

Até 1911 somente alunos de escolas importantes e elitistas, todas públicas, tinham acesso à universidade. O vestibular foi criado quando o número de candidatos superou o número de vagas.

Entre 1911 e a década de 1960, a seleção envolvia provas escritas e orais onde o candidato tinha que se apresentar presencialmente e individualmente a uma banca ou a um único examinador, seu nome e raça totalmente expostos. É claro que o resultado era sujeito a todo tipo de influencias políticas, discriminação social e racial. Historias de membros das bancas cumprimentando efusivamente os filhos de seus amigos eram comuns, assim como o constrangimento a que eram submetidos os pobres, negros e outra minorias.

A discriminação racial, o favoritismo e provavelmente a corrupção, foi abolida do vestibular com a criação dos vestibulares unificados, como a Fuvest. Esses vestibulares consistiam exclusivamente de provas de múltipla escolha as quais eram ministradas em ambientes públicos e corrigidas por computador.

A alocação de vagas passou a ser feita de forma objetiva, anônima e baseada somente na performance acadêmica dos alunos. Esse processo, que perdurou até a lei de cotas, era totalmente isento de vieses racistas e sociais. Era um dos poucos processos na sociedade brasileira em que a raça não influenciava o resultado.

É um fato inegável que os vestibulares objetivos aprovavam um número muito pequeno de pretos, pardos e indígenas. Mas isso não se deve a existência de preconceito e discriminação racial nos vestibulares. A razão, todos sabemos, é que o ensino público, o único que pobres, pretos, pardos e indígenas têm acesso, é péssimo (com poucas exceções) para dizer o mínimo.

O racismo e a discriminação racial podem e devem ser culpados por criar um país onde esses jovens recebem um ensino tão ruim que os impedem de ter sucesso em um processo absolutamente objetivo como os vestibulares. Eles simplesmente não saem do ensino médio sabendo o suficiente para competirem com os alunos das escolas privadas. A ausência de pretos, pardos e indígenas nas universidades públicas é a prova cabal da péssima qualidade do ensino público.

Com a decadência das escolas públicas, os ricos passaram a estudar em escolas pagas, particulares. A geração dos meus pais ainda estudava em escolas públicas, como o Caetano de Campos, que eram as melhores do País. Hoje o ensino público é péssimo e parece estar piorando, mas é a única opção para os pobres em geral.

A solução óbvia para o problema da ausência de pobres, pretos, pardos e indígenas é melhorar as escolas públicas. Instituições privadas que complementam o ensino público (como certos cursinhos gratuitos e ONGs) conseguem colocar seus alunos nas melhores universidades sem o auxílio de cotas raciais. O sucesso dos alunos das escolas públicas no vestibular deveria ser uma meta e um parâmetro na avaliação da melhora do ensino público.

Mas como o Brasil não consegue, ou pior, chego a acreditar que não quer, melhorar o ensino desses jovens, optou pela solução fácil, a reserva de vagas, que além de não solucionar a causa raiz do problema, destrói um sistema justo e objetivo que levou décadas para ser construído.

Melhorar o ensino público, mesmo que um dia se torne um objetivo honesto dos políticos e das elites, é um processo lento e por esse motivo acredito que cotas sociais (onde as vagas são reservadas com base em critérios objetivos de renda familiar) podem ser uma medida temporária durante esse processo. Diversos programas sociais existem no Brasil e esse seria mais um. O que não consigo aceitar é a existência de tribunais raciais cuja função é classificar e privilegiar pessoas com base em sua raça e ainda trazer de volta o racismo para o vestibular do qual ele havia sido extirpado após uma longa batalha.

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Opinião por Fernando Reinach

Biólogo, PHD em Biologia Celular e Molecular pela Cornell University e autor de "A Chegada do Novo Coronavírus no Brasil"; "Folha de Lótus, Escorregador de Mosquito"; e "A Longa Marcha dos Grilos Canibais"

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