Opinião|Entenda como uma anomalia climática pode estar por trás do extermínio de uma civilização antiga


Nova pesquisa revela seca extrema que afetou o império Hitita há mais de 3 mil anos. Civilização rivalizava com os egípcios e mantinha relações comerciais com todo o Oriente Médio

Por Fernando Reinach

Por aproximadamente 450 anos, entre 1650 e 1200 A.C. (antes de Cristo), o império Hitita dominou a Anatolia (onde hoje é a Turquia). Os Hititas rivalizavam com o império Egípcio e mantinham relações comerciais com todo o Oriente Médio. Eles possuíam uma escrita baseada em hieróglifos, dominavam a agricultura e deixaram lindas construções e obras de arte. Por volta de 1200 A.C., o império colapsou repentinamente e a capital, Hatusa, foi abandonada.

As razões para o colapso são um mistério, pois não ocorreram grandes guerras ou uma invasão. Recentemente foi descoberto que o rei ordenou o desmonte da capital. Ela foi desocupada de maneira ordenada e abandonada intacta. Os habitantes se dispersaram e o império desapareceu.

A novidade é que agora foi descoberta uma possível razão para o colapso: uma crise climática.

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Imagem mostra tempo seco em localidade da Jordânia Foto: REUTERS/Muhammad Hamed - 6/03/2014

Faz alguns anos foram descobertos mais de 20 troncos de Juniper (zimbro) a 230 quilômetros da antiga capital Hatusa. Os troncos são muito antigos, provenientes de árvores que viveram na época do império Hitita. Usando técnicas de carbono 14 foi possível demonstrar que a parte mais interna dos troncos mais antigos são de 1497 A.C. e a parte externa do mais recente de 797 A.C..

Servidor anda em armazém do Porto de Santos, onde são estocados grãos, como soja e milho. Estoque mundial só é suficiente para quatro meses, aponta ONU Foto: Werther Santana/Estadão - 18/04/2016
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Essas árvores viveram e cresceram durante o período áureo do império Hitita e sobreviveram ao seu desaparecimento. Como todo tronco de árvore, os troncos de Juniper são compostos por anéis, e cada anel corresponde a um ciclo de crescimento da árvore. Sabendo a idade exata (com um erro de três anos) de alguns dos anéis, é possível saber a que ano corresponde cada anel.

Sabemos também que a grossura do anel depende de quanto a árvore cresceu a cada ano. Nessa região um menor crescimento corresponde a um ano mais seco. Essa medida pode ser calibrada usando troncos recentes. Assim podemos correlacionar o quanto choveu em um ano com a grossura do anel nesse ano. Isso permite aos cientistas deduzir o clima de cada ano, principalmente a quantidade de chuva, no qual as árvores antigas viveram.

Usando esses dados, os cientistas estimaram a abundância de chuva, a cada ano entre 1497 e 797 A.C.. O que eles observaram é que durante todo esse período, aproximadamente a cada 10 anos, ocorria um ano de seca muito forte. Essas secas eram suficientemente fortes para que praticamente toda a produção de grãos fosse perdida.

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A existência dessas secas periódicas aparecem nos escritos dos Hititas e faziam parte de seu cotidiano. É por esse motivo que as cidades do império possuem construções dedicadas ao estoque de grãos. Durante todo o período estudado (600 anos) não ocorreram dois anos seguidos de seca forte. Mas, entre os anos 1198 e 1196 A.C., ocorreram três anos seguidos de seca muito forte. Nesses anos as árvores de Júniper praticamente não conseguiram crescer e os anéis são muito finos.

Esse período de seca longa coincide exatamente com a data em que os Hititas desapareceram. Foi quando o rei ordenou que as cidades fossem desocupadas e abandonadas. Os cientistas acreditam que esse evento climático muito raro (uma seca de três anos) talvez não seja a única razão para o desaparecimento de todo o império, mas a falta de alimento por um período tão longo pode ter influenciado no desaparecimento dessa civilização.

Os Hititas dominaram a região, desenvolveram um sistema alimentar robusto, capaz de absorver as secas ocasionais, e com esse sistema sobreviveram e prosperaram por 400 anos. Mas o sistema não era robusto o suficiente para aguentar três anos sem alimentos.

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No mundo atual, nós vivemos uma realidade semelhante. Os estoques de alimentos existentes no planeta só são suficientes para alimentar a humanidade por menos de seis meses caso a produção de grãos seja zerada.

Segundo a FAO, a produção e o consumo de grãos em 2022 foi praticamente igual (2.750 milhões toneladas) e o estoque total é de 850 milhões de toneladas. Ou seja, nosso estoque é suficiente para quatro meses de consumo. É claro que no mundo moderno a produção de grãos está espalhada por muitos continentes e um colapso total por um ano é muito difícil de ocorrer. No caso do Hititas, ocorreu somente uma vez em 400 anos. Nossa tecnologia ainda não tem 200 anos. Essa é mais uma razão para nos preocuparmos com as mudanças climáticas.

Mais informações: Severe multi-year drought coincident with Hittite collapse around 1198–1196 bc. Nature https://doi.org/10.1038/s41586-022-05693-y 2023

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É biólogo

Por aproximadamente 450 anos, entre 1650 e 1200 A.C. (antes de Cristo), o império Hitita dominou a Anatolia (onde hoje é a Turquia). Os Hititas rivalizavam com o império Egípcio e mantinham relações comerciais com todo o Oriente Médio. Eles possuíam uma escrita baseada em hieróglifos, dominavam a agricultura e deixaram lindas construções e obras de arte. Por volta de 1200 A.C., o império colapsou repentinamente e a capital, Hatusa, foi abandonada.

As razões para o colapso são um mistério, pois não ocorreram grandes guerras ou uma invasão. Recentemente foi descoberto que o rei ordenou o desmonte da capital. Ela foi desocupada de maneira ordenada e abandonada intacta. Os habitantes se dispersaram e o império desapareceu.

A novidade é que agora foi descoberta uma possível razão para o colapso: uma crise climática.

Imagem mostra tempo seco em localidade da Jordânia Foto: REUTERS/Muhammad Hamed - 6/03/2014

Faz alguns anos foram descobertos mais de 20 troncos de Juniper (zimbro) a 230 quilômetros da antiga capital Hatusa. Os troncos são muito antigos, provenientes de árvores que viveram na época do império Hitita. Usando técnicas de carbono 14 foi possível demonstrar que a parte mais interna dos troncos mais antigos são de 1497 A.C. e a parte externa do mais recente de 797 A.C..

Servidor anda em armazém do Porto de Santos, onde são estocados grãos, como soja e milho. Estoque mundial só é suficiente para quatro meses, aponta ONU Foto: Werther Santana/Estadão - 18/04/2016

Essas árvores viveram e cresceram durante o período áureo do império Hitita e sobreviveram ao seu desaparecimento. Como todo tronco de árvore, os troncos de Juniper são compostos por anéis, e cada anel corresponde a um ciclo de crescimento da árvore. Sabendo a idade exata (com um erro de três anos) de alguns dos anéis, é possível saber a que ano corresponde cada anel.

Sabemos também que a grossura do anel depende de quanto a árvore cresceu a cada ano. Nessa região um menor crescimento corresponde a um ano mais seco. Essa medida pode ser calibrada usando troncos recentes. Assim podemos correlacionar o quanto choveu em um ano com a grossura do anel nesse ano. Isso permite aos cientistas deduzir o clima de cada ano, principalmente a quantidade de chuva, no qual as árvores antigas viveram.

Usando esses dados, os cientistas estimaram a abundância de chuva, a cada ano entre 1497 e 797 A.C.. O que eles observaram é que durante todo esse período, aproximadamente a cada 10 anos, ocorria um ano de seca muito forte. Essas secas eram suficientemente fortes para que praticamente toda a produção de grãos fosse perdida.

A existência dessas secas periódicas aparecem nos escritos dos Hititas e faziam parte de seu cotidiano. É por esse motivo que as cidades do império possuem construções dedicadas ao estoque de grãos. Durante todo o período estudado (600 anos) não ocorreram dois anos seguidos de seca forte. Mas, entre os anos 1198 e 1196 A.C., ocorreram três anos seguidos de seca muito forte. Nesses anos as árvores de Júniper praticamente não conseguiram crescer e os anéis são muito finos.

Esse período de seca longa coincide exatamente com a data em que os Hititas desapareceram. Foi quando o rei ordenou que as cidades fossem desocupadas e abandonadas. Os cientistas acreditam que esse evento climático muito raro (uma seca de três anos) talvez não seja a única razão para o desaparecimento de todo o império, mas a falta de alimento por um período tão longo pode ter influenciado no desaparecimento dessa civilização.

Os Hititas dominaram a região, desenvolveram um sistema alimentar robusto, capaz de absorver as secas ocasionais, e com esse sistema sobreviveram e prosperaram por 400 anos. Mas o sistema não era robusto o suficiente para aguentar três anos sem alimentos.

No mundo atual, nós vivemos uma realidade semelhante. Os estoques de alimentos existentes no planeta só são suficientes para alimentar a humanidade por menos de seis meses caso a produção de grãos seja zerada.

Segundo a FAO, a produção e o consumo de grãos em 2022 foi praticamente igual (2.750 milhões toneladas) e o estoque total é de 850 milhões de toneladas. Ou seja, nosso estoque é suficiente para quatro meses de consumo. É claro que no mundo moderno a produção de grãos está espalhada por muitos continentes e um colapso total por um ano é muito difícil de ocorrer. No caso do Hititas, ocorreu somente uma vez em 400 anos. Nossa tecnologia ainda não tem 200 anos. Essa é mais uma razão para nos preocuparmos com as mudanças climáticas.

Mais informações: Severe multi-year drought coincident with Hittite collapse around 1198–1196 bc. Nature https://doi.org/10.1038/s41586-022-05693-y 2023

É biólogo

Por aproximadamente 450 anos, entre 1650 e 1200 A.C. (antes de Cristo), o império Hitita dominou a Anatolia (onde hoje é a Turquia). Os Hititas rivalizavam com o império Egípcio e mantinham relações comerciais com todo o Oriente Médio. Eles possuíam uma escrita baseada em hieróglifos, dominavam a agricultura e deixaram lindas construções e obras de arte. Por volta de 1200 A.C., o império colapsou repentinamente e a capital, Hatusa, foi abandonada.

As razões para o colapso são um mistério, pois não ocorreram grandes guerras ou uma invasão. Recentemente foi descoberto que o rei ordenou o desmonte da capital. Ela foi desocupada de maneira ordenada e abandonada intacta. Os habitantes se dispersaram e o império desapareceu.

A novidade é que agora foi descoberta uma possível razão para o colapso: uma crise climática.

Imagem mostra tempo seco em localidade da Jordânia Foto: REUTERS/Muhammad Hamed - 6/03/2014

Faz alguns anos foram descobertos mais de 20 troncos de Juniper (zimbro) a 230 quilômetros da antiga capital Hatusa. Os troncos são muito antigos, provenientes de árvores que viveram na época do império Hitita. Usando técnicas de carbono 14 foi possível demonstrar que a parte mais interna dos troncos mais antigos são de 1497 A.C. e a parte externa do mais recente de 797 A.C..

Servidor anda em armazém do Porto de Santos, onde são estocados grãos, como soja e milho. Estoque mundial só é suficiente para quatro meses, aponta ONU Foto: Werther Santana/Estadão - 18/04/2016

Essas árvores viveram e cresceram durante o período áureo do império Hitita e sobreviveram ao seu desaparecimento. Como todo tronco de árvore, os troncos de Juniper são compostos por anéis, e cada anel corresponde a um ciclo de crescimento da árvore. Sabendo a idade exata (com um erro de três anos) de alguns dos anéis, é possível saber a que ano corresponde cada anel.

Sabemos também que a grossura do anel depende de quanto a árvore cresceu a cada ano. Nessa região um menor crescimento corresponde a um ano mais seco. Essa medida pode ser calibrada usando troncos recentes. Assim podemos correlacionar o quanto choveu em um ano com a grossura do anel nesse ano. Isso permite aos cientistas deduzir o clima de cada ano, principalmente a quantidade de chuva, no qual as árvores antigas viveram.

Usando esses dados, os cientistas estimaram a abundância de chuva, a cada ano entre 1497 e 797 A.C.. O que eles observaram é que durante todo esse período, aproximadamente a cada 10 anos, ocorria um ano de seca muito forte. Essas secas eram suficientemente fortes para que praticamente toda a produção de grãos fosse perdida.

A existência dessas secas periódicas aparecem nos escritos dos Hititas e faziam parte de seu cotidiano. É por esse motivo que as cidades do império possuem construções dedicadas ao estoque de grãos. Durante todo o período estudado (600 anos) não ocorreram dois anos seguidos de seca forte. Mas, entre os anos 1198 e 1196 A.C., ocorreram três anos seguidos de seca muito forte. Nesses anos as árvores de Júniper praticamente não conseguiram crescer e os anéis são muito finos.

Esse período de seca longa coincide exatamente com a data em que os Hititas desapareceram. Foi quando o rei ordenou que as cidades fossem desocupadas e abandonadas. Os cientistas acreditam que esse evento climático muito raro (uma seca de três anos) talvez não seja a única razão para o desaparecimento de todo o império, mas a falta de alimento por um período tão longo pode ter influenciado no desaparecimento dessa civilização.

Os Hititas dominaram a região, desenvolveram um sistema alimentar robusto, capaz de absorver as secas ocasionais, e com esse sistema sobreviveram e prosperaram por 400 anos. Mas o sistema não era robusto o suficiente para aguentar três anos sem alimentos.

No mundo atual, nós vivemos uma realidade semelhante. Os estoques de alimentos existentes no planeta só são suficientes para alimentar a humanidade por menos de seis meses caso a produção de grãos seja zerada.

Segundo a FAO, a produção e o consumo de grãos em 2022 foi praticamente igual (2.750 milhões toneladas) e o estoque total é de 850 milhões de toneladas. Ou seja, nosso estoque é suficiente para quatro meses de consumo. É claro que no mundo moderno a produção de grãos está espalhada por muitos continentes e um colapso total por um ano é muito difícil de ocorrer. No caso do Hititas, ocorreu somente uma vez em 400 anos. Nossa tecnologia ainda não tem 200 anos. Essa é mais uma razão para nos preocuparmos com as mudanças climáticas.

Mais informações: Severe multi-year drought coincident with Hittite collapse around 1198–1196 bc. Nature https://doi.org/10.1038/s41586-022-05693-y 2023

É biólogo

Por aproximadamente 450 anos, entre 1650 e 1200 A.C. (antes de Cristo), o império Hitita dominou a Anatolia (onde hoje é a Turquia). Os Hititas rivalizavam com o império Egípcio e mantinham relações comerciais com todo o Oriente Médio. Eles possuíam uma escrita baseada em hieróglifos, dominavam a agricultura e deixaram lindas construções e obras de arte. Por volta de 1200 A.C., o império colapsou repentinamente e a capital, Hatusa, foi abandonada.

As razões para o colapso são um mistério, pois não ocorreram grandes guerras ou uma invasão. Recentemente foi descoberto que o rei ordenou o desmonte da capital. Ela foi desocupada de maneira ordenada e abandonada intacta. Os habitantes se dispersaram e o império desapareceu.

A novidade é que agora foi descoberta uma possível razão para o colapso: uma crise climática.

Imagem mostra tempo seco em localidade da Jordânia Foto: REUTERS/Muhammad Hamed - 6/03/2014

Faz alguns anos foram descobertos mais de 20 troncos de Juniper (zimbro) a 230 quilômetros da antiga capital Hatusa. Os troncos são muito antigos, provenientes de árvores que viveram na época do império Hitita. Usando técnicas de carbono 14 foi possível demonstrar que a parte mais interna dos troncos mais antigos são de 1497 A.C. e a parte externa do mais recente de 797 A.C..

Servidor anda em armazém do Porto de Santos, onde são estocados grãos, como soja e milho. Estoque mundial só é suficiente para quatro meses, aponta ONU Foto: Werther Santana/Estadão - 18/04/2016

Essas árvores viveram e cresceram durante o período áureo do império Hitita e sobreviveram ao seu desaparecimento. Como todo tronco de árvore, os troncos de Juniper são compostos por anéis, e cada anel corresponde a um ciclo de crescimento da árvore. Sabendo a idade exata (com um erro de três anos) de alguns dos anéis, é possível saber a que ano corresponde cada anel.

Sabemos também que a grossura do anel depende de quanto a árvore cresceu a cada ano. Nessa região um menor crescimento corresponde a um ano mais seco. Essa medida pode ser calibrada usando troncos recentes. Assim podemos correlacionar o quanto choveu em um ano com a grossura do anel nesse ano. Isso permite aos cientistas deduzir o clima de cada ano, principalmente a quantidade de chuva, no qual as árvores antigas viveram.

Usando esses dados, os cientistas estimaram a abundância de chuva, a cada ano entre 1497 e 797 A.C.. O que eles observaram é que durante todo esse período, aproximadamente a cada 10 anos, ocorria um ano de seca muito forte. Essas secas eram suficientemente fortes para que praticamente toda a produção de grãos fosse perdida.

A existência dessas secas periódicas aparecem nos escritos dos Hititas e faziam parte de seu cotidiano. É por esse motivo que as cidades do império possuem construções dedicadas ao estoque de grãos. Durante todo o período estudado (600 anos) não ocorreram dois anos seguidos de seca forte. Mas, entre os anos 1198 e 1196 A.C., ocorreram três anos seguidos de seca muito forte. Nesses anos as árvores de Júniper praticamente não conseguiram crescer e os anéis são muito finos.

Esse período de seca longa coincide exatamente com a data em que os Hititas desapareceram. Foi quando o rei ordenou que as cidades fossem desocupadas e abandonadas. Os cientistas acreditam que esse evento climático muito raro (uma seca de três anos) talvez não seja a única razão para o desaparecimento de todo o império, mas a falta de alimento por um período tão longo pode ter influenciado no desaparecimento dessa civilização.

Os Hititas dominaram a região, desenvolveram um sistema alimentar robusto, capaz de absorver as secas ocasionais, e com esse sistema sobreviveram e prosperaram por 400 anos. Mas o sistema não era robusto o suficiente para aguentar três anos sem alimentos.

No mundo atual, nós vivemos uma realidade semelhante. Os estoques de alimentos existentes no planeta só são suficientes para alimentar a humanidade por menos de seis meses caso a produção de grãos seja zerada.

Segundo a FAO, a produção e o consumo de grãos em 2022 foi praticamente igual (2.750 milhões toneladas) e o estoque total é de 850 milhões de toneladas. Ou seja, nosso estoque é suficiente para quatro meses de consumo. É claro que no mundo moderno a produção de grãos está espalhada por muitos continentes e um colapso total por um ano é muito difícil de ocorrer. No caso do Hititas, ocorreu somente uma vez em 400 anos. Nossa tecnologia ainda não tem 200 anos. Essa é mais uma razão para nos preocuparmos com as mudanças climáticas.

Mais informações: Severe multi-year drought coincident with Hittite collapse around 1198–1196 bc. Nature https://doi.org/10.1038/s41586-022-05693-y 2023

É biólogo

Por aproximadamente 450 anos, entre 1650 e 1200 A.C. (antes de Cristo), o império Hitita dominou a Anatolia (onde hoje é a Turquia). Os Hititas rivalizavam com o império Egípcio e mantinham relações comerciais com todo o Oriente Médio. Eles possuíam uma escrita baseada em hieróglifos, dominavam a agricultura e deixaram lindas construções e obras de arte. Por volta de 1200 A.C., o império colapsou repentinamente e a capital, Hatusa, foi abandonada.

As razões para o colapso são um mistério, pois não ocorreram grandes guerras ou uma invasão. Recentemente foi descoberto que o rei ordenou o desmonte da capital. Ela foi desocupada de maneira ordenada e abandonada intacta. Os habitantes se dispersaram e o império desapareceu.

A novidade é que agora foi descoberta uma possível razão para o colapso: uma crise climática.

Imagem mostra tempo seco em localidade da Jordânia Foto: REUTERS/Muhammad Hamed - 6/03/2014

Faz alguns anos foram descobertos mais de 20 troncos de Juniper (zimbro) a 230 quilômetros da antiga capital Hatusa. Os troncos são muito antigos, provenientes de árvores que viveram na época do império Hitita. Usando técnicas de carbono 14 foi possível demonstrar que a parte mais interna dos troncos mais antigos são de 1497 A.C. e a parte externa do mais recente de 797 A.C..

Servidor anda em armazém do Porto de Santos, onde são estocados grãos, como soja e milho. Estoque mundial só é suficiente para quatro meses, aponta ONU Foto: Werther Santana/Estadão - 18/04/2016

Essas árvores viveram e cresceram durante o período áureo do império Hitita e sobreviveram ao seu desaparecimento. Como todo tronco de árvore, os troncos de Juniper são compostos por anéis, e cada anel corresponde a um ciclo de crescimento da árvore. Sabendo a idade exata (com um erro de três anos) de alguns dos anéis, é possível saber a que ano corresponde cada anel.

Sabemos também que a grossura do anel depende de quanto a árvore cresceu a cada ano. Nessa região um menor crescimento corresponde a um ano mais seco. Essa medida pode ser calibrada usando troncos recentes. Assim podemos correlacionar o quanto choveu em um ano com a grossura do anel nesse ano. Isso permite aos cientistas deduzir o clima de cada ano, principalmente a quantidade de chuva, no qual as árvores antigas viveram.

Usando esses dados, os cientistas estimaram a abundância de chuva, a cada ano entre 1497 e 797 A.C.. O que eles observaram é que durante todo esse período, aproximadamente a cada 10 anos, ocorria um ano de seca muito forte. Essas secas eram suficientemente fortes para que praticamente toda a produção de grãos fosse perdida.

A existência dessas secas periódicas aparecem nos escritos dos Hititas e faziam parte de seu cotidiano. É por esse motivo que as cidades do império possuem construções dedicadas ao estoque de grãos. Durante todo o período estudado (600 anos) não ocorreram dois anos seguidos de seca forte. Mas, entre os anos 1198 e 1196 A.C., ocorreram três anos seguidos de seca muito forte. Nesses anos as árvores de Júniper praticamente não conseguiram crescer e os anéis são muito finos.

Esse período de seca longa coincide exatamente com a data em que os Hititas desapareceram. Foi quando o rei ordenou que as cidades fossem desocupadas e abandonadas. Os cientistas acreditam que esse evento climático muito raro (uma seca de três anos) talvez não seja a única razão para o desaparecimento de todo o império, mas a falta de alimento por um período tão longo pode ter influenciado no desaparecimento dessa civilização.

Os Hititas dominaram a região, desenvolveram um sistema alimentar robusto, capaz de absorver as secas ocasionais, e com esse sistema sobreviveram e prosperaram por 400 anos. Mas o sistema não era robusto o suficiente para aguentar três anos sem alimentos.

No mundo atual, nós vivemos uma realidade semelhante. Os estoques de alimentos existentes no planeta só são suficientes para alimentar a humanidade por menos de seis meses caso a produção de grãos seja zerada.

Segundo a FAO, a produção e o consumo de grãos em 2022 foi praticamente igual (2.750 milhões toneladas) e o estoque total é de 850 milhões de toneladas. Ou seja, nosso estoque é suficiente para quatro meses de consumo. É claro que no mundo moderno a produção de grãos está espalhada por muitos continentes e um colapso total por um ano é muito difícil de ocorrer. No caso do Hititas, ocorreu somente uma vez em 400 anos. Nossa tecnologia ainda não tem 200 anos. Essa é mais uma razão para nos preocuparmos com as mudanças climáticas.

Mais informações: Severe multi-year drought coincident with Hittite collapse around 1198–1196 bc. Nature https://doi.org/10.1038/s41586-022-05693-y 2023

É biólogo

Opinião por Fernando Reinach

Biólogo, PHD em Biologia Celular e Molecular pela Cornell University e autor de "A Chegada do Novo Coronavírus no Brasil"; "Folha de Lótus, Escorregador de Mosquito"; e "A Longa Marcha dos Grilos Canibais"

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