Opinião|Qual foi o erro de cálculo que permitiu uma pesca maior do que a natureza dá conta


Situação tem levado os órgãos que regulam a pesca a permitir que barcos capturem mais peixes do que a capacidade de reposição da população

Por Fernando Reinach

Foi descoberto que os modelos usados para estimar as populações de peixes nos oceanos estão errados. O erro tem levado os órgãos que regulam a pesca a permitir que barcos capturem mais peixes do que a capacidade de reposição da população.

Ainda são necessárias novas investigações, mas estudo põe em xeque precisão de modelo para autorização de pesca Foto: Battler/Adobe stock

Estimar a população de peixes nos oceanos não é fácil. Imagine que você é um criador de gado e deseja manter a população de bovinos em sua fazenda constante. Para isso, tem de definir quantos animais vai abater a cada ano.

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Todo início de ano, você conta os animais que possui. Ao longo do ano, registra quantos nasceram, quantos morreram, e chega à conclusão que as 100 cabeças do início do ano se tornaram 110 no final. Aí, você entra no pasto, escolhe 10 cabeças adultas e manda para o matadouro. É um processo simples.

Mesmo que em um ano nasçam mais ou menos bezerros, você vai conseguir manter seu rebanho em 100 cabeças ao longo dos anos. A ideia da pesca sustentável funciona da mesma maneira: os órgãos que regulam a pesca calculam quanto de peixe existe em uma área, quantos peixes a área produziu, e alocam cotas de abate para as frotas pesqueiras.

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O problema é que contar peixes nos oceanos não é tão simples como contar gado no pasto. Aliás, contar peixes é quase impossível. Eles são invisíveis da superfície, se movimentam muito e as áreas de oceano que habitam são enormes.

Por esse motivo, os cientistas criaram modelos para estimar quanto pode ser pescado. É como se nosso fazendeiro não pudesse contar as cabeças que tem, pois está impedido de entrar na fazenda. Então, constrói um modelo.

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Ele imagina que tem 100 cabeças, sabe que cada vaca gera um bezerro por ano, que devem nascer metade de machos e metade de fêmeas, sabe também quando os animais atingem a maturidade sexual e começam a reproduzir. Sabe que onças comem bezerros e cobras picam.

Com base nesses conhecimentos, ele pode calcular que deve ter, por exemplo, 30 vacas férteis, e, portanto, devem nascer 30 bezerros. Mas algumas vacas não engravidam e bezerros morrem. Com tudo isso, ele gera um modelo que prediz que pode abater 12 animais.

Como não pode escolher, pega 12 ao acaso. Esses 12 ele pode observar e sabe sua idade, sexo e outras informações. Usando esses dados, ele pode tentar corrigir o modelo. E aí repete no ano seguinte. São modelos como esse que ecologistas e especialistas em reprodução usam para determinar quantos peixes podem ser pescados. É o melhor que podem fazer com os dados disponíveis.

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O que aconteceu agora é que um grupo de cientistas descobriu um método para verificar se esses modelos representam fielmente a realidade. Para verificar se um modelo produz previsões corretas, a maneira clássica é comparar o que foi predito com a realidade do que aconteceu. Se você quiser saber se a previsão do tempo funciona, basta anotar todo dia o que foi previsto e no dia seguinte comparar com o que de fato ocorreu.

No caso dos modelos de pesca, foi algo desse tipo que os cientistas fizeram. Eles pegaram o número do que o modelo recomendava liberar em 2021 (vamos imaginar 100 toneladas de peixe podem ser pescadas de um total de 800 toneladas).

Aí incluíram os dados sobre o que de fato foi pescado e refizeram as contas. Dessa maneira, eles obtinham dois dados para 2021: um era o dado original (usado para determinar as quotas), o outro, calculado após a pesca.

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E esse processo foi repetido para autorizações de até 15 anos atrás usando como correção os dados mais recentes. Isso foi repetido para todas as 230 principais áreas de pesca do planeta.

O que eles descobriram é que os números usados para emitir as autorizações no passado recomendaram a liberação de quantidade maior de peixes do que os números corrigidos com os dados recentes. Ou seja, os modelos têm permitido que sejam pescados mais peixes que o nível de sustentabilidade.

Se isso ocorresse com nosso fazendeiro, ele teria vendido, todo ano, um número maior de animais do que haviam nascido, dizimando lentamente seu rebanho. É o que vem ocorrendo nos oceanos.

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A conclusão é de que esses modelos contêm erros que precisam ser corrigidos. Essas conclusões devem provocar grande discussão entre os cientistas e os órgãos regulatórios. Se forem confirmadas, devem levar a uma redução das cotas no setor de pesca comercial.

Mas é bom lembrar que se desejamos preservar os oceanos, além dos problemas com os modelos, ainda temos que combater a pesca ilegal. Com os humanos no comando, o mar realmente não está para peixe.

Mais informações: Stock assessment models overstate sustainability of the world’s fisheries. Science https://science.org/doi/10.1126/science.adl6282 2024. Sobre os modelos para estimar a população em um dado ambiente, veja: https://www.fisheries.noaa.gov/insight/stock-assessment-model-descriptions

Foi descoberto que os modelos usados para estimar as populações de peixes nos oceanos estão errados. O erro tem levado os órgãos que regulam a pesca a permitir que barcos capturem mais peixes do que a capacidade de reposição da população.

Ainda são necessárias novas investigações, mas estudo põe em xeque precisão de modelo para autorização de pesca Foto: Battler/Adobe stock

Estimar a população de peixes nos oceanos não é fácil. Imagine que você é um criador de gado e deseja manter a população de bovinos em sua fazenda constante. Para isso, tem de definir quantos animais vai abater a cada ano.

Todo início de ano, você conta os animais que possui. Ao longo do ano, registra quantos nasceram, quantos morreram, e chega à conclusão que as 100 cabeças do início do ano se tornaram 110 no final. Aí, você entra no pasto, escolhe 10 cabeças adultas e manda para o matadouro. É um processo simples.

Mesmo que em um ano nasçam mais ou menos bezerros, você vai conseguir manter seu rebanho em 100 cabeças ao longo dos anos. A ideia da pesca sustentável funciona da mesma maneira: os órgãos que regulam a pesca calculam quanto de peixe existe em uma área, quantos peixes a área produziu, e alocam cotas de abate para as frotas pesqueiras.

O problema é que contar peixes nos oceanos não é tão simples como contar gado no pasto. Aliás, contar peixes é quase impossível. Eles são invisíveis da superfície, se movimentam muito e as áreas de oceano que habitam são enormes.

Por esse motivo, os cientistas criaram modelos para estimar quanto pode ser pescado. É como se nosso fazendeiro não pudesse contar as cabeças que tem, pois está impedido de entrar na fazenda. Então, constrói um modelo.

Ele imagina que tem 100 cabeças, sabe que cada vaca gera um bezerro por ano, que devem nascer metade de machos e metade de fêmeas, sabe também quando os animais atingem a maturidade sexual e começam a reproduzir. Sabe que onças comem bezerros e cobras picam.

Com base nesses conhecimentos, ele pode calcular que deve ter, por exemplo, 30 vacas férteis, e, portanto, devem nascer 30 bezerros. Mas algumas vacas não engravidam e bezerros morrem. Com tudo isso, ele gera um modelo que prediz que pode abater 12 animais.

Como não pode escolher, pega 12 ao acaso. Esses 12 ele pode observar e sabe sua idade, sexo e outras informações. Usando esses dados, ele pode tentar corrigir o modelo. E aí repete no ano seguinte. São modelos como esse que ecologistas e especialistas em reprodução usam para determinar quantos peixes podem ser pescados. É o melhor que podem fazer com os dados disponíveis.

O que aconteceu agora é que um grupo de cientistas descobriu um método para verificar se esses modelos representam fielmente a realidade. Para verificar se um modelo produz previsões corretas, a maneira clássica é comparar o que foi predito com a realidade do que aconteceu. Se você quiser saber se a previsão do tempo funciona, basta anotar todo dia o que foi previsto e no dia seguinte comparar com o que de fato ocorreu.

No caso dos modelos de pesca, foi algo desse tipo que os cientistas fizeram. Eles pegaram o número do que o modelo recomendava liberar em 2021 (vamos imaginar 100 toneladas de peixe podem ser pescadas de um total de 800 toneladas).

Aí incluíram os dados sobre o que de fato foi pescado e refizeram as contas. Dessa maneira, eles obtinham dois dados para 2021: um era o dado original (usado para determinar as quotas), o outro, calculado após a pesca.

E esse processo foi repetido para autorizações de até 15 anos atrás usando como correção os dados mais recentes. Isso foi repetido para todas as 230 principais áreas de pesca do planeta.

O que eles descobriram é que os números usados para emitir as autorizações no passado recomendaram a liberação de quantidade maior de peixes do que os números corrigidos com os dados recentes. Ou seja, os modelos têm permitido que sejam pescados mais peixes que o nível de sustentabilidade.

Se isso ocorresse com nosso fazendeiro, ele teria vendido, todo ano, um número maior de animais do que haviam nascido, dizimando lentamente seu rebanho. É o que vem ocorrendo nos oceanos.

A conclusão é de que esses modelos contêm erros que precisam ser corrigidos. Essas conclusões devem provocar grande discussão entre os cientistas e os órgãos regulatórios. Se forem confirmadas, devem levar a uma redução das cotas no setor de pesca comercial.

Mas é bom lembrar que se desejamos preservar os oceanos, além dos problemas com os modelos, ainda temos que combater a pesca ilegal. Com os humanos no comando, o mar realmente não está para peixe.

Mais informações: Stock assessment models overstate sustainability of the world’s fisheries. Science https://science.org/doi/10.1126/science.adl6282 2024. Sobre os modelos para estimar a população em um dado ambiente, veja: https://www.fisheries.noaa.gov/insight/stock-assessment-model-descriptions

Foi descoberto que os modelos usados para estimar as populações de peixes nos oceanos estão errados. O erro tem levado os órgãos que regulam a pesca a permitir que barcos capturem mais peixes do que a capacidade de reposição da população.

Ainda são necessárias novas investigações, mas estudo põe em xeque precisão de modelo para autorização de pesca Foto: Battler/Adobe stock

Estimar a população de peixes nos oceanos não é fácil. Imagine que você é um criador de gado e deseja manter a população de bovinos em sua fazenda constante. Para isso, tem de definir quantos animais vai abater a cada ano.

Todo início de ano, você conta os animais que possui. Ao longo do ano, registra quantos nasceram, quantos morreram, e chega à conclusão que as 100 cabeças do início do ano se tornaram 110 no final. Aí, você entra no pasto, escolhe 10 cabeças adultas e manda para o matadouro. É um processo simples.

Mesmo que em um ano nasçam mais ou menos bezerros, você vai conseguir manter seu rebanho em 100 cabeças ao longo dos anos. A ideia da pesca sustentável funciona da mesma maneira: os órgãos que regulam a pesca calculam quanto de peixe existe em uma área, quantos peixes a área produziu, e alocam cotas de abate para as frotas pesqueiras.

O problema é que contar peixes nos oceanos não é tão simples como contar gado no pasto. Aliás, contar peixes é quase impossível. Eles são invisíveis da superfície, se movimentam muito e as áreas de oceano que habitam são enormes.

Por esse motivo, os cientistas criaram modelos para estimar quanto pode ser pescado. É como se nosso fazendeiro não pudesse contar as cabeças que tem, pois está impedido de entrar na fazenda. Então, constrói um modelo.

Ele imagina que tem 100 cabeças, sabe que cada vaca gera um bezerro por ano, que devem nascer metade de machos e metade de fêmeas, sabe também quando os animais atingem a maturidade sexual e começam a reproduzir. Sabe que onças comem bezerros e cobras picam.

Com base nesses conhecimentos, ele pode calcular que deve ter, por exemplo, 30 vacas férteis, e, portanto, devem nascer 30 bezerros. Mas algumas vacas não engravidam e bezerros morrem. Com tudo isso, ele gera um modelo que prediz que pode abater 12 animais.

Como não pode escolher, pega 12 ao acaso. Esses 12 ele pode observar e sabe sua idade, sexo e outras informações. Usando esses dados, ele pode tentar corrigir o modelo. E aí repete no ano seguinte. São modelos como esse que ecologistas e especialistas em reprodução usam para determinar quantos peixes podem ser pescados. É o melhor que podem fazer com os dados disponíveis.

O que aconteceu agora é que um grupo de cientistas descobriu um método para verificar se esses modelos representam fielmente a realidade. Para verificar se um modelo produz previsões corretas, a maneira clássica é comparar o que foi predito com a realidade do que aconteceu. Se você quiser saber se a previsão do tempo funciona, basta anotar todo dia o que foi previsto e no dia seguinte comparar com o que de fato ocorreu.

No caso dos modelos de pesca, foi algo desse tipo que os cientistas fizeram. Eles pegaram o número do que o modelo recomendava liberar em 2021 (vamos imaginar 100 toneladas de peixe podem ser pescadas de um total de 800 toneladas).

Aí incluíram os dados sobre o que de fato foi pescado e refizeram as contas. Dessa maneira, eles obtinham dois dados para 2021: um era o dado original (usado para determinar as quotas), o outro, calculado após a pesca.

E esse processo foi repetido para autorizações de até 15 anos atrás usando como correção os dados mais recentes. Isso foi repetido para todas as 230 principais áreas de pesca do planeta.

O que eles descobriram é que os números usados para emitir as autorizações no passado recomendaram a liberação de quantidade maior de peixes do que os números corrigidos com os dados recentes. Ou seja, os modelos têm permitido que sejam pescados mais peixes que o nível de sustentabilidade.

Se isso ocorresse com nosso fazendeiro, ele teria vendido, todo ano, um número maior de animais do que haviam nascido, dizimando lentamente seu rebanho. É o que vem ocorrendo nos oceanos.

A conclusão é de que esses modelos contêm erros que precisam ser corrigidos. Essas conclusões devem provocar grande discussão entre os cientistas e os órgãos regulatórios. Se forem confirmadas, devem levar a uma redução das cotas no setor de pesca comercial.

Mas é bom lembrar que se desejamos preservar os oceanos, além dos problemas com os modelos, ainda temos que combater a pesca ilegal. Com os humanos no comando, o mar realmente não está para peixe.

Mais informações: Stock assessment models overstate sustainability of the world’s fisheries. Science https://science.org/doi/10.1126/science.adl6282 2024. Sobre os modelos para estimar a população em um dado ambiente, veja: https://www.fisheries.noaa.gov/insight/stock-assessment-model-descriptions

Foi descoberto que os modelos usados para estimar as populações de peixes nos oceanos estão errados. O erro tem levado os órgãos que regulam a pesca a permitir que barcos capturem mais peixes do que a capacidade de reposição da população.

Ainda são necessárias novas investigações, mas estudo põe em xeque precisão de modelo para autorização de pesca Foto: Battler/Adobe stock

Estimar a população de peixes nos oceanos não é fácil. Imagine que você é um criador de gado e deseja manter a população de bovinos em sua fazenda constante. Para isso, tem de definir quantos animais vai abater a cada ano.

Todo início de ano, você conta os animais que possui. Ao longo do ano, registra quantos nasceram, quantos morreram, e chega à conclusão que as 100 cabeças do início do ano se tornaram 110 no final. Aí, você entra no pasto, escolhe 10 cabeças adultas e manda para o matadouro. É um processo simples.

Mesmo que em um ano nasçam mais ou menos bezerros, você vai conseguir manter seu rebanho em 100 cabeças ao longo dos anos. A ideia da pesca sustentável funciona da mesma maneira: os órgãos que regulam a pesca calculam quanto de peixe existe em uma área, quantos peixes a área produziu, e alocam cotas de abate para as frotas pesqueiras.

O problema é que contar peixes nos oceanos não é tão simples como contar gado no pasto. Aliás, contar peixes é quase impossível. Eles são invisíveis da superfície, se movimentam muito e as áreas de oceano que habitam são enormes.

Por esse motivo, os cientistas criaram modelos para estimar quanto pode ser pescado. É como se nosso fazendeiro não pudesse contar as cabeças que tem, pois está impedido de entrar na fazenda. Então, constrói um modelo.

Ele imagina que tem 100 cabeças, sabe que cada vaca gera um bezerro por ano, que devem nascer metade de machos e metade de fêmeas, sabe também quando os animais atingem a maturidade sexual e começam a reproduzir. Sabe que onças comem bezerros e cobras picam.

Com base nesses conhecimentos, ele pode calcular que deve ter, por exemplo, 30 vacas férteis, e, portanto, devem nascer 30 bezerros. Mas algumas vacas não engravidam e bezerros morrem. Com tudo isso, ele gera um modelo que prediz que pode abater 12 animais.

Como não pode escolher, pega 12 ao acaso. Esses 12 ele pode observar e sabe sua idade, sexo e outras informações. Usando esses dados, ele pode tentar corrigir o modelo. E aí repete no ano seguinte. São modelos como esse que ecologistas e especialistas em reprodução usam para determinar quantos peixes podem ser pescados. É o melhor que podem fazer com os dados disponíveis.

O que aconteceu agora é que um grupo de cientistas descobriu um método para verificar se esses modelos representam fielmente a realidade. Para verificar se um modelo produz previsões corretas, a maneira clássica é comparar o que foi predito com a realidade do que aconteceu. Se você quiser saber se a previsão do tempo funciona, basta anotar todo dia o que foi previsto e no dia seguinte comparar com o que de fato ocorreu.

No caso dos modelos de pesca, foi algo desse tipo que os cientistas fizeram. Eles pegaram o número do que o modelo recomendava liberar em 2021 (vamos imaginar 100 toneladas de peixe podem ser pescadas de um total de 800 toneladas).

Aí incluíram os dados sobre o que de fato foi pescado e refizeram as contas. Dessa maneira, eles obtinham dois dados para 2021: um era o dado original (usado para determinar as quotas), o outro, calculado após a pesca.

E esse processo foi repetido para autorizações de até 15 anos atrás usando como correção os dados mais recentes. Isso foi repetido para todas as 230 principais áreas de pesca do planeta.

O que eles descobriram é que os números usados para emitir as autorizações no passado recomendaram a liberação de quantidade maior de peixes do que os números corrigidos com os dados recentes. Ou seja, os modelos têm permitido que sejam pescados mais peixes que o nível de sustentabilidade.

Se isso ocorresse com nosso fazendeiro, ele teria vendido, todo ano, um número maior de animais do que haviam nascido, dizimando lentamente seu rebanho. É o que vem ocorrendo nos oceanos.

A conclusão é de que esses modelos contêm erros que precisam ser corrigidos. Essas conclusões devem provocar grande discussão entre os cientistas e os órgãos regulatórios. Se forem confirmadas, devem levar a uma redução das cotas no setor de pesca comercial.

Mas é bom lembrar que se desejamos preservar os oceanos, além dos problemas com os modelos, ainda temos que combater a pesca ilegal. Com os humanos no comando, o mar realmente não está para peixe.

Mais informações: Stock assessment models overstate sustainability of the world’s fisheries. Science https://science.org/doi/10.1126/science.adl6282 2024. Sobre os modelos para estimar a população em um dado ambiente, veja: https://www.fisheries.noaa.gov/insight/stock-assessment-model-descriptions

Foi descoberto que os modelos usados para estimar as populações de peixes nos oceanos estão errados. O erro tem levado os órgãos que regulam a pesca a permitir que barcos capturem mais peixes do que a capacidade de reposição da população.

Ainda são necessárias novas investigações, mas estudo põe em xeque precisão de modelo para autorização de pesca Foto: Battler/Adobe stock

Estimar a população de peixes nos oceanos não é fácil. Imagine que você é um criador de gado e deseja manter a população de bovinos em sua fazenda constante. Para isso, tem de definir quantos animais vai abater a cada ano.

Todo início de ano, você conta os animais que possui. Ao longo do ano, registra quantos nasceram, quantos morreram, e chega à conclusão que as 100 cabeças do início do ano se tornaram 110 no final. Aí, você entra no pasto, escolhe 10 cabeças adultas e manda para o matadouro. É um processo simples.

Mesmo que em um ano nasçam mais ou menos bezerros, você vai conseguir manter seu rebanho em 100 cabeças ao longo dos anos. A ideia da pesca sustentável funciona da mesma maneira: os órgãos que regulam a pesca calculam quanto de peixe existe em uma área, quantos peixes a área produziu, e alocam cotas de abate para as frotas pesqueiras.

O problema é que contar peixes nos oceanos não é tão simples como contar gado no pasto. Aliás, contar peixes é quase impossível. Eles são invisíveis da superfície, se movimentam muito e as áreas de oceano que habitam são enormes.

Por esse motivo, os cientistas criaram modelos para estimar quanto pode ser pescado. É como se nosso fazendeiro não pudesse contar as cabeças que tem, pois está impedido de entrar na fazenda. Então, constrói um modelo.

Ele imagina que tem 100 cabeças, sabe que cada vaca gera um bezerro por ano, que devem nascer metade de machos e metade de fêmeas, sabe também quando os animais atingem a maturidade sexual e começam a reproduzir. Sabe que onças comem bezerros e cobras picam.

Com base nesses conhecimentos, ele pode calcular que deve ter, por exemplo, 30 vacas férteis, e, portanto, devem nascer 30 bezerros. Mas algumas vacas não engravidam e bezerros morrem. Com tudo isso, ele gera um modelo que prediz que pode abater 12 animais.

Como não pode escolher, pega 12 ao acaso. Esses 12 ele pode observar e sabe sua idade, sexo e outras informações. Usando esses dados, ele pode tentar corrigir o modelo. E aí repete no ano seguinte. São modelos como esse que ecologistas e especialistas em reprodução usam para determinar quantos peixes podem ser pescados. É o melhor que podem fazer com os dados disponíveis.

O que aconteceu agora é que um grupo de cientistas descobriu um método para verificar se esses modelos representam fielmente a realidade. Para verificar se um modelo produz previsões corretas, a maneira clássica é comparar o que foi predito com a realidade do que aconteceu. Se você quiser saber se a previsão do tempo funciona, basta anotar todo dia o que foi previsto e no dia seguinte comparar com o que de fato ocorreu.

No caso dos modelos de pesca, foi algo desse tipo que os cientistas fizeram. Eles pegaram o número do que o modelo recomendava liberar em 2021 (vamos imaginar 100 toneladas de peixe podem ser pescadas de um total de 800 toneladas).

Aí incluíram os dados sobre o que de fato foi pescado e refizeram as contas. Dessa maneira, eles obtinham dois dados para 2021: um era o dado original (usado para determinar as quotas), o outro, calculado após a pesca.

E esse processo foi repetido para autorizações de até 15 anos atrás usando como correção os dados mais recentes. Isso foi repetido para todas as 230 principais áreas de pesca do planeta.

O que eles descobriram é que os números usados para emitir as autorizações no passado recomendaram a liberação de quantidade maior de peixes do que os números corrigidos com os dados recentes. Ou seja, os modelos têm permitido que sejam pescados mais peixes que o nível de sustentabilidade.

Se isso ocorresse com nosso fazendeiro, ele teria vendido, todo ano, um número maior de animais do que haviam nascido, dizimando lentamente seu rebanho. É o que vem ocorrendo nos oceanos.

A conclusão é de que esses modelos contêm erros que precisam ser corrigidos. Essas conclusões devem provocar grande discussão entre os cientistas e os órgãos regulatórios. Se forem confirmadas, devem levar a uma redução das cotas no setor de pesca comercial.

Mas é bom lembrar que se desejamos preservar os oceanos, além dos problemas com os modelos, ainda temos que combater a pesca ilegal. Com os humanos no comando, o mar realmente não está para peixe.

Mais informações: Stock assessment models overstate sustainability of the world’s fisheries. Science https://science.org/doi/10.1126/science.adl6282 2024. Sobre os modelos para estimar a população em um dado ambiente, veja: https://www.fisheries.noaa.gov/insight/stock-assessment-model-descriptions

Opinião por Fernando Reinach

Biólogo, PHD em Biologia Celular e Molecular pela Cornell University e autor de "A Chegada do Novo Coronavírus no Brasil"; "Folha de Lótus, Escorregador de Mosquito"; e "A Longa Marcha dos Grilos Canibais"

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