Entre as plantas intoxicantes, o tabaco causa os maiores danos. Provoca dependência, mata milhares de pessoas e é considerado pela Organização Mundial da Saúde como a mais importante causa de mortes evitáveis. A novidade é que nossa relação com o tabaco começou muito antes do que imaginávamos.
O tabaco é produzido a partir das folhas de uma planta chamada Nicotiana, nativa da América do Norte. Ela foi descoberta por seres humanos que chegaram ao continente aproximadamente 20 mil anos atrás. Após cruzar o estreito de Bering, essa população se espalhou pela América do Norte, desceu pela América Central e colonizou a América do Sul. Escavações arqueológicas no sul dos Estados Unidos demonstraram o uso de tabaco e a presença de cachimbos por volta de 3 mil anos atrás. Seu uso entre os indígenas da América do Sul começou logo depois. Os europeus entraram em contato com o tabaco assim que chegaram à América, e em 1559 sementes de tabaco foram levadas à Europa. Em 1700 ele já havia se espalhado pelo mundo. Em meados do século 20, os malefícios do fumo foram comprovados e seu uso tem sido combatido.
Nos últimos anos, cientistas começaram a escavar um sítio arqueológico situado na fronteira entre os Estados de Utah e Nevada, nos EUA, chamado de Great Salt Lake Desert. Eles foram atraídos a esse local pela presença de restos de acampamentos de populações de caçadores e coletores. O lugar é hoje um deserto salgado, mas 10 mil anos atrás era uma espécie de pântano, drenado por um rio e seus afluentes. Essas populações acampavam à beira desses afluentes por longos períodos.
Em um desses acampamentos foi encontrada uma depressão no solo, cercada por pedras, onde eram feitas fogueiras e as pessoas cozinhavam, faziam suas refeições e, imagino, ficavam conversando. Locais como esses são muito importantes do ponto de vista arqueológico pois acumulam muitos ossos dos animais consumidos, partes de plantas e sementes, instrumentos de caça e de preparo da comida.
Quando esses locais são escavados, cada um dos milhares de fragmentos de ossos e plantas encontrados é catalogado e examinado. Foi num desses lugares que os cientistas encontraram quatro (sim, somente quatro) sementes carbonizadas de tabaco. Apesar de torradas, os cientistas puderam facilmente identificar sua origem. Mas o que chamou a atenção dos cientistas é que o local foi ocupado por populações humanas entre 12.700 e 11.000 anos atrás, abandonado, e depois recoberto por uma camada de solo. Os cientistas sabem exatamente o período de ocupação pois muitas amostras de material orgânico coletado ao redor dessa fogueira foram analisadas para a presença de carbono 14, o que permite descobrir o ano em que os seres vivos que originaram o material morreram.
As plantas encontradas eram todas de espécies consumidas pela população como alimento, e os ossos eram de animais caçados. Essas populações seminômades são bem conhecidas, pois dezenas desses acampamentos já foram estudados nas últimas décadas.
Os cientistas acreditam que as sementes de fumo encontradas indicam que as pessoas que acampavam por lá já conheciam o tabaco e provavelmente o usavam. Não sabemos como ele era utilizado, se era mascado, comido, queimado ou fumado, mas provavelmente essas pessoas já usufruíam dos efeitos estimulantes (e viciantes) da nicotina. Análises feitas no local descartaram a possibilidade de o tabaco ter sido coletado localmente; provavelmente, ele foi transportado de outro local.
Como essas sementes foram queimadas 12.300 anos atrás, isso indica que nossos ancestrais já fumavam – ou consumiam tabaco – nessa época. Essa descoberta leva para um passado mais distante a data em que começamos a usar o tabaco. Se o seu uso comprovado antes dessa descoberta era de 3.000 anos atrás, agora passa a ser de 12.300 anos. Não sabemos quanto de tabaco nossos ancestrais consumiam, mas provavelmente 12.300 anos atrás parte deles já morria de câncer no pulmão causado pelo fumo.
MAIS INFORMAÇÕES: Earliest evidence for human use of tobacco in the Pleistocene Americas. Nature Human Behavior.
*É BIÓLOGO