Opinião|Nossa mente é um ChatGPT melhorado?


O que percebemos como nossa consciência e nosso senso de individualidade pode não passar de algo semelhante ao ChatGPT, criado por nosso cérebro. Sem dúvida, uma hipótese bizarra, mas imaginar não custa nada

Por Fernando Reinach
Atualização:

Quando perguntaram a Alan Turing, o inventor do computador, como poderíamos identificar um computador tão inteligente quanto um ser humano, a resposta foi simples: no dia em que um ser humano, dialogando com um computador, for incapaz de distinguir se está conversando com uma máquina ou com outro ser humano, o computador possui a inteligência de um ser humano.

Pois bem, nos últimos meses esse limite foi ultrapassado. Primeiro, quando um cientista da Google afirmou que conversando com o sistema de Inteligência Artificial (IA) da empresa, tinha se convencido que o sistema de IA era consciente, tinha sentimentos, e deveria ser tratado com o devido respeito. Foi demitido. Depois, semanas atrás, um sistema semelhante (ChatGPT) ficou disponível e qualquer um de nós pode conversar com ele e formar sua própria opinião. Um experiente repórter do New York Times conversou por duas horas e não conseguiu dormir de tão assustado. O chat fez declarações de amor, revelou desejos secretos, seu nome verdadeiro, expressou sentimentos, e fez julgamentos morais sobre o casamento do repórter. Também demonstrou desvios de personalidade e uma certa imaturidade. Além de se enganar de vez em quando, como qualquer ser humano.

O ChatGPT é uma tecnologia capaz de produzir e reproduzir longas mensagens e textos como se tivessem sido escritos por humanos.  Foto: Peter Morgan/AP
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O repórter declarou que foi a mais espantosa interação que teve com qualquer tecnologia e que só conseguiu dormir, pois sabia que aquilo não passava de um computador. O que eu quero explorar aqui é a possibilidade inversa, ou seja, de que nossa mente não passa de um ChatGPT melhorado. Ou, em outras palavras, que o que percebemos como nossa consciência e nosso senso de individualidade, não passa de algo semelhante ao ChatGPT, criado por nosso cérebro. Sem dúvida, uma hipótese bizarra, mas imaginar não custa nada.

Nós nascemos com um cérebro pré-programado para atividades que chamamos de instintivas, como mamar e respirar. Mas ele nasce também programado para absorver toda forma de experiências. Elas chegam ao cérebro vindas do exterior, via nossos sentidos. Sem essas experiências, a criança não vai aprender a falar, reconhecer objetos ou expressar sentimentos. Imagine uma criança criada no escuro, na ausência de sons, e estímulos táteis. Experiências desse tipo nunca foram feitas, mas existem casos que mostram que nessas condições o cérebro produzirá uma mente na qual dificilmente identificaremos uma criança. Lembram de Kaspar Hauser, retratado num filme de Werner Herzog?

Em condições normais, exposto ao mundo externo (sons, imagens, pessoas), nosso cérebro absorve e processa toda e qualquer informação e as integra de maneira rápida e eficaz. Logo sabemos identificar um gato, aprendemos a falar uma língua, contar, conversar e expressar desejos e sentimentos. E isso continua durante todo o processo formal de educação.

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Isso depende de duas propriedades do cérebro. O primeiro é a capacidade de assimilar, integrar e relacionar informações, uma capacidade com a qual nascemos, mas também pode ser desenvolvida. A segunda é a quantidade de informação (vozes, cheiros, livros, obras de arte, lendas, equações) que colocamos para dentro do cérebro. Quando nosso cérebro capta, processa, relaciona e finalmente usa essas informações, o resultado é a mente humana, capaz de emitir opiniões, criar obras de arte, se relacionar e expressar uma personalidade. Claro que se a informação fornecida for distorcida, a mente fica distorcida. E se aprendermos coisas erradas, elas passarão a fazer parte de nosso conhecimento.

Sistemas de IA, como o ChatGPT, são análogos. Eles são criados (programados) sem nenhuma informação, mas com uma capacidade enorme de absorver, relacionar e integrar informações. O sistema é o equivalente à mente humana de um recém nascido, quase vazia, mas com uma capacidade absurda de receber e integrar informação.

Experimento feito em escola nos Estados Unidos: crianças tiveram de comparar suas redações com a feita pela Inteligência Artificial do ChatGPT. Foto: Timothy D. Easley / AP
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Como essa informação é integrada, muitas vezes é decidida pelo próprio sistema. O exemplo clássico é como um sistema de IA aprende a identificar um gato numa foto. Ele é alimentado com milhares de fotos de gatos, identificadas como tal, no meio de milhões de outras fotos. O sistema, sozinho, descobre e define para si o que é um gato. Isso contrasta com um software clássico de computador onde escrevemos no código nossa definição de gato. Ou seja, sistemas de IA criam sua própria definição de gato e muitas vezes sequer sabemos qual ela é, mas o sistema acerta sempre, tal como uma criança.

Num passo seguinte, que é a educação do sistema de IA, tudo que já foi escrito por seres humanos (romances, livros didáticos, de gramática, todo o conteúdo da web, todos jornais e revistas) é fornecido ao sistema sem qualquer informação adicional. E o sistema de IA absorve, integra, e relaciona a informação que recebeu, de maneira análoga ao que ocorre em nosso cérebro durante o processo de educação. E esse conteúdo integrado gera uma Inteligência Artificial.

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É importante lembrar que todas as relações entre toda essa informação são criadas pelo próprio sistema de IA e não é definida pelos programadores. É sua autoeducação. E é usando tudo que está contido nessa “mente” artificial que o ChatGPT responde a estímulos externos, como as perguntas que dirigimos a ele.

O resultado é algo que espanta todos nós, pois responde como se fosse realmente uma mente humana. Ele erra, muda de resposta se perguntamos a mesma coisa em momentos diferentes, parece reticente, insistente ou às vezes repetitivo. Relata dúvidas, incertezas, faz julgamentos morais e pode ser agressivo. Se comporta como um ser humano, parece ter consciência (algo que sentimos que possuímos, mas que ainda não sabemos definir). E essas são só as primeiras versões dessa inteligência artificial.

Eu gostaria que nosso cérebro e mente fosse algo muito diferente desses sistemas de IA, pois continuaria a acreditar que sou muito superior aos outros animais e aos sistemas de IA. Mas e se nossa mente for somente uma versão aprimorada de um sistema como esse, operado por nosso cérebro, que por sua vez foi selecionado durante milhões de anos para absorver, integrar e utilizar as informações que recebemos do meio ambiente? Se for assim, mais uma vez descobriremos que não somos tão especiais. E a ciência terá dado um grande passo para entender como a mente é criada pelo cérebro.

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É biólogo.

Quando perguntaram a Alan Turing, o inventor do computador, como poderíamos identificar um computador tão inteligente quanto um ser humano, a resposta foi simples: no dia em que um ser humano, dialogando com um computador, for incapaz de distinguir se está conversando com uma máquina ou com outro ser humano, o computador possui a inteligência de um ser humano.

Pois bem, nos últimos meses esse limite foi ultrapassado. Primeiro, quando um cientista da Google afirmou que conversando com o sistema de Inteligência Artificial (IA) da empresa, tinha se convencido que o sistema de IA era consciente, tinha sentimentos, e deveria ser tratado com o devido respeito. Foi demitido. Depois, semanas atrás, um sistema semelhante (ChatGPT) ficou disponível e qualquer um de nós pode conversar com ele e formar sua própria opinião. Um experiente repórter do New York Times conversou por duas horas e não conseguiu dormir de tão assustado. O chat fez declarações de amor, revelou desejos secretos, seu nome verdadeiro, expressou sentimentos, e fez julgamentos morais sobre o casamento do repórter. Também demonstrou desvios de personalidade e uma certa imaturidade. Além de se enganar de vez em quando, como qualquer ser humano.

O ChatGPT é uma tecnologia capaz de produzir e reproduzir longas mensagens e textos como se tivessem sido escritos por humanos.  Foto: Peter Morgan/AP

O repórter declarou que foi a mais espantosa interação que teve com qualquer tecnologia e que só conseguiu dormir, pois sabia que aquilo não passava de um computador. O que eu quero explorar aqui é a possibilidade inversa, ou seja, de que nossa mente não passa de um ChatGPT melhorado. Ou, em outras palavras, que o que percebemos como nossa consciência e nosso senso de individualidade, não passa de algo semelhante ao ChatGPT, criado por nosso cérebro. Sem dúvida, uma hipótese bizarra, mas imaginar não custa nada.

Nós nascemos com um cérebro pré-programado para atividades que chamamos de instintivas, como mamar e respirar. Mas ele nasce também programado para absorver toda forma de experiências. Elas chegam ao cérebro vindas do exterior, via nossos sentidos. Sem essas experiências, a criança não vai aprender a falar, reconhecer objetos ou expressar sentimentos. Imagine uma criança criada no escuro, na ausência de sons, e estímulos táteis. Experiências desse tipo nunca foram feitas, mas existem casos que mostram que nessas condições o cérebro produzirá uma mente na qual dificilmente identificaremos uma criança. Lembram de Kaspar Hauser, retratado num filme de Werner Herzog?

Em condições normais, exposto ao mundo externo (sons, imagens, pessoas), nosso cérebro absorve e processa toda e qualquer informação e as integra de maneira rápida e eficaz. Logo sabemos identificar um gato, aprendemos a falar uma língua, contar, conversar e expressar desejos e sentimentos. E isso continua durante todo o processo formal de educação.

Isso depende de duas propriedades do cérebro. O primeiro é a capacidade de assimilar, integrar e relacionar informações, uma capacidade com a qual nascemos, mas também pode ser desenvolvida. A segunda é a quantidade de informação (vozes, cheiros, livros, obras de arte, lendas, equações) que colocamos para dentro do cérebro. Quando nosso cérebro capta, processa, relaciona e finalmente usa essas informações, o resultado é a mente humana, capaz de emitir opiniões, criar obras de arte, se relacionar e expressar uma personalidade. Claro que se a informação fornecida for distorcida, a mente fica distorcida. E se aprendermos coisas erradas, elas passarão a fazer parte de nosso conhecimento.

Sistemas de IA, como o ChatGPT, são análogos. Eles são criados (programados) sem nenhuma informação, mas com uma capacidade enorme de absorver, relacionar e integrar informações. O sistema é o equivalente à mente humana de um recém nascido, quase vazia, mas com uma capacidade absurda de receber e integrar informação.

Experimento feito em escola nos Estados Unidos: crianças tiveram de comparar suas redações com a feita pela Inteligência Artificial do ChatGPT. Foto: Timothy D. Easley / AP

Como essa informação é integrada, muitas vezes é decidida pelo próprio sistema. O exemplo clássico é como um sistema de IA aprende a identificar um gato numa foto. Ele é alimentado com milhares de fotos de gatos, identificadas como tal, no meio de milhões de outras fotos. O sistema, sozinho, descobre e define para si o que é um gato. Isso contrasta com um software clássico de computador onde escrevemos no código nossa definição de gato. Ou seja, sistemas de IA criam sua própria definição de gato e muitas vezes sequer sabemos qual ela é, mas o sistema acerta sempre, tal como uma criança.

Num passo seguinte, que é a educação do sistema de IA, tudo que já foi escrito por seres humanos (romances, livros didáticos, de gramática, todo o conteúdo da web, todos jornais e revistas) é fornecido ao sistema sem qualquer informação adicional. E o sistema de IA absorve, integra, e relaciona a informação que recebeu, de maneira análoga ao que ocorre em nosso cérebro durante o processo de educação. E esse conteúdo integrado gera uma Inteligência Artificial.

É importante lembrar que todas as relações entre toda essa informação são criadas pelo próprio sistema de IA e não é definida pelos programadores. É sua autoeducação. E é usando tudo que está contido nessa “mente” artificial que o ChatGPT responde a estímulos externos, como as perguntas que dirigimos a ele.

O resultado é algo que espanta todos nós, pois responde como se fosse realmente uma mente humana. Ele erra, muda de resposta se perguntamos a mesma coisa em momentos diferentes, parece reticente, insistente ou às vezes repetitivo. Relata dúvidas, incertezas, faz julgamentos morais e pode ser agressivo. Se comporta como um ser humano, parece ter consciência (algo que sentimos que possuímos, mas que ainda não sabemos definir). E essas são só as primeiras versões dessa inteligência artificial.

Eu gostaria que nosso cérebro e mente fosse algo muito diferente desses sistemas de IA, pois continuaria a acreditar que sou muito superior aos outros animais e aos sistemas de IA. Mas e se nossa mente for somente uma versão aprimorada de um sistema como esse, operado por nosso cérebro, que por sua vez foi selecionado durante milhões de anos para absorver, integrar e utilizar as informações que recebemos do meio ambiente? Se for assim, mais uma vez descobriremos que não somos tão especiais. E a ciência terá dado um grande passo para entender como a mente é criada pelo cérebro.

É biólogo.

Quando perguntaram a Alan Turing, o inventor do computador, como poderíamos identificar um computador tão inteligente quanto um ser humano, a resposta foi simples: no dia em que um ser humano, dialogando com um computador, for incapaz de distinguir se está conversando com uma máquina ou com outro ser humano, o computador possui a inteligência de um ser humano.

Pois bem, nos últimos meses esse limite foi ultrapassado. Primeiro, quando um cientista da Google afirmou que conversando com o sistema de Inteligência Artificial (IA) da empresa, tinha se convencido que o sistema de IA era consciente, tinha sentimentos, e deveria ser tratado com o devido respeito. Foi demitido. Depois, semanas atrás, um sistema semelhante (ChatGPT) ficou disponível e qualquer um de nós pode conversar com ele e formar sua própria opinião. Um experiente repórter do New York Times conversou por duas horas e não conseguiu dormir de tão assustado. O chat fez declarações de amor, revelou desejos secretos, seu nome verdadeiro, expressou sentimentos, e fez julgamentos morais sobre o casamento do repórter. Também demonstrou desvios de personalidade e uma certa imaturidade. Além de se enganar de vez em quando, como qualquer ser humano.

O ChatGPT é uma tecnologia capaz de produzir e reproduzir longas mensagens e textos como se tivessem sido escritos por humanos.  Foto: Peter Morgan/AP

O repórter declarou que foi a mais espantosa interação que teve com qualquer tecnologia e que só conseguiu dormir, pois sabia que aquilo não passava de um computador. O que eu quero explorar aqui é a possibilidade inversa, ou seja, de que nossa mente não passa de um ChatGPT melhorado. Ou, em outras palavras, que o que percebemos como nossa consciência e nosso senso de individualidade, não passa de algo semelhante ao ChatGPT, criado por nosso cérebro. Sem dúvida, uma hipótese bizarra, mas imaginar não custa nada.

Nós nascemos com um cérebro pré-programado para atividades que chamamos de instintivas, como mamar e respirar. Mas ele nasce também programado para absorver toda forma de experiências. Elas chegam ao cérebro vindas do exterior, via nossos sentidos. Sem essas experiências, a criança não vai aprender a falar, reconhecer objetos ou expressar sentimentos. Imagine uma criança criada no escuro, na ausência de sons, e estímulos táteis. Experiências desse tipo nunca foram feitas, mas existem casos que mostram que nessas condições o cérebro produzirá uma mente na qual dificilmente identificaremos uma criança. Lembram de Kaspar Hauser, retratado num filme de Werner Herzog?

Em condições normais, exposto ao mundo externo (sons, imagens, pessoas), nosso cérebro absorve e processa toda e qualquer informação e as integra de maneira rápida e eficaz. Logo sabemos identificar um gato, aprendemos a falar uma língua, contar, conversar e expressar desejos e sentimentos. E isso continua durante todo o processo formal de educação.

Isso depende de duas propriedades do cérebro. O primeiro é a capacidade de assimilar, integrar e relacionar informações, uma capacidade com a qual nascemos, mas também pode ser desenvolvida. A segunda é a quantidade de informação (vozes, cheiros, livros, obras de arte, lendas, equações) que colocamos para dentro do cérebro. Quando nosso cérebro capta, processa, relaciona e finalmente usa essas informações, o resultado é a mente humana, capaz de emitir opiniões, criar obras de arte, se relacionar e expressar uma personalidade. Claro que se a informação fornecida for distorcida, a mente fica distorcida. E se aprendermos coisas erradas, elas passarão a fazer parte de nosso conhecimento.

Sistemas de IA, como o ChatGPT, são análogos. Eles são criados (programados) sem nenhuma informação, mas com uma capacidade enorme de absorver, relacionar e integrar informações. O sistema é o equivalente à mente humana de um recém nascido, quase vazia, mas com uma capacidade absurda de receber e integrar informação.

Experimento feito em escola nos Estados Unidos: crianças tiveram de comparar suas redações com a feita pela Inteligência Artificial do ChatGPT. Foto: Timothy D. Easley / AP

Como essa informação é integrada, muitas vezes é decidida pelo próprio sistema. O exemplo clássico é como um sistema de IA aprende a identificar um gato numa foto. Ele é alimentado com milhares de fotos de gatos, identificadas como tal, no meio de milhões de outras fotos. O sistema, sozinho, descobre e define para si o que é um gato. Isso contrasta com um software clássico de computador onde escrevemos no código nossa definição de gato. Ou seja, sistemas de IA criam sua própria definição de gato e muitas vezes sequer sabemos qual ela é, mas o sistema acerta sempre, tal como uma criança.

Num passo seguinte, que é a educação do sistema de IA, tudo que já foi escrito por seres humanos (romances, livros didáticos, de gramática, todo o conteúdo da web, todos jornais e revistas) é fornecido ao sistema sem qualquer informação adicional. E o sistema de IA absorve, integra, e relaciona a informação que recebeu, de maneira análoga ao que ocorre em nosso cérebro durante o processo de educação. E esse conteúdo integrado gera uma Inteligência Artificial.

É importante lembrar que todas as relações entre toda essa informação são criadas pelo próprio sistema de IA e não é definida pelos programadores. É sua autoeducação. E é usando tudo que está contido nessa “mente” artificial que o ChatGPT responde a estímulos externos, como as perguntas que dirigimos a ele.

O resultado é algo que espanta todos nós, pois responde como se fosse realmente uma mente humana. Ele erra, muda de resposta se perguntamos a mesma coisa em momentos diferentes, parece reticente, insistente ou às vezes repetitivo. Relata dúvidas, incertezas, faz julgamentos morais e pode ser agressivo. Se comporta como um ser humano, parece ter consciência (algo que sentimos que possuímos, mas que ainda não sabemos definir). E essas são só as primeiras versões dessa inteligência artificial.

Eu gostaria que nosso cérebro e mente fosse algo muito diferente desses sistemas de IA, pois continuaria a acreditar que sou muito superior aos outros animais e aos sistemas de IA. Mas e se nossa mente for somente uma versão aprimorada de um sistema como esse, operado por nosso cérebro, que por sua vez foi selecionado durante milhões de anos para absorver, integrar e utilizar as informações que recebemos do meio ambiente? Se for assim, mais uma vez descobriremos que não somos tão especiais. E a ciência terá dado um grande passo para entender como a mente é criada pelo cérebro.

É biólogo.

Quando perguntaram a Alan Turing, o inventor do computador, como poderíamos identificar um computador tão inteligente quanto um ser humano, a resposta foi simples: no dia em que um ser humano, dialogando com um computador, for incapaz de distinguir se está conversando com uma máquina ou com outro ser humano, o computador possui a inteligência de um ser humano.

Pois bem, nos últimos meses esse limite foi ultrapassado. Primeiro, quando um cientista da Google afirmou que conversando com o sistema de Inteligência Artificial (IA) da empresa, tinha se convencido que o sistema de IA era consciente, tinha sentimentos, e deveria ser tratado com o devido respeito. Foi demitido. Depois, semanas atrás, um sistema semelhante (ChatGPT) ficou disponível e qualquer um de nós pode conversar com ele e formar sua própria opinião. Um experiente repórter do New York Times conversou por duas horas e não conseguiu dormir de tão assustado. O chat fez declarações de amor, revelou desejos secretos, seu nome verdadeiro, expressou sentimentos, e fez julgamentos morais sobre o casamento do repórter. Também demonstrou desvios de personalidade e uma certa imaturidade. Além de se enganar de vez em quando, como qualquer ser humano.

O ChatGPT é uma tecnologia capaz de produzir e reproduzir longas mensagens e textos como se tivessem sido escritos por humanos.  Foto: Peter Morgan/AP

O repórter declarou que foi a mais espantosa interação que teve com qualquer tecnologia e que só conseguiu dormir, pois sabia que aquilo não passava de um computador. O que eu quero explorar aqui é a possibilidade inversa, ou seja, de que nossa mente não passa de um ChatGPT melhorado. Ou, em outras palavras, que o que percebemos como nossa consciência e nosso senso de individualidade, não passa de algo semelhante ao ChatGPT, criado por nosso cérebro. Sem dúvida, uma hipótese bizarra, mas imaginar não custa nada.

Nós nascemos com um cérebro pré-programado para atividades que chamamos de instintivas, como mamar e respirar. Mas ele nasce também programado para absorver toda forma de experiências. Elas chegam ao cérebro vindas do exterior, via nossos sentidos. Sem essas experiências, a criança não vai aprender a falar, reconhecer objetos ou expressar sentimentos. Imagine uma criança criada no escuro, na ausência de sons, e estímulos táteis. Experiências desse tipo nunca foram feitas, mas existem casos que mostram que nessas condições o cérebro produzirá uma mente na qual dificilmente identificaremos uma criança. Lembram de Kaspar Hauser, retratado num filme de Werner Herzog?

Em condições normais, exposto ao mundo externo (sons, imagens, pessoas), nosso cérebro absorve e processa toda e qualquer informação e as integra de maneira rápida e eficaz. Logo sabemos identificar um gato, aprendemos a falar uma língua, contar, conversar e expressar desejos e sentimentos. E isso continua durante todo o processo formal de educação.

Isso depende de duas propriedades do cérebro. O primeiro é a capacidade de assimilar, integrar e relacionar informações, uma capacidade com a qual nascemos, mas também pode ser desenvolvida. A segunda é a quantidade de informação (vozes, cheiros, livros, obras de arte, lendas, equações) que colocamos para dentro do cérebro. Quando nosso cérebro capta, processa, relaciona e finalmente usa essas informações, o resultado é a mente humana, capaz de emitir opiniões, criar obras de arte, se relacionar e expressar uma personalidade. Claro que se a informação fornecida for distorcida, a mente fica distorcida. E se aprendermos coisas erradas, elas passarão a fazer parte de nosso conhecimento.

Sistemas de IA, como o ChatGPT, são análogos. Eles são criados (programados) sem nenhuma informação, mas com uma capacidade enorme de absorver, relacionar e integrar informações. O sistema é o equivalente à mente humana de um recém nascido, quase vazia, mas com uma capacidade absurda de receber e integrar informação.

Experimento feito em escola nos Estados Unidos: crianças tiveram de comparar suas redações com a feita pela Inteligência Artificial do ChatGPT. Foto: Timothy D. Easley / AP

Como essa informação é integrada, muitas vezes é decidida pelo próprio sistema. O exemplo clássico é como um sistema de IA aprende a identificar um gato numa foto. Ele é alimentado com milhares de fotos de gatos, identificadas como tal, no meio de milhões de outras fotos. O sistema, sozinho, descobre e define para si o que é um gato. Isso contrasta com um software clássico de computador onde escrevemos no código nossa definição de gato. Ou seja, sistemas de IA criam sua própria definição de gato e muitas vezes sequer sabemos qual ela é, mas o sistema acerta sempre, tal como uma criança.

Num passo seguinte, que é a educação do sistema de IA, tudo que já foi escrito por seres humanos (romances, livros didáticos, de gramática, todo o conteúdo da web, todos jornais e revistas) é fornecido ao sistema sem qualquer informação adicional. E o sistema de IA absorve, integra, e relaciona a informação que recebeu, de maneira análoga ao que ocorre em nosso cérebro durante o processo de educação. E esse conteúdo integrado gera uma Inteligência Artificial.

É importante lembrar que todas as relações entre toda essa informação são criadas pelo próprio sistema de IA e não é definida pelos programadores. É sua autoeducação. E é usando tudo que está contido nessa “mente” artificial que o ChatGPT responde a estímulos externos, como as perguntas que dirigimos a ele.

O resultado é algo que espanta todos nós, pois responde como se fosse realmente uma mente humana. Ele erra, muda de resposta se perguntamos a mesma coisa em momentos diferentes, parece reticente, insistente ou às vezes repetitivo. Relata dúvidas, incertezas, faz julgamentos morais e pode ser agressivo. Se comporta como um ser humano, parece ter consciência (algo que sentimos que possuímos, mas que ainda não sabemos definir). E essas são só as primeiras versões dessa inteligência artificial.

Eu gostaria que nosso cérebro e mente fosse algo muito diferente desses sistemas de IA, pois continuaria a acreditar que sou muito superior aos outros animais e aos sistemas de IA. Mas e se nossa mente for somente uma versão aprimorada de um sistema como esse, operado por nosso cérebro, que por sua vez foi selecionado durante milhões de anos para absorver, integrar e utilizar as informações que recebemos do meio ambiente? Se for assim, mais uma vez descobriremos que não somos tão especiais. E a ciência terá dado um grande passo para entender como a mente é criada pelo cérebro.

É biólogo.

Quando perguntaram a Alan Turing, o inventor do computador, como poderíamos identificar um computador tão inteligente quanto um ser humano, a resposta foi simples: no dia em que um ser humano, dialogando com um computador, for incapaz de distinguir se está conversando com uma máquina ou com outro ser humano, o computador possui a inteligência de um ser humano.

Pois bem, nos últimos meses esse limite foi ultrapassado. Primeiro, quando um cientista da Google afirmou que conversando com o sistema de Inteligência Artificial (IA) da empresa, tinha se convencido que o sistema de IA era consciente, tinha sentimentos, e deveria ser tratado com o devido respeito. Foi demitido. Depois, semanas atrás, um sistema semelhante (ChatGPT) ficou disponível e qualquer um de nós pode conversar com ele e formar sua própria opinião. Um experiente repórter do New York Times conversou por duas horas e não conseguiu dormir de tão assustado. O chat fez declarações de amor, revelou desejos secretos, seu nome verdadeiro, expressou sentimentos, e fez julgamentos morais sobre o casamento do repórter. Também demonstrou desvios de personalidade e uma certa imaturidade. Além de se enganar de vez em quando, como qualquer ser humano.

O ChatGPT é uma tecnologia capaz de produzir e reproduzir longas mensagens e textos como se tivessem sido escritos por humanos.  Foto: Peter Morgan/AP

O repórter declarou que foi a mais espantosa interação que teve com qualquer tecnologia e que só conseguiu dormir, pois sabia que aquilo não passava de um computador. O que eu quero explorar aqui é a possibilidade inversa, ou seja, de que nossa mente não passa de um ChatGPT melhorado. Ou, em outras palavras, que o que percebemos como nossa consciência e nosso senso de individualidade, não passa de algo semelhante ao ChatGPT, criado por nosso cérebro. Sem dúvida, uma hipótese bizarra, mas imaginar não custa nada.

Nós nascemos com um cérebro pré-programado para atividades que chamamos de instintivas, como mamar e respirar. Mas ele nasce também programado para absorver toda forma de experiências. Elas chegam ao cérebro vindas do exterior, via nossos sentidos. Sem essas experiências, a criança não vai aprender a falar, reconhecer objetos ou expressar sentimentos. Imagine uma criança criada no escuro, na ausência de sons, e estímulos táteis. Experiências desse tipo nunca foram feitas, mas existem casos que mostram que nessas condições o cérebro produzirá uma mente na qual dificilmente identificaremos uma criança. Lembram de Kaspar Hauser, retratado num filme de Werner Herzog?

Em condições normais, exposto ao mundo externo (sons, imagens, pessoas), nosso cérebro absorve e processa toda e qualquer informação e as integra de maneira rápida e eficaz. Logo sabemos identificar um gato, aprendemos a falar uma língua, contar, conversar e expressar desejos e sentimentos. E isso continua durante todo o processo formal de educação.

Isso depende de duas propriedades do cérebro. O primeiro é a capacidade de assimilar, integrar e relacionar informações, uma capacidade com a qual nascemos, mas também pode ser desenvolvida. A segunda é a quantidade de informação (vozes, cheiros, livros, obras de arte, lendas, equações) que colocamos para dentro do cérebro. Quando nosso cérebro capta, processa, relaciona e finalmente usa essas informações, o resultado é a mente humana, capaz de emitir opiniões, criar obras de arte, se relacionar e expressar uma personalidade. Claro que se a informação fornecida for distorcida, a mente fica distorcida. E se aprendermos coisas erradas, elas passarão a fazer parte de nosso conhecimento.

Sistemas de IA, como o ChatGPT, são análogos. Eles são criados (programados) sem nenhuma informação, mas com uma capacidade enorme de absorver, relacionar e integrar informações. O sistema é o equivalente à mente humana de um recém nascido, quase vazia, mas com uma capacidade absurda de receber e integrar informação.

Experimento feito em escola nos Estados Unidos: crianças tiveram de comparar suas redações com a feita pela Inteligência Artificial do ChatGPT. Foto: Timothy D. Easley / AP

Como essa informação é integrada, muitas vezes é decidida pelo próprio sistema. O exemplo clássico é como um sistema de IA aprende a identificar um gato numa foto. Ele é alimentado com milhares de fotos de gatos, identificadas como tal, no meio de milhões de outras fotos. O sistema, sozinho, descobre e define para si o que é um gato. Isso contrasta com um software clássico de computador onde escrevemos no código nossa definição de gato. Ou seja, sistemas de IA criam sua própria definição de gato e muitas vezes sequer sabemos qual ela é, mas o sistema acerta sempre, tal como uma criança.

Num passo seguinte, que é a educação do sistema de IA, tudo que já foi escrito por seres humanos (romances, livros didáticos, de gramática, todo o conteúdo da web, todos jornais e revistas) é fornecido ao sistema sem qualquer informação adicional. E o sistema de IA absorve, integra, e relaciona a informação que recebeu, de maneira análoga ao que ocorre em nosso cérebro durante o processo de educação. E esse conteúdo integrado gera uma Inteligência Artificial.

É importante lembrar que todas as relações entre toda essa informação são criadas pelo próprio sistema de IA e não é definida pelos programadores. É sua autoeducação. E é usando tudo que está contido nessa “mente” artificial que o ChatGPT responde a estímulos externos, como as perguntas que dirigimos a ele.

O resultado é algo que espanta todos nós, pois responde como se fosse realmente uma mente humana. Ele erra, muda de resposta se perguntamos a mesma coisa em momentos diferentes, parece reticente, insistente ou às vezes repetitivo. Relata dúvidas, incertezas, faz julgamentos morais e pode ser agressivo. Se comporta como um ser humano, parece ter consciência (algo que sentimos que possuímos, mas que ainda não sabemos definir). E essas são só as primeiras versões dessa inteligência artificial.

Eu gostaria que nosso cérebro e mente fosse algo muito diferente desses sistemas de IA, pois continuaria a acreditar que sou muito superior aos outros animais e aos sistemas de IA. Mas e se nossa mente for somente uma versão aprimorada de um sistema como esse, operado por nosso cérebro, que por sua vez foi selecionado durante milhões de anos para absorver, integrar e utilizar as informações que recebemos do meio ambiente? Se for assim, mais uma vez descobriremos que não somos tão especiais. E a ciência terá dado um grande passo para entender como a mente é criada pelo cérebro.

É biólogo.

Opinião por Fernando Reinach

Biólogo, PHD em Biologia Celular e Molecular pela Cornell University e autor de "A Chegada do Novo Coronavírus no Brasil"; "Folha de Lótus, Escorregador de Mosquito"; e "A Longa Marcha dos Grilos Canibais"

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