Opinião|O que uma caverna revela sobre o tempo em que humanos e neandertais viviam juntos


Uma nova escavação na caverna de Ilsenhöhle, em Ranis, na Alemanha, forneceu mais elementos para compreender a relação entre as espécies

Por Fernando Reinach

Quando o Homo sapiens chegou na Europa, aproximadamente 50 mil anos atrás, não encontrou somente animais, encontrou um outro ser vivo, o Homo neanderthalensis, muito parecido com ele. Os neandertais usavam o fogo, lascavam pedras para fazer flechas e lanças, e tinham um modo de vida parecido: coletavam plantas, caçavam, e gostavam de morar em cavernas.

Eles tinham chegado na Europa muito antes, aproximadamente 400 mil anos atrás. Quando nossa espécie surgiu na África, 250 mil anos atrás, os neandertais já viviam há muito na Europa. Mas 15 mil anos depois da chegada da nossa espécie, os neandertais desapareceram. O motivo de sua extinção é um mistério. Muitos cientistas acreditam que eles perderam espaço para os humanos ou foram mortos por nossos ancestrais.

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Que houve uma grande interação entre as duas espécies ninguém duvida. A presença de DNA de neandertais em nosso genoma demonstra que houve sexo entre as espécies. Os filhos dessas noites de amor (ou seriam estupros?) estão aqui entre nós. Eu mesmo tenho pedaços de DNA neandertal em meu genoma.

Será que essas espécies trocaram tecnologias? Será que conseguiam conversar? Como foi essa interação que durou milhares de anos? É exatamente por esse motivo que a descoberta de que as duas espécies habitaram uma mesma caverna no Norte da Europa é tão importante. São lugares como esse que podem nos dar uma pista de como foi nossa interação com os neandertais e talvez começar a explicar nosso possível envolvimento na sua extinção.

A caverna de Ilsenhöhle em Ranis na Alemanha começou a ser estudada em 1926 e uma escavação de 15 metros de profundidade foi feita entre 1932 e 1938 Foto: Tim Schuler/TLDA/Handout via Reuters
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A caverna de Ilsenhöhle, em Ranis, na Alemanha começou a ser estudada em 1926 e uma escavação de 15 metros de profundidade foi feita entre 1932 e 1938. O que foi descoberto naquela época é uma grande quantidade de pontas de flechas fabricadas por hominídeos em diversos extratos da escavação.

Essa é uma das quatro áreas na Europa onde foi encontrada uma transição tecnológica na produção de flechas de pedra lascada. Na parte mais profunda (e mais antiga), as pontas são menos sofisticadas e associadas aos neandertais. Elas são encontradas em lugares onde os ossos associados às pontas são muito anteriores à presença de nossa espécie na Europa.

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Nas camadas superiores, as pontas são mais elaboradas. É uma questão de como você lasca a pedra para obter uma arma no formato ideal, com uma ponta aguçada e bordas afiadas. Na época, os cientistas deduziram que elas também haviam sido produzidas por neandertais.

Entre 2016 e 2022, uma nova escavação foi feita na caverna. Ela confirmou os achados anteriores e descobriu ossos de hominídeos na camada em que são encontradas as pontas de flechas mais sofisticadas.

Entre 2016 e 2022 uma nova escavação foi feita na caverna. Ela confirmou os achados anteriores e descobriu ossos de hominídeos na camada em que são encontradas as pontas de flechas mais sofisticadas Foto: Josephine Schubert/Museum Burg Ranis/Handout via REUTERS
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Além disso, foram coletados ossos de diversos animais nessa camada. Como atualmente já é possível datar os ossos com mais precisão e já sabemos como isolar e sequenciar o DNA extraído dos ossos, todo o trabalho de correlação entre os tipos de pontas de flecha e os habitantes da caverna pode ser refeito.

Os cientistas descobriram que os ossos associados às flechas mais modernas datam de 45 mil anos atrás. E o mais importante é que o DNA presente em alguns desses fragmentos pertence a membros da nossa espécie, e não a neandertais.

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Isso significa que a transição tecnológica observada no tipo de ponta de flecha ocorreu durante ou logo após a chegada dos humanos nessa caverna que já era ocupada pelos neandertais. Também demonstra que essa caverna foi habitada por ambas as espécies.

Os dados obtidos ainda não permitem saber se essa ocupação foi concomitante ou sequencial, ou seja, se ao longo do tempo uma espécie habitou a caverna e foi substituída ou se ambas chegaram a viver simultaneamente na caverna.

Mas o fato é que agora sabemos com certeza que pelo menos nesse local a transição tecnológica para flechas mais sofisticadas e, portanto, mais eficientes, ocorreu com a chegada dos Homo sapiens. Também fica demonstrado que os neandertais não desapareceram dessa região antes da chegada dos humanos.

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Essa descoberta dá força para a hipótese de que a chegada dos humanos com sua tecnologia mais sofisticada tenha levado nossa espécie a competir com vantagem com os neandertais, ou tenha sido usada para exterminar esses primos distantes.

Como somos animais agressivos e guerreiros (vide Gaza), não é difícil imaginar as guerras que teriam exterminado os neandertais. Mas isso não passa de uma hipótese a ser comprovada ou derrubada pelas pesquisas que ainda estão em andamento no material recolhido nessas escavações.

Mais informações: Homo sapiens reached the higher latitudes of Europe by 45,000 years ago. Nature https://doi.org/10.1038/s41586-023-06923-7 2023

Quando o Homo sapiens chegou na Europa, aproximadamente 50 mil anos atrás, não encontrou somente animais, encontrou um outro ser vivo, o Homo neanderthalensis, muito parecido com ele. Os neandertais usavam o fogo, lascavam pedras para fazer flechas e lanças, e tinham um modo de vida parecido: coletavam plantas, caçavam, e gostavam de morar em cavernas.

Eles tinham chegado na Europa muito antes, aproximadamente 400 mil anos atrás. Quando nossa espécie surgiu na África, 250 mil anos atrás, os neandertais já viviam há muito na Europa. Mas 15 mil anos depois da chegada da nossa espécie, os neandertais desapareceram. O motivo de sua extinção é um mistério. Muitos cientistas acreditam que eles perderam espaço para os humanos ou foram mortos por nossos ancestrais.

Que houve uma grande interação entre as duas espécies ninguém duvida. A presença de DNA de neandertais em nosso genoma demonstra que houve sexo entre as espécies. Os filhos dessas noites de amor (ou seriam estupros?) estão aqui entre nós. Eu mesmo tenho pedaços de DNA neandertal em meu genoma.

Será que essas espécies trocaram tecnologias? Será que conseguiam conversar? Como foi essa interação que durou milhares de anos? É exatamente por esse motivo que a descoberta de que as duas espécies habitaram uma mesma caverna no Norte da Europa é tão importante. São lugares como esse que podem nos dar uma pista de como foi nossa interação com os neandertais e talvez começar a explicar nosso possível envolvimento na sua extinção.

A caverna de Ilsenhöhle em Ranis na Alemanha começou a ser estudada em 1926 e uma escavação de 15 metros de profundidade foi feita entre 1932 e 1938 Foto: Tim Schuler/TLDA/Handout via Reuters

A caverna de Ilsenhöhle, em Ranis, na Alemanha começou a ser estudada em 1926 e uma escavação de 15 metros de profundidade foi feita entre 1932 e 1938. O que foi descoberto naquela época é uma grande quantidade de pontas de flechas fabricadas por hominídeos em diversos extratos da escavação.

Essa é uma das quatro áreas na Europa onde foi encontrada uma transição tecnológica na produção de flechas de pedra lascada. Na parte mais profunda (e mais antiga), as pontas são menos sofisticadas e associadas aos neandertais. Elas são encontradas em lugares onde os ossos associados às pontas são muito anteriores à presença de nossa espécie na Europa.

Nas camadas superiores, as pontas são mais elaboradas. É uma questão de como você lasca a pedra para obter uma arma no formato ideal, com uma ponta aguçada e bordas afiadas. Na época, os cientistas deduziram que elas também haviam sido produzidas por neandertais.

Entre 2016 e 2022, uma nova escavação foi feita na caverna. Ela confirmou os achados anteriores e descobriu ossos de hominídeos na camada em que são encontradas as pontas de flechas mais sofisticadas.

Entre 2016 e 2022 uma nova escavação foi feita na caverna. Ela confirmou os achados anteriores e descobriu ossos de hominídeos na camada em que são encontradas as pontas de flechas mais sofisticadas Foto: Josephine Schubert/Museum Burg Ranis/Handout via REUTERS

Além disso, foram coletados ossos de diversos animais nessa camada. Como atualmente já é possível datar os ossos com mais precisão e já sabemos como isolar e sequenciar o DNA extraído dos ossos, todo o trabalho de correlação entre os tipos de pontas de flecha e os habitantes da caverna pode ser refeito.

Os cientistas descobriram que os ossos associados às flechas mais modernas datam de 45 mil anos atrás. E o mais importante é que o DNA presente em alguns desses fragmentos pertence a membros da nossa espécie, e não a neandertais.

Isso significa que a transição tecnológica observada no tipo de ponta de flecha ocorreu durante ou logo após a chegada dos humanos nessa caverna que já era ocupada pelos neandertais. Também demonstra que essa caverna foi habitada por ambas as espécies.

Os dados obtidos ainda não permitem saber se essa ocupação foi concomitante ou sequencial, ou seja, se ao longo do tempo uma espécie habitou a caverna e foi substituída ou se ambas chegaram a viver simultaneamente na caverna.

Mas o fato é que agora sabemos com certeza que pelo menos nesse local a transição tecnológica para flechas mais sofisticadas e, portanto, mais eficientes, ocorreu com a chegada dos Homo sapiens. Também fica demonstrado que os neandertais não desapareceram dessa região antes da chegada dos humanos.

Essa descoberta dá força para a hipótese de que a chegada dos humanos com sua tecnologia mais sofisticada tenha levado nossa espécie a competir com vantagem com os neandertais, ou tenha sido usada para exterminar esses primos distantes.

Como somos animais agressivos e guerreiros (vide Gaza), não é difícil imaginar as guerras que teriam exterminado os neandertais. Mas isso não passa de uma hipótese a ser comprovada ou derrubada pelas pesquisas que ainda estão em andamento no material recolhido nessas escavações.

Mais informações: Homo sapiens reached the higher latitudes of Europe by 45,000 years ago. Nature https://doi.org/10.1038/s41586-023-06923-7 2023

Quando o Homo sapiens chegou na Europa, aproximadamente 50 mil anos atrás, não encontrou somente animais, encontrou um outro ser vivo, o Homo neanderthalensis, muito parecido com ele. Os neandertais usavam o fogo, lascavam pedras para fazer flechas e lanças, e tinham um modo de vida parecido: coletavam plantas, caçavam, e gostavam de morar em cavernas.

Eles tinham chegado na Europa muito antes, aproximadamente 400 mil anos atrás. Quando nossa espécie surgiu na África, 250 mil anos atrás, os neandertais já viviam há muito na Europa. Mas 15 mil anos depois da chegada da nossa espécie, os neandertais desapareceram. O motivo de sua extinção é um mistério. Muitos cientistas acreditam que eles perderam espaço para os humanos ou foram mortos por nossos ancestrais.

Que houve uma grande interação entre as duas espécies ninguém duvida. A presença de DNA de neandertais em nosso genoma demonstra que houve sexo entre as espécies. Os filhos dessas noites de amor (ou seriam estupros?) estão aqui entre nós. Eu mesmo tenho pedaços de DNA neandertal em meu genoma.

Será que essas espécies trocaram tecnologias? Será que conseguiam conversar? Como foi essa interação que durou milhares de anos? É exatamente por esse motivo que a descoberta de que as duas espécies habitaram uma mesma caverna no Norte da Europa é tão importante. São lugares como esse que podem nos dar uma pista de como foi nossa interação com os neandertais e talvez começar a explicar nosso possível envolvimento na sua extinção.

A caverna de Ilsenhöhle em Ranis na Alemanha começou a ser estudada em 1926 e uma escavação de 15 metros de profundidade foi feita entre 1932 e 1938 Foto: Tim Schuler/TLDA/Handout via Reuters

A caverna de Ilsenhöhle, em Ranis, na Alemanha começou a ser estudada em 1926 e uma escavação de 15 metros de profundidade foi feita entre 1932 e 1938. O que foi descoberto naquela época é uma grande quantidade de pontas de flechas fabricadas por hominídeos em diversos extratos da escavação.

Essa é uma das quatro áreas na Europa onde foi encontrada uma transição tecnológica na produção de flechas de pedra lascada. Na parte mais profunda (e mais antiga), as pontas são menos sofisticadas e associadas aos neandertais. Elas são encontradas em lugares onde os ossos associados às pontas são muito anteriores à presença de nossa espécie na Europa.

Nas camadas superiores, as pontas são mais elaboradas. É uma questão de como você lasca a pedra para obter uma arma no formato ideal, com uma ponta aguçada e bordas afiadas. Na época, os cientistas deduziram que elas também haviam sido produzidas por neandertais.

Entre 2016 e 2022, uma nova escavação foi feita na caverna. Ela confirmou os achados anteriores e descobriu ossos de hominídeos na camada em que são encontradas as pontas de flechas mais sofisticadas.

Entre 2016 e 2022 uma nova escavação foi feita na caverna. Ela confirmou os achados anteriores e descobriu ossos de hominídeos na camada em que são encontradas as pontas de flechas mais sofisticadas Foto: Josephine Schubert/Museum Burg Ranis/Handout via REUTERS

Além disso, foram coletados ossos de diversos animais nessa camada. Como atualmente já é possível datar os ossos com mais precisão e já sabemos como isolar e sequenciar o DNA extraído dos ossos, todo o trabalho de correlação entre os tipos de pontas de flecha e os habitantes da caverna pode ser refeito.

Os cientistas descobriram que os ossos associados às flechas mais modernas datam de 45 mil anos atrás. E o mais importante é que o DNA presente em alguns desses fragmentos pertence a membros da nossa espécie, e não a neandertais.

Isso significa que a transição tecnológica observada no tipo de ponta de flecha ocorreu durante ou logo após a chegada dos humanos nessa caverna que já era ocupada pelos neandertais. Também demonstra que essa caverna foi habitada por ambas as espécies.

Os dados obtidos ainda não permitem saber se essa ocupação foi concomitante ou sequencial, ou seja, se ao longo do tempo uma espécie habitou a caverna e foi substituída ou se ambas chegaram a viver simultaneamente na caverna.

Mas o fato é que agora sabemos com certeza que pelo menos nesse local a transição tecnológica para flechas mais sofisticadas e, portanto, mais eficientes, ocorreu com a chegada dos Homo sapiens. Também fica demonstrado que os neandertais não desapareceram dessa região antes da chegada dos humanos.

Essa descoberta dá força para a hipótese de que a chegada dos humanos com sua tecnologia mais sofisticada tenha levado nossa espécie a competir com vantagem com os neandertais, ou tenha sido usada para exterminar esses primos distantes.

Como somos animais agressivos e guerreiros (vide Gaza), não é difícil imaginar as guerras que teriam exterminado os neandertais. Mas isso não passa de uma hipótese a ser comprovada ou derrubada pelas pesquisas que ainda estão em andamento no material recolhido nessas escavações.

Mais informações: Homo sapiens reached the higher latitudes of Europe by 45,000 years ago. Nature https://doi.org/10.1038/s41586-023-06923-7 2023

Quando o Homo sapiens chegou na Europa, aproximadamente 50 mil anos atrás, não encontrou somente animais, encontrou um outro ser vivo, o Homo neanderthalensis, muito parecido com ele. Os neandertais usavam o fogo, lascavam pedras para fazer flechas e lanças, e tinham um modo de vida parecido: coletavam plantas, caçavam, e gostavam de morar em cavernas.

Eles tinham chegado na Europa muito antes, aproximadamente 400 mil anos atrás. Quando nossa espécie surgiu na África, 250 mil anos atrás, os neandertais já viviam há muito na Europa. Mas 15 mil anos depois da chegada da nossa espécie, os neandertais desapareceram. O motivo de sua extinção é um mistério. Muitos cientistas acreditam que eles perderam espaço para os humanos ou foram mortos por nossos ancestrais.

Que houve uma grande interação entre as duas espécies ninguém duvida. A presença de DNA de neandertais em nosso genoma demonstra que houve sexo entre as espécies. Os filhos dessas noites de amor (ou seriam estupros?) estão aqui entre nós. Eu mesmo tenho pedaços de DNA neandertal em meu genoma.

Será que essas espécies trocaram tecnologias? Será que conseguiam conversar? Como foi essa interação que durou milhares de anos? É exatamente por esse motivo que a descoberta de que as duas espécies habitaram uma mesma caverna no Norte da Europa é tão importante. São lugares como esse que podem nos dar uma pista de como foi nossa interação com os neandertais e talvez começar a explicar nosso possível envolvimento na sua extinção.

A caverna de Ilsenhöhle em Ranis na Alemanha começou a ser estudada em 1926 e uma escavação de 15 metros de profundidade foi feita entre 1932 e 1938 Foto: Tim Schuler/TLDA/Handout via Reuters

A caverna de Ilsenhöhle, em Ranis, na Alemanha começou a ser estudada em 1926 e uma escavação de 15 metros de profundidade foi feita entre 1932 e 1938. O que foi descoberto naquela época é uma grande quantidade de pontas de flechas fabricadas por hominídeos em diversos extratos da escavação.

Essa é uma das quatro áreas na Europa onde foi encontrada uma transição tecnológica na produção de flechas de pedra lascada. Na parte mais profunda (e mais antiga), as pontas são menos sofisticadas e associadas aos neandertais. Elas são encontradas em lugares onde os ossos associados às pontas são muito anteriores à presença de nossa espécie na Europa.

Nas camadas superiores, as pontas são mais elaboradas. É uma questão de como você lasca a pedra para obter uma arma no formato ideal, com uma ponta aguçada e bordas afiadas. Na época, os cientistas deduziram que elas também haviam sido produzidas por neandertais.

Entre 2016 e 2022, uma nova escavação foi feita na caverna. Ela confirmou os achados anteriores e descobriu ossos de hominídeos na camada em que são encontradas as pontas de flechas mais sofisticadas.

Entre 2016 e 2022 uma nova escavação foi feita na caverna. Ela confirmou os achados anteriores e descobriu ossos de hominídeos na camada em que são encontradas as pontas de flechas mais sofisticadas Foto: Josephine Schubert/Museum Burg Ranis/Handout via REUTERS

Além disso, foram coletados ossos de diversos animais nessa camada. Como atualmente já é possível datar os ossos com mais precisão e já sabemos como isolar e sequenciar o DNA extraído dos ossos, todo o trabalho de correlação entre os tipos de pontas de flecha e os habitantes da caverna pode ser refeito.

Os cientistas descobriram que os ossos associados às flechas mais modernas datam de 45 mil anos atrás. E o mais importante é que o DNA presente em alguns desses fragmentos pertence a membros da nossa espécie, e não a neandertais.

Isso significa que a transição tecnológica observada no tipo de ponta de flecha ocorreu durante ou logo após a chegada dos humanos nessa caverna que já era ocupada pelos neandertais. Também demonstra que essa caverna foi habitada por ambas as espécies.

Os dados obtidos ainda não permitem saber se essa ocupação foi concomitante ou sequencial, ou seja, se ao longo do tempo uma espécie habitou a caverna e foi substituída ou se ambas chegaram a viver simultaneamente na caverna.

Mas o fato é que agora sabemos com certeza que pelo menos nesse local a transição tecnológica para flechas mais sofisticadas e, portanto, mais eficientes, ocorreu com a chegada dos Homo sapiens. Também fica demonstrado que os neandertais não desapareceram dessa região antes da chegada dos humanos.

Essa descoberta dá força para a hipótese de que a chegada dos humanos com sua tecnologia mais sofisticada tenha levado nossa espécie a competir com vantagem com os neandertais, ou tenha sido usada para exterminar esses primos distantes.

Como somos animais agressivos e guerreiros (vide Gaza), não é difícil imaginar as guerras que teriam exterminado os neandertais. Mas isso não passa de uma hipótese a ser comprovada ou derrubada pelas pesquisas que ainda estão em andamento no material recolhido nessas escavações.

Mais informações: Homo sapiens reached the higher latitudes of Europe by 45,000 years ago. Nature https://doi.org/10.1038/s41586-023-06923-7 2023

Quando o Homo sapiens chegou na Europa, aproximadamente 50 mil anos atrás, não encontrou somente animais, encontrou um outro ser vivo, o Homo neanderthalensis, muito parecido com ele. Os neandertais usavam o fogo, lascavam pedras para fazer flechas e lanças, e tinham um modo de vida parecido: coletavam plantas, caçavam, e gostavam de morar em cavernas.

Eles tinham chegado na Europa muito antes, aproximadamente 400 mil anos atrás. Quando nossa espécie surgiu na África, 250 mil anos atrás, os neandertais já viviam há muito na Europa. Mas 15 mil anos depois da chegada da nossa espécie, os neandertais desapareceram. O motivo de sua extinção é um mistério. Muitos cientistas acreditam que eles perderam espaço para os humanos ou foram mortos por nossos ancestrais.

Que houve uma grande interação entre as duas espécies ninguém duvida. A presença de DNA de neandertais em nosso genoma demonstra que houve sexo entre as espécies. Os filhos dessas noites de amor (ou seriam estupros?) estão aqui entre nós. Eu mesmo tenho pedaços de DNA neandertal em meu genoma.

Será que essas espécies trocaram tecnologias? Será que conseguiam conversar? Como foi essa interação que durou milhares de anos? É exatamente por esse motivo que a descoberta de que as duas espécies habitaram uma mesma caverna no Norte da Europa é tão importante. São lugares como esse que podem nos dar uma pista de como foi nossa interação com os neandertais e talvez começar a explicar nosso possível envolvimento na sua extinção.

A caverna de Ilsenhöhle em Ranis na Alemanha começou a ser estudada em 1926 e uma escavação de 15 metros de profundidade foi feita entre 1932 e 1938 Foto: Tim Schuler/TLDA/Handout via Reuters

A caverna de Ilsenhöhle, em Ranis, na Alemanha começou a ser estudada em 1926 e uma escavação de 15 metros de profundidade foi feita entre 1932 e 1938. O que foi descoberto naquela época é uma grande quantidade de pontas de flechas fabricadas por hominídeos em diversos extratos da escavação.

Essa é uma das quatro áreas na Europa onde foi encontrada uma transição tecnológica na produção de flechas de pedra lascada. Na parte mais profunda (e mais antiga), as pontas são menos sofisticadas e associadas aos neandertais. Elas são encontradas em lugares onde os ossos associados às pontas são muito anteriores à presença de nossa espécie na Europa.

Nas camadas superiores, as pontas são mais elaboradas. É uma questão de como você lasca a pedra para obter uma arma no formato ideal, com uma ponta aguçada e bordas afiadas. Na época, os cientistas deduziram que elas também haviam sido produzidas por neandertais.

Entre 2016 e 2022, uma nova escavação foi feita na caverna. Ela confirmou os achados anteriores e descobriu ossos de hominídeos na camada em que são encontradas as pontas de flechas mais sofisticadas.

Entre 2016 e 2022 uma nova escavação foi feita na caverna. Ela confirmou os achados anteriores e descobriu ossos de hominídeos na camada em que são encontradas as pontas de flechas mais sofisticadas Foto: Josephine Schubert/Museum Burg Ranis/Handout via REUTERS

Além disso, foram coletados ossos de diversos animais nessa camada. Como atualmente já é possível datar os ossos com mais precisão e já sabemos como isolar e sequenciar o DNA extraído dos ossos, todo o trabalho de correlação entre os tipos de pontas de flecha e os habitantes da caverna pode ser refeito.

Os cientistas descobriram que os ossos associados às flechas mais modernas datam de 45 mil anos atrás. E o mais importante é que o DNA presente em alguns desses fragmentos pertence a membros da nossa espécie, e não a neandertais.

Isso significa que a transição tecnológica observada no tipo de ponta de flecha ocorreu durante ou logo após a chegada dos humanos nessa caverna que já era ocupada pelos neandertais. Também demonstra que essa caverna foi habitada por ambas as espécies.

Os dados obtidos ainda não permitem saber se essa ocupação foi concomitante ou sequencial, ou seja, se ao longo do tempo uma espécie habitou a caverna e foi substituída ou se ambas chegaram a viver simultaneamente na caverna.

Mas o fato é que agora sabemos com certeza que pelo menos nesse local a transição tecnológica para flechas mais sofisticadas e, portanto, mais eficientes, ocorreu com a chegada dos Homo sapiens. Também fica demonstrado que os neandertais não desapareceram dessa região antes da chegada dos humanos.

Essa descoberta dá força para a hipótese de que a chegada dos humanos com sua tecnologia mais sofisticada tenha levado nossa espécie a competir com vantagem com os neandertais, ou tenha sido usada para exterminar esses primos distantes.

Como somos animais agressivos e guerreiros (vide Gaza), não é difícil imaginar as guerras que teriam exterminado os neandertais. Mas isso não passa de uma hipótese a ser comprovada ou derrubada pelas pesquisas que ainda estão em andamento no material recolhido nessas escavações.

Mais informações: Homo sapiens reached the higher latitudes of Europe by 45,000 years ago. Nature https://doi.org/10.1038/s41586-023-06923-7 2023

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Opinião por Fernando Reinach

Biólogo, PHD em Biologia Celular e Molecular pela Cornell University e autor de "A Chegada do Novo Coronavírus no Brasil"; "Folha de Lótus, Escorregador de Mosquito"; e "A Longa Marcha dos Grilos Canibais"

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