Imagine que você receba a missão de gastar US$ 1 bilhão por ano, durante 50 anos, para restaurar e preservar o máximo da biodiversidade florestal do planeta. Dado que existem 458 ecossistemas florestais espalhados pelo mundo, o problema é saber em quais você investiria a cada ano, de maneira a otimizar o dinheiro, preservando ao máximo a biodiversidade. Foi esse problema que os cientistas se propuseram a resolver.
O ser humano já alterou 70% da superfície terrestre. Desde o inicio da agricultura, aproximadamente 15 mil anos atrás, um terço de todas as florestas foi destruída. Metade dessa destruição ocorreu depois de 1900, e desde 1990 foram derrubados 420 milhões de hectares de florestas. Hoje, somente 15% da superfície dos continentes está em reservas. E a maioria dessas áreas não foi escolhida para garantir o máximo de preservação da biodiversidade, mas geralmente é em regiões de menor interesse econômico.
Os cientistas estimam que é necessário preservar entre 17 e 40% da superfície para evitar o colapso de sistemas vivos. Ou seja, na mais otimista das hipóteses, temos de zerar o desmatamento e restaurar 2% da superfície do planeta, se queremos continuar a viver na Terra de maneira sustentável.
Para cada um dos 458 ecossistemas, os cientistas levantaram os dados de riqueza da biodiversidade, da fração já desmatada, do custo de reflorestamento por hectare e a quantidade de áreas já protegidas. Além disso, consideraram como ponto inicial no processo de reflorestamento o que existia em 2018 em cada uma das regiões, e o ponto final (o máximo a ser reflorestado) o que existia em cada ecossistema no ano 2000.
Foi atribuído também um fator de risco para cada ecossistema baseado na taxa de desmatamento anual daquele ecossistema entre o ano 2000 e 2018. Com base nesses dados, foi criado um modelo dinâmico que otimiza o processo de restauro com o objetivo de preservar o maior número de espécies ao fim dos 50 anos. Esse modelo produz uma lista das áreas a serem restauradas a cada ano e pode ser recalculado alterando o valor investido por ano e o número de anos do projeto. O objetivo da otimização é obter a preservação do máximo da biodiversidade florestal com o dinheiro disponível e no prazo estipulado.
De maneira geral, o modelo dinâmico acaba priorizando a restauração das áreas mais ameaçadas em ecossistemas menores e com maior biodiversidade, levando em conta o custo do restauro em cada região, deixando para anos posteriores ecossistemas sob menor risco. As equações matemáticas são muito complexas, mas vale a pena entender alguns dos resultados.
O modelo mostra que um US$ 1 bilhão por ano durante 50 anos pode evitar a extinção de 23.680 espécies de árvores em 127 dos 458 ecossistemas florestais. Isso pode ser obtido investindo primeiro nas florestas presentes na Melanésia, no sul e sudeste da Ásia, na península da Anatólia e em regiões do norte da América do Sul e na América Central. Um dos resultados do modelo é que investir em florestas de países desenvolvidos, como o Japão, os países da América do Norte e Europa, não vale a pena, isso porque os custos de reflorestar essas regiões é muito alto e o dinheiro gera mais espécies preservadas se investido em outros lugares.
Para quem tiver curiosidade, no trabalho existe uma tabela das áreas. O resultado dessa otimização mostra que, com poucos recursos, é possível preservar uma grande parte da biodiversidade florestal ameaçada. Entretanto, esse é um modelo teórico, em que as dificuldades políticas entre países e dentro de cada país não são consideradas. Ele assume que todos os países participam do projeto e permitem que as áreas consideradas prioritárias em seus territórios sejam reflorestadas. E isso está longe do que ocorre no mundo real.
Por outro lado, esse é um dos primeiros modelos que mostram o que é possível fazer em termos de restauração das florestas em um prazo determinado, com um orçamento realista. Esse tipo de modelagem pode ser usado para priorizar o restauro da florestas de um único país. Ele poderia ser utilizado para determinar, por exemplo, o que deveria ser feito no Brasil.
Mais informações: When and where to protect forests. Nature 2022