A história dos macacos no nosso planeta é longa. Surgiram 65 milhões de anos atrás e, durante 40 milhões de anos, todos tinham rabos. Por volta de 25 milhões de anos atrás, surgiu o primeiro macaco sem rabo, e foi esse novo ramo que deu origem aos ancestrais dos gorilas, bonobos, chimpanzés e humanos. E então, há 6 milhões de anos, nossa linhagem se separou da linhagem dos chimpanzés, o macaco mais parecido conosco que ainda habita o planeta.
Nessa nova linhagem evolutiva, faz 2 milhões de anos, surgiu o gênero Homo, e seu primeiro representante, o Homo habilis. E logo depois apareceram os outros membros desse gênero, todos já extintos. O mais conhecido é o homem de neandertal. E então, 250 mil anos atrás, surgimos na África e nos espalhamos no planeta. A ciência surgiu, sendo generoso, por volta de mil anos atrás.
Nas últimas décadas, nossos cientistas lograram o feito de sequenciar o genoma de nossa espécie e de um grande número de outros macacos que ainda vivem no planeta. E, aos poucos, estamos entendendo a função de cada um dos 27 mil genes que formam o nosso genoma. E foi examinando um desses genes que os cientistas descobriram como, 25 milhões de anos atrás, surgiram os macacos sem rabo.
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Existem mais de 100 genes conhecidos que, quando alterados, provocam alterações no tamanho ou formato dos rabos. Como identificar qual deles sofreu uma mutação 25 milhões de anos atrás? Para tentar achar o culpado, os cientistas compararam a sequência desses 100 genes em dois grupos de animais. O primeiro contém todos os macacos ainda vivos que possuem rabos (15 diferentes espécies), o segundo, todos os macacos ainda vivos que não possuem rabos (chimpanzé, gorila, bonobos, orangotango, gibão e humanos). E, nessa procura, descobriram somente um gene que tem uma única diferença entre esses dois grupos. Ele está presente em todos sem rabo e ausente em todos os que possuem rabo. O nome desse gene é TBXT.
O gene TBXT está no braço pequeno do nosso cromossomo 6. Ele é um gene indispensável. Quando as duas cópias desse gene são deletadas em camundongos, os animais não sobrevivem. Ele codifica uma proteína que controla o funcionamento de outros genes (tecnicamente chamado fator de transcrição). Esse gene possui 8 exons, as partes dos genes que codificam para proteínas. Entre cada exon, como todos os genes, ele possui introns, regiões que não codificam proteínas e que são removidas antes da produção da proteína.
Em todos os macacos que não possuem rabo (nós, inclusive), no intron que separa o sexto e o sétimo exon, existe uma sequência de DNA de 300 nucleotídeos (subunidades do DNA). Esse pedaço de DNA não está presente em nenhum dos 15 macacos que tem rabo. Isso sugeriu aos cientistas que a presença desse pedaço de DNA seria o responsável pela ausência de rabo. Mas, como provar que a presença dessa sequência não é pura coincidência?
A maneira escolhida pelos cientistas para demonstrar que a presença dessa sequência abole a presença de rabo foi colocar essa sequência no genoma de camundongos exatamente no mesmo lugar do gene TBXT do camundongo. E isso foi feito. Os experimentos usados para construir camundongos com essa mudança no genoma são complicados, mas o que importa é que os camundongos com essa sequência inserida nascem sem rabo. Esse experimento demonstra que foi a inserção desse pequeno pedaço de DNA no genoma de um macaco, há 25 milhões de anos, que deu origem aos macacos sem rabos e finalmente à nossa espécie.
O interessante é que essa sequência que foi inserida pertence a uma família de sequências chamadas de Alu, que provavelmente pertenciam a um vírus muito antigo, e que costumam pular de um lugar para outro nos genomas de vertebrados. Ou seja, foi um desses eventos randômicos, de inserção de Alu, que acabou com o rabo desse macaco e de todos seus descendentes. Entre os descendentes estamos nós, os gorilas e os chimpanzés.
Essa ausência de rabo, surgida ao acaso, deve ter sido vantajosa, pois essa alteração sobreviveu 25 milhões de anos e hoje está presente na espécie que domina e está tentando destruir o planeta. Os antropólogos acreditam que a ausência de rabo foi importante para que passássemos a andar em duas pernas, o que liberou as mãos para outras funções, como, por exemplo, escrever.
Resta saber se removermos essa sequência do genoma de um chimpanzé (um experimento factível) ele volta a ter rabo. Se isso for verdade, fica aberta a possibilidade de modificarmos nosso genoma de modo a voltarmos a ter rabo. Dessa forma, talvez possamos tornar real o fetiche das pessoas que gostam de se fantasiar de diabo usando rabos em suas fantasias de carnaval.
Mais informações: On the genetic basis of tail-loss evolution in humans and apes. Nature 2024