Opinião|Preguiça para fazer exercício? Os micróbios no intestino podem ser a explicação


Talvez no futuro possamos acabar com a preguiça modificando nosso microbioma

Por Fernando Reinach

Tem gente que acorda todo dia disposto a se exercitar. Outros, como eu, relutam em fazer exercícios, e só se mexem porque sabem que praticar algum exercício retarda o envelhecimento, melhora a qualidade de vida, e faz bem à saúde. Qual a razão dessa diferença? Como a motivação é controlada pelo cérebro é por lá que deve estar a resposta.

Um grupo de cientistas resolveu estudar esse fenômeno em camundongos. Pegaram uma centena desses bichinhos e colocaram em gaiolas com aquelas rodas onde eles podem entrar voluntariamente para correr sem sair do lugar. O que os cientistas observaram é que alguns não se exercitavam, outros corriam alguns quilômetros e outros chegavam a correr 30 km por dia. Eles compararam os animais dos extremos, os mais preguiçosos com os mais animados. Fizeram todos os tipos de exames para tentar identificar alguma diferença metabólica ou genética que explicasse a diferença entre os grupos. E, para surpresa dos cientistas, encontraram uma grande diferença quando examinaram a flora intestinal dos animais. Descobriram que a flora intestinal de animais atletas é diferente da presente em animais preguiçosos.

A flora intestinal, ou o microbioma intestinal como também é chamado, é a coleção de microrganismos que habitam nosso intestino (e de todos os animais). Lá existe um número de bactérias maior que o número de células que existem em nosso corpo. Essas bactérias pertencem a centenas de diferentes espécies. O microbioma é enorme e muito diverso. Sabemos que ele varia entre pessoas, seja em quantidade, seja nos tipos de bactérias presentes. Elas ajudam na digestão e produzem substâncias que afetam nossa saúde. Algumas doenças podem ser curadas alterando o microbioma e existem procedimentos médicos que consistem no transplante de microbioma entre pessoas.

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Cientistas descobriram que a disposição para fazer exercício físico pode estar ligada ao microbioma intestinal  Foto: Sergio Castro/Estadão

Mas será que é a natureza do microbioma que determina se os camundongos gostam de se exercitar? Ou seria a prática de exercício que faz com que os animais tivessem microbiomas diferentes? Para responder essa dúvida, os cientistas trataram os camundongos com antibióticos que matam grande parte do microbioma. Descobriram que os fanáticos por exercício viravam preguiçosos após o tratamento e que os preguiçosos continuavam preguiçosos. Em seguida, transplantaram o microbioma presente nos atletas para o intestino dos preguiçosos e descobriram que bastava isso para eles se tornarem atletas. E mais, descobriram que camundongos criados sem microbioma (em ambientes estéreis) eram preguiçosos, mas viravam atletas se tivessem seus intestinos colonizados por bactérias presentes em atletas. Esses resultados demonstram que é o microbioma que determina se o camundongo é atleta ou preguiçoso.

Em seguida, os cientistas foram investigar qual o componente produzido pelo microbioma dos atletas responsável por torná-los atletas. Depois de muitos experimentos descobriram que a molécula responsável, produzida pelo microbioma dos atletas, era um tipo de FAA (fatty acid amide). Bastava colocar essa molécula na dieta de um camundongo preguiçoso e ele se tornava um atleta. Até esse ponto os cientistas haviam demonstrado que, caso o microbioma do camundongo produzisse FAA ele era atleta, caso não produzisse ele era um preguiçoso.

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Mas como o FAA provocava essa mudança de comportamento? Após muitos experimentos foi possível demonstrar que o FAA se liga a receptores presentes em terminações nervosas no intestino, estimulando esses neurônios. Os neurônios por sua vez levam o estímulo para uma região do cérebro onde inibem a produção de uma enzima chamada MAO (monoamina oxidase). Como a MOA degrada a dopamina, menos MOA significa mais dopamina, o que provoca um aumento na vontade dos camundongos de se exercitarem. É um caminho complexo, mas o que importa é entender que uma molécula produzida pelas bactérias presentes no intestino controla a vontade de se exercitar.

Esse é mais um exemplo da importância do microbioma. É bom lembrar que todos esses experimentos foram feitos em camundongos e precisam ser refeitos em seres humanos para termos certeza que um mecanismo semelhante existe em seres humanos. Mas se isso for verdade, talvez no futuro possamos acabar com a preguiça modificando nosso microbioma ou ingerindo todos os dias uma cápsula de FAA. Para mim seria um milagre: não consigo me imaginar acordando de manhã com vontade de me exercitar.

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Mais informações: A microbiome-dependent gut–brain pathway regulates motivation for exercise

Tem gente que acorda todo dia disposto a se exercitar. Outros, como eu, relutam em fazer exercícios, e só se mexem porque sabem que praticar algum exercício retarda o envelhecimento, melhora a qualidade de vida, e faz bem à saúde. Qual a razão dessa diferença? Como a motivação é controlada pelo cérebro é por lá que deve estar a resposta.

Um grupo de cientistas resolveu estudar esse fenômeno em camundongos. Pegaram uma centena desses bichinhos e colocaram em gaiolas com aquelas rodas onde eles podem entrar voluntariamente para correr sem sair do lugar. O que os cientistas observaram é que alguns não se exercitavam, outros corriam alguns quilômetros e outros chegavam a correr 30 km por dia. Eles compararam os animais dos extremos, os mais preguiçosos com os mais animados. Fizeram todos os tipos de exames para tentar identificar alguma diferença metabólica ou genética que explicasse a diferença entre os grupos. E, para surpresa dos cientistas, encontraram uma grande diferença quando examinaram a flora intestinal dos animais. Descobriram que a flora intestinal de animais atletas é diferente da presente em animais preguiçosos.

A flora intestinal, ou o microbioma intestinal como também é chamado, é a coleção de microrganismos que habitam nosso intestino (e de todos os animais). Lá existe um número de bactérias maior que o número de células que existem em nosso corpo. Essas bactérias pertencem a centenas de diferentes espécies. O microbioma é enorme e muito diverso. Sabemos que ele varia entre pessoas, seja em quantidade, seja nos tipos de bactérias presentes. Elas ajudam na digestão e produzem substâncias que afetam nossa saúde. Algumas doenças podem ser curadas alterando o microbioma e existem procedimentos médicos que consistem no transplante de microbioma entre pessoas.

Cientistas descobriram que a disposição para fazer exercício físico pode estar ligada ao microbioma intestinal  Foto: Sergio Castro/Estadão

Mas será que é a natureza do microbioma que determina se os camundongos gostam de se exercitar? Ou seria a prática de exercício que faz com que os animais tivessem microbiomas diferentes? Para responder essa dúvida, os cientistas trataram os camundongos com antibióticos que matam grande parte do microbioma. Descobriram que os fanáticos por exercício viravam preguiçosos após o tratamento e que os preguiçosos continuavam preguiçosos. Em seguida, transplantaram o microbioma presente nos atletas para o intestino dos preguiçosos e descobriram que bastava isso para eles se tornarem atletas. E mais, descobriram que camundongos criados sem microbioma (em ambientes estéreis) eram preguiçosos, mas viravam atletas se tivessem seus intestinos colonizados por bactérias presentes em atletas. Esses resultados demonstram que é o microbioma que determina se o camundongo é atleta ou preguiçoso.

Em seguida, os cientistas foram investigar qual o componente produzido pelo microbioma dos atletas responsável por torná-los atletas. Depois de muitos experimentos descobriram que a molécula responsável, produzida pelo microbioma dos atletas, era um tipo de FAA (fatty acid amide). Bastava colocar essa molécula na dieta de um camundongo preguiçoso e ele se tornava um atleta. Até esse ponto os cientistas haviam demonstrado que, caso o microbioma do camundongo produzisse FAA ele era atleta, caso não produzisse ele era um preguiçoso.

Mas como o FAA provocava essa mudança de comportamento? Após muitos experimentos foi possível demonstrar que o FAA se liga a receptores presentes em terminações nervosas no intestino, estimulando esses neurônios. Os neurônios por sua vez levam o estímulo para uma região do cérebro onde inibem a produção de uma enzima chamada MAO (monoamina oxidase). Como a MOA degrada a dopamina, menos MOA significa mais dopamina, o que provoca um aumento na vontade dos camundongos de se exercitarem. É um caminho complexo, mas o que importa é entender que uma molécula produzida pelas bactérias presentes no intestino controla a vontade de se exercitar.

Esse é mais um exemplo da importância do microbioma. É bom lembrar que todos esses experimentos foram feitos em camundongos e precisam ser refeitos em seres humanos para termos certeza que um mecanismo semelhante existe em seres humanos. Mas se isso for verdade, talvez no futuro possamos acabar com a preguiça modificando nosso microbioma ou ingerindo todos os dias uma cápsula de FAA. Para mim seria um milagre: não consigo me imaginar acordando de manhã com vontade de me exercitar.

Mais informações: A microbiome-dependent gut–brain pathway regulates motivation for exercise

Tem gente que acorda todo dia disposto a se exercitar. Outros, como eu, relutam em fazer exercícios, e só se mexem porque sabem que praticar algum exercício retarda o envelhecimento, melhora a qualidade de vida, e faz bem à saúde. Qual a razão dessa diferença? Como a motivação é controlada pelo cérebro é por lá que deve estar a resposta.

Um grupo de cientistas resolveu estudar esse fenômeno em camundongos. Pegaram uma centena desses bichinhos e colocaram em gaiolas com aquelas rodas onde eles podem entrar voluntariamente para correr sem sair do lugar. O que os cientistas observaram é que alguns não se exercitavam, outros corriam alguns quilômetros e outros chegavam a correr 30 km por dia. Eles compararam os animais dos extremos, os mais preguiçosos com os mais animados. Fizeram todos os tipos de exames para tentar identificar alguma diferença metabólica ou genética que explicasse a diferença entre os grupos. E, para surpresa dos cientistas, encontraram uma grande diferença quando examinaram a flora intestinal dos animais. Descobriram que a flora intestinal de animais atletas é diferente da presente em animais preguiçosos.

A flora intestinal, ou o microbioma intestinal como também é chamado, é a coleção de microrganismos que habitam nosso intestino (e de todos os animais). Lá existe um número de bactérias maior que o número de células que existem em nosso corpo. Essas bactérias pertencem a centenas de diferentes espécies. O microbioma é enorme e muito diverso. Sabemos que ele varia entre pessoas, seja em quantidade, seja nos tipos de bactérias presentes. Elas ajudam na digestão e produzem substâncias que afetam nossa saúde. Algumas doenças podem ser curadas alterando o microbioma e existem procedimentos médicos que consistem no transplante de microbioma entre pessoas.

Cientistas descobriram que a disposição para fazer exercício físico pode estar ligada ao microbioma intestinal  Foto: Sergio Castro/Estadão

Mas será que é a natureza do microbioma que determina se os camundongos gostam de se exercitar? Ou seria a prática de exercício que faz com que os animais tivessem microbiomas diferentes? Para responder essa dúvida, os cientistas trataram os camundongos com antibióticos que matam grande parte do microbioma. Descobriram que os fanáticos por exercício viravam preguiçosos após o tratamento e que os preguiçosos continuavam preguiçosos. Em seguida, transplantaram o microbioma presente nos atletas para o intestino dos preguiçosos e descobriram que bastava isso para eles se tornarem atletas. E mais, descobriram que camundongos criados sem microbioma (em ambientes estéreis) eram preguiçosos, mas viravam atletas se tivessem seus intestinos colonizados por bactérias presentes em atletas. Esses resultados demonstram que é o microbioma que determina se o camundongo é atleta ou preguiçoso.

Em seguida, os cientistas foram investigar qual o componente produzido pelo microbioma dos atletas responsável por torná-los atletas. Depois de muitos experimentos descobriram que a molécula responsável, produzida pelo microbioma dos atletas, era um tipo de FAA (fatty acid amide). Bastava colocar essa molécula na dieta de um camundongo preguiçoso e ele se tornava um atleta. Até esse ponto os cientistas haviam demonstrado que, caso o microbioma do camundongo produzisse FAA ele era atleta, caso não produzisse ele era um preguiçoso.

Mas como o FAA provocava essa mudança de comportamento? Após muitos experimentos foi possível demonstrar que o FAA se liga a receptores presentes em terminações nervosas no intestino, estimulando esses neurônios. Os neurônios por sua vez levam o estímulo para uma região do cérebro onde inibem a produção de uma enzima chamada MAO (monoamina oxidase). Como a MOA degrada a dopamina, menos MOA significa mais dopamina, o que provoca um aumento na vontade dos camundongos de se exercitarem. É um caminho complexo, mas o que importa é entender que uma molécula produzida pelas bactérias presentes no intestino controla a vontade de se exercitar.

Esse é mais um exemplo da importância do microbioma. É bom lembrar que todos esses experimentos foram feitos em camundongos e precisam ser refeitos em seres humanos para termos certeza que um mecanismo semelhante existe em seres humanos. Mas se isso for verdade, talvez no futuro possamos acabar com a preguiça modificando nosso microbioma ou ingerindo todos os dias uma cápsula de FAA. Para mim seria um milagre: não consigo me imaginar acordando de manhã com vontade de me exercitar.

Mais informações: A microbiome-dependent gut–brain pathway regulates motivation for exercise

Opinião por Fernando Reinach

Biólogo, PHD em Biologia Celular e Molecular pela Cornell University e autor de "A Chegada do Novo Coronavírus no Brasil"; "Folha de Lótus, Escorregador de Mosquito"; e "A Longa Marcha dos Grilos Canibais"

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