Opinião|Pulmão do planeta?


Entre 2003 e 2014, as florestas liberaram mais carbono na atmosfera do que removeram

Por Fernando Reinach

Eu cresci com uma frase martelando meu ouvido. A Amazônia é o pulmão do planeta. A ideia é que as florestas reciclam o ar que respiramos. Nosso pulmão retira oxigênio do ar e devolve à atmosfera um gás com menos oxigênio e mais gás carbônico. Já as plantas fazem o contrário. Elas consomem o gás carbônico e liberam oxigênio, “purificando” a atmosfera. Essa versão simplificada da relação entre plantas e animais continua correta, mas agora os cientistas descobriram que todos os anos, entre 2003 e 2014, as florestas tropicais liberaram mais gás carbônico na atmosfera do que retiraram. E a culpa é nossa.

+++ Leia outras colunas de Fernando Reinach

Plantas funcionam assim. De dia usam a energia solar para transformar gás carbônico em açúcares, e esse processo libera oxigênio. A noite inverte: elas queimam parte desse açúcar consumindo oxigênio e liberando gás carbônico. Enquanto elas estão crescendo, a maior parte do açúcar produzido durante o dia vira matéria orgânica (folhas, caules e raízes) e um pouco é consumido. É o mesmo que uma conta corrente em que todo dia os depósitos são maiores que os saques. Quando a planta para de crescer, todo oxigênio que ela produz, ela gasta, e todo o gás carbônico que ela consome, ela libera (como uma conta corrente onde os depósitos são iguais aos saques). 

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Uma planta adulta possui uma enorme quantidade de carbono na forma de caules, folhas e raízes. É o chamado estoque de carbono, ou carbono fixado (é como o que sobra em uma conta após anos em que os depósitos são maiores que os saques). E quando esse estoque de carbono volta para a atmosfera? Quando a planta morre e apodrece, quando ocorre uma queimada ou um desmatamento. Nesse momento, o fogo ou o apodrecimento consome oxigênio e libera o gás carbônico na atmosfera. Em uma floresta, todos os processos acontecem simultaneamente: tem plantas crescendo, plantas maduras, plantas morrendo e tem fogo. 

Quando todos esses processos são somados, em todas as florestas do mundo, qual o resultado final? As florestas consomem mais gás carbônico do que soltam ou o inverso? Foi isso que agora os cientistas conseguiram medir, a movimentação dessa imensa conta corrente de carbono chamada floresta tropical.

O biólogo Fernando Reinach Foto: Clayton de Souza/Estadão
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Usando um sensor (Modis), colocado a bordo de um satélite, os cientistas fotografaram todas as florestas tropicais (entre os trópicos de Câncer e Capricórnio). Essas fotos permitem observar o que ocorre em cada um de milhões de quadradinhos de floresta de 21,4 hectares, diversas vezes por ano, entre 2003 e 2014. Esse sensor permite, a cada passagem sobre um desses quadrados, medir a massa total de vegetação que existe acima do solo (esse método não mede o que acontece com as raízes). Com esses dados foi possível saber o “saldo” da conta corrente a cada ano (quanto de massa florestal existe), os “depósitos” (quanto foi adicionado de massa a cada ano) e os “saques” (quanto foi retirado de massa florestal).

O resultado mostra que todos os anos, entre 2003 e 2014, a quantidade de massa vegetal presente nas florestas tropicais diminuiu. Todo ano, as florestas fixam 436 teragramas (um trilhão de gramas) carbono e soltam na atmosfera 861 teragramas de carbono. O resultado final é que a cada ano as florestas diminuem em 425 teragramas. E todo esse carbono foi para a atmosfera na forma de gás carbônico. Esse número variou durante os anos pesquisados. O Brasil é o responsável por grande parte dessa liberação, tendo liberado entre 200 e 300 teragramas de carbono todos os anos. Como esses dados são obtidos de cada quadradinho de 21,4 hectares, é possível estimar quanto dessa liberação de carbono na forma de gás carbônico vem do desmatamento. O número é espantoso, 68,9%.

Os resultados demonstram que entre 2003 e 2014 as florestas tropicais liberaram mais carbono do que removeram, e que mais de dois terços vêm da destruição das florestas. É triste, porém a conclusão é que as florestas nesse período funcionaram como um pulmão humano, consumiram oxigênio e liberaram gás carbônico. Mas é preciso entender que isso se deve à nossa insistência em derrubar e queimar florestas.

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MAIS INFORMAÇÕES: TROPICAL FORESTS ARE A NET CARBONO SOURCE BASED ON ABOVE GROUND MEASUREMENTS OF GAIN AND LOSS. SCIENCE VOL. 358 PÁG. 30 2017

*FERNANDO REINACH É BIÓLOGO

Eu cresci com uma frase martelando meu ouvido. A Amazônia é o pulmão do planeta. A ideia é que as florestas reciclam o ar que respiramos. Nosso pulmão retira oxigênio do ar e devolve à atmosfera um gás com menos oxigênio e mais gás carbônico. Já as plantas fazem o contrário. Elas consomem o gás carbônico e liberam oxigênio, “purificando” a atmosfera. Essa versão simplificada da relação entre plantas e animais continua correta, mas agora os cientistas descobriram que todos os anos, entre 2003 e 2014, as florestas tropicais liberaram mais gás carbônico na atmosfera do que retiraram. E a culpa é nossa.

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Plantas funcionam assim. De dia usam a energia solar para transformar gás carbônico em açúcares, e esse processo libera oxigênio. A noite inverte: elas queimam parte desse açúcar consumindo oxigênio e liberando gás carbônico. Enquanto elas estão crescendo, a maior parte do açúcar produzido durante o dia vira matéria orgânica (folhas, caules e raízes) e um pouco é consumido. É o mesmo que uma conta corrente em que todo dia os depósitos são maiores que os saques. Quando a planta para de crescer, todo oxigênio que ela produz, ela gasta, e todo o gás carbônico que ela consome, ela libera (como uma conta corrente onde os depósitos são iguais aos saques). 

Uma planta adulta possui uma enorme quantidade de carbono na forma de caules, folhas e raízes. É o chamado estoque de carbono, ou carbono fixado (é como o que sobra em uma conta após anos em que os depósitos são maiores que os saques). E quando esse estoque de carbono volta para a atmosfera? Quando a planta morre e apodrece, quando ocorre uma queimada ou um desmatamento. Nesse momento, o fogo ou o apodrecimento consome oxigênio e libera o gás carbônico na atmosfera. Em uma floresta, todos os processos acontecem simultaneamente: tem plantas crescendo, plantas maduras, plantas morrendo e tem fogo. 

Quando todos esses processos são somados, em todas as florestas do mundo, qual o resultado final? As florestas consomem mais gás carbônico do que soltam ou o inverso? Foi isso que agora os cientistas conseguiram medir, a movimentação dessa imensa conta corrente de carbono chamada floresta tropical.

O biólogo Fernando Reinach Foto: Clayton de Souza/Estadão

Usando um sensor (Modis), colocado a bordo de um satélite, os cientistas fotografaram todas as florestas tropicais (entre os trópicos de Câncer e Capricórnio). Essas fotos permitem observar o que ocorre em cada um de milhões de quadradinhos de floresta de 21,4 hectares, diversas vezes por ano, entre 2003 e 2014. Esse sensor permite, a cada passagem sobre um desses quadrados, medir a massa total de vegetação que existe acima do solo (esse método não mede o que acontece com as raízes). Com esses dados foi possível saber o “saldo” da conta corrente a cada ano (quanto de massa florestal existe), os “depósitos” (quanto foi adicionado de massa a cada ano) e os “saques” (quanto foi retirado de massa florestal).

O resultado mostra que todos os anos, entre 2003 e 2014, a quantidade de massa vegetal presente nas florestas tropicais diminuiu. Todo ano, as florestas fixam 436 teragramas (um trilhão de gramas) carbono e soltam na atmosfera 861 teragramas de carbono. O resultado final é que a cada ano as florestas diminuem em 425 teragramas. E todo esse carbono foi para a atmosfera na forma de gás carbônico. Esse número variou durante os anos pesquisados. O Brasil é o responsável por grande parte dessa liberação, tendo liberado entre 200 e 300 teragramas de carbono todos os anos. Como esses dados são obtidos de cada quadradinho de 21,4 hectares, é possível estimar quanto dessa liberação de carbono na forma de gás carbônico vem do desmatamento. O número é espantoso, 68,9%.

Os resultados demonstram que entre 2003 e 2014 as florestas tropicais liberaram mais carbono do que removeram, e que mais de dois terços vêm da destruição das florestas. É triste, porém a conclusão é que as florestas nesse período funcionaram como um pulmão humano, consumiram oxigênio e liberaram gás carbônico. Mas é preciso entender que isso se deve à nossa insistência em derrubar e queimar florestas.

MAIS INFORMAÇÕES: TROPICAL FORESTS ARE A NET CARBONO SOURCE BASED ON ABOVE GROUND MEASUREMENTS OF GAIN AND LOSS. SCIENCE VOL. 358 PÁG. 30 2017

*FERNANDO REINACH É BIÓLOGO

Eu cresci com uma frase martelando meu ouvido. A Amazônia é o pulmão do planeta. A ideia é que as florestas reciclam o ar que respiramos. Nosso pulmão retira oxigênio do ar e devolve à atmosfera um gás com menos oxigênio e mais gás carbônico. Já as plantas fazem o contrário. Elas consomem o gás carbônico e liberam oxigênio, “purificando” a atmosfera. Essa versão simplificada da relação entre plantas e animais continua correta, mas agora os cientistas descobriram que todos os anos, entre 2003 e 2014, as florestas tropicais liberaram mais gás carbônico na atmosfera do que retiraram. E a culpa é nossa.

+++ Leia outras colunas de Fernando Reinach

Plantas funcionam assim. De dia usam a energia solar para transformar gás carbônico em açúcares, e esse processo libera oxigênio. A noite inverte: elas queimam parte desse açúcar consumindo oxigênio e liberando gás carbônico. Enquanto elas estão crescendo, a maior parte do açúcar produzido durante o dia vira matéria orgânica (folhas, caules e raízes) e um pouco é consumido. É o mesmo que uma conta corrente em que todo dia os depósitos são maiores que os saques. Quando a planta para de crescer, todo oxigênio que ela produz, ela gasta, e todo o gás carbônico que ela consome, ela libera (como uma conta corrente onde os depósitos são iguais aos saques). 

Uma planta adulta possui uma enorme quantidade de carbono na forma de caules, folhas e raízes. É o chamado estoque de carbono, ou carbono fixado (é como o que sobra em uma conta após anos em que os depósitos são maiores que os saques). E quando esse estoque de carbono volta para a atmosfera? Quando a planta morre e apodrece, quando ocorre uma queimada ou um desmatamento. Nesse momento, o fogo ou o apodrecimento consome oxigênio e libera o gás carbônico na atmosfera. Em uma floresta, todos os processos acontecem simultaneamente: tem plantas crescendo, plantas maduras, plantas morrendo e tem fogo. 

Quando todos esses processos são somados, em todas as florestas do mundo, qual o resultado final? As florestas consomem mais gás carbônico do que soltam ou o inverso? Foi isso que agora os cientistas conseguiram medir, a movimentação dessa imensa conta corrente de carbono chamada floresta tropical.

O biólogo Fernando Reinach Foto: Clayton de Souza/Estadão

Usando um sensor (Modis), colocado a bordo de um satélite, os cientistas fotografaram todas as florestas tropicais (entre os trópicos de Câncer e Capricórnio). Essas fotos permitem observar o que ocorre em cada um de milhões de quadradinhos de floresta de 21,4 hectares, diversas vezes por ano, entre 2003 e 2014. Esse sensor permite, a cada passagem sobre um desses quadrados, medir a massa total de vegetação que existe acima do solo (esse método não mede o que acontece com as raízes). Com esses dados foi possível saber o “saldo” da conta corrente a cada ano (quanto de massa florestal existe), os “depósitos” (quanto foi adicionado de massa a cada ano) e os “saques” (quanto foi retirado de massa florestal).

O resultado mostra que todos os anos, entre 2003 e 2014, a quantidade de massa vegetal presente nas florestas tropicais diminuiu. Todo ano, as florestas fixam 436 teragramas (um trilhão de gramas) carbono e soltam na atmosfera 861 teragramas de carbono. O resultado final é que a cada ano as florestas diminuem em 425 teragramas. E todo esse carbono foi para a atmosfera na forma de gás carbônico. Esse número variou durante os anos pesquisados. O Brasil é o responsável por grande parte dessa liberação, tendo liberado entre 200 e 300 teragramas de carbono todos os anos. Como esses dados são obtidos de cada quadradinho de 21,4 hectares, é possível estimar quanto dessa liberação de carbono na forma de gás carbônico vem do desmatamento. O número é espantoso, 68,9%.

Os resultados demonstram que entre 2003 e 2014 as florestas tropicais liberaram mais carbono do que removeram, e que mais de dois terços vêm da destruição das florestas. É triste, porém a conclusão é que as florestas nesse período funcionaram como um pulmão humano, consumiram oxigênio e liberaram gás carbônico. Mas é preciso entender que isso se deve à nossa insistência em derrubar e queimar florestas.

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