Opinião|Quando o cérebro engana a consciência?


Cientistas tentam entender episódios alucinatórios e estão medindo todo tipo de atividade cerebral a partir de um modelo experimental

Por Fernando Reinach

Você está andando numa rua deserta e sente que tem alguém atrás de você. Se vira e não tem ninguém. Ou então ouve uma voz, procura e não descobre a pessoa que falou.

Esses são exemplos de alucinações leves que ocorrem com muitos de nós. Estudos indicam que aproximadamente 10% das pessoas saudáveis tiveram experiências como essa alguma vez na vida. Lembro de muitos casos que me ocorreram ao longo dos anos.

Mas, as alucinações podem ser constantes e muito fortes, como acontece com pacientes com esquizofrenia, que ouvem vozes constantemente ou mesmo podem “ver” pessoas imaginárias. E há ainda os casos de pessoas que, em condições de estresse ou cansaço, têm visões. O que ocorre muito em pessoas que estão cruzando desertos, desidratadas, são as miragens. Finalmente existem as alucinações causadas por drogas alucinógenas, como o LSD, ou submetidas a estímulos auditivos repetitivos, como em terreiros de candomblé e outros rituais.

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Cientistas criaram um modelo experimental para estudar alucinações em pessoas normais sem causar dano ou colocá-las em risco Foto: Universidade de Cambridge/AFP

Uma das funções mais importantes de nosso cérebro é apresentar para nossa consciência imagens, sons e cheiros que refletem o que está acontecendo em nossa volta, no mundo exterior. Para tanto recebe as informações vindas dos sentidos (olhos, ouvidos, etc...) e com elas constrói uma representação do mundo exterior. É essa representação que chega à nossa consciência. Quando essa representação é falha, por exemplo numa ilusão de óptica, ficamos confusos.

As alucinações ocorrem quando nosso cérebro produz e apresenta à consciência representações do mundo exterior que não existem de fato. Ouvimos sons ou vemos imagens que não correspondem ao que está do lado de fora de nosso corpo. Elas podem ser simples e facilmente corrigidas (às vezes basta olhar para trás), ou podem ser terríveis como nos surtos de esquizofrenia.

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Faz anos que os cientistas tentam entender como nesses episódios alucinatórios o cérebro consegue enganar a consciência. O problema é que até recentemente esses estudos tinham de ser feitos com pacientes psiquiátricos ou induzindo alucinações usando drogas como o LSD. Mas, o maior interesse é exatamente entender como e porque isso ocorre com pessoas normais.

Sabendo o mecanismo de como e porque ele ocorre, talvez possamos ajudar a evitar ou melhorar esses episódios em pessoas doentes. E, para executar esses estudos, é necessário um modelo experimental. Como estudar alucinações em ratos ou camundongos é impossível (ratos não conseguem nos contar o que passa por suas cabeças), o que estava faltando era uma maneira fácil e reproduzível de induzir alucinações em pessoas normais sem usar drogas ou medidas radicais. Foi exatamente esse modelo que foi desenvolvido agora.

Os cientistas desenvolveram uma cadeira com um braço mecânico na parte de trás. Esse braço é capaz de tocar as costas de uma pessoa de forma leve. O voluntário senta na cadeira e em cima da mesa tem um botão. Ele é instruído a apertar o botão quando quiser e, quando isso ocorre, o braço mecânico toca as costas da pessoa.

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Antes de sentar na cadeira, todo o mecanismo é explicado para a pessoa, então ela sabe o que vai acontecer. Aí, a pessoa começa a brincar com o botão. O que ela não sabe é que, a partir de um momento, os cientistas mudam a programação do dedo mecânico de modo que ele, em vez de tocar a pessoa imediatamente, espera por meio segundo antes de se mexer e tocar as costas do voluntário.

O impressionante é que nessas condições praticamente todas as pessoas começam a sentir e falar que tem uma pessoa atrás delas tocando as costas, e deixam de acreditar que é o robô. Ou seja, elas começam a alucinar levemente. Claro que se elas virarem para trás verão que não tem ninguém lá. Mas, essa alucinação ocorre de forma reprodutível na grande maioria dos seres humanos, sem o uso de drogas e na ausência de qualquer patologia psiquiátrica.

Pronto, os cientistas agora possuem um modelo experimental para estudar alucinações em pessoas normais sem causar dano ou colocar a pessoa em risco. Agora, usando esse método, os cientistas estão ocupados medindo todo tipo de atividade cerebral durante alucinações, e tentando aumentar as alucinações com estímulos auditivos, vindo de gravações de sons apresentados por fones de ouvido.

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Usando essa nova tecnologia é muito provável que nos próximos anos vamos entender as causas e os mecanismos que levam nossos cérebros a enganarem nossa consciência. Com isso, vamos entender e talvez aliviar uma boa parte das alucinações que nos incomodam ou podem nos levar ao desespero absoluto.

Mais informações: Robotically-induced auditory-verbal hallucinations: combining self-monitoring and strong perceptual priors. Psychological Medicine

Você está andando numa rua deserta e sente que tem alguém atrás de você. Se vira e não tem ninguém. Ou então ouve uma voz, procura e não descobre a pessoa que falou.

Esses são exemplos de alucinações leves que ocorrem com muitos de nós. Estudos indicam que aproximadamente 10% das pessoas saudáveis tiveram experiências como essa alguma vez na vida. Lembro de muitos casos que me ocorreram ao longo dos anos.

Mas, as alucinações podem ser constantes e muito fortes, como acontece com pacientes com esquizofrenia, que ouvem vozes constantemente ou mesmo podem “ver” pessoas imaginárias. E há ainda os casos de pessoas que, em condições de estresse ou cansaço, têm visões. O que ocorre muito em pessoas que estão cruzando desertos, desidratadas, são as miragens. Finalmente existem as alucinações causadas por drogas alucinógenas, como o LSD, ou submetidas a estímulos auditivos repetitivos, como em terreiros de candomblé e outros rituais.

Cientistas criaram um modelo experimental para estudar alucinações em pessoas normais sem causar dano ou colocá-las em risco Foto: Universidade de Cambridge/AFP

Uma das funções mais importantes de nosso cérebro é apresentar para nossa consciência imagens, sons e cheiros que refletem o que está acontecendo em nossa volta, no mundo exterior. Para tanto recebe as informações vindas dos sentidos (olhos, ouvidos, etc...) e com elas constrói uma representação do mundo exterior. É essa representação que chega à nossa consciência. Quando essa representação é falha, por exemplo numa ilusão de óptica, ficamos confusos.

As alucinações ocorrem quando nosso cérebro produz e apresenta à consciência representações do mundo exterior que não existem de fato. Ouvimos sons ou vemos imagens que não correspondem ao que está do lado de fora de nosso corpo. Elas podem ser simples e facilmente corrigidas (às vezes basta olhar para trás), ou podem ser terríveis como nos surtos de esquizofrenia.

Faz anos que os cientistas tentam entender como nesses episódios alucinatórios o cérebro consegue enganar a consciência. O problema é que até recentemente esses estudos tinham de ser feitos com pacientes psiquiátricos ou induzindo alucinações usando drogas como o LSD. Mas, o maior interesse é exatamente entender como e porque isso ocorre com pessoas normais.

Sabendo o mecanismo de como e porque ele ocorre, talvez possamos ajudar a evitar ou melhorar esses episódios em pessoas doentes. E, para executar esses estudos, é necessário um modelo experimental. Como estudar alucinações em ratos ou camundongos é impossível (ratos não conseguem nos contar o que passa por suas cabeças), o que estava faltando era uma maneira fácil e reproduzível de induzir alucinações em pessoas normais sem usar drogas ou medidas radicais. Foi exatamente esse modelo que foi desenvolvido agora.

Os cientistas desenvolveram uma cadeira com um braço mecânico na parte de trás. Esse braço é capaz de tocar as costas de uma pessoa de forma leve. O voluntário senta na cadeira e em cima da mesa tem um botão. Ele é instruído a apertar o botão quando quiser e, quando isso ocorre, o braço mecânico toca as costas da pessoa.

Antes de sentar na cadeira, todo o mecanismo é explicado para a pessoa, então ela sabe o que vai acontecer. Aí, a pessoa começa a brincar com o botão. O que ela não sabe é que, a partir de um momento, os cientistas mudam a programação do dedo mecânico de modo que ele, em vez de tocar a pessoa imediatamente, espera por meio segundo antes de se mexer e tocar as costas do voluntário.

O impressionante é que nessas condições praticamente todas as pessoas começam a sentir e falar que tem uma pessoa atrás delas tocando as costas, e deixam de acreditar que é o robô. Ou seja, elas começam a alucinar levemente. Claro que se elas virarem para trás verão que não tem ninguém lá. Mas, essa alucinação ocorre de forma reprodutível na grande maioria dos seres humanos, sem o uso de drogas e na ausência de qualquer patologia psiquiátrica.

Pronto, os cientistas agora possuem um modelo experimental para estudar alucinações em pessoas normais sem causar dano ou colocar a pessoa em risco. Agora, usando esse método, os cientistas estão ocupados medindo todo tipo de atividade cerebral durante alucinações, e tentando aumentar as alucinações com estímulos auditivos, vindo de gravações de sons apresentados por fones de ouvido.

Usando essa nova tecnologia é muito provável que nos próximos anos vamos entender as causas e os mecanismos que levam nossos cérebros a enganarem nossa consciência. Com isso, vamos entender e talvez aliviar uma boa parte das alucinações que nos incomodam ou podem nos levar ao desespero absoluto.

Mais informações: Robotically-induced auditory-verbal hallucinations: combining self-monitoring and strong perceptual priors. Psychological Medicine

Você está andando numa rua deserta e sente que tem alguém atrás de você. Se vira e não tem ninguém. Ou então ouve uma voz, procura e não descobre a pessoa que falou.

Esses são exemplos de alucinações leves que ocorrem com muitos de nós. Estudos indicam que aproximadamente 10% das pessoas saudáveis tiveram experiências como essa alguma vez na vida. Lembro de muitos casos que me ocorreram ao longo dos anos.

Mas, as alucinações podem ser constantes e muito fortes, como acontece com pacientes com esquizofrenia, que ouvem vozes constantemente ou mesmo podem “ver” pessoas imaginárias. E há ainda os casos de pessoas que, em condições de estresse ou cansaço, têm visões. O que ocorre muito em pessoas que estão cruzando desertos, desidratadas, são as miragens. Finalmente existem as alucinações causadas por drogas alucinógenas, como o LSD, ou submetidas a estímulos auditivos repetitivos, como em terreiros de candomblé e outros rituais.

Cientistas criaram um modelo experimental para estudar alucinações em pessoas normais sem causar dano ou colocá-las em risco Foto: Universidade de Cambridge/AFP

Uma das funções mais importantes de nosso cérebro é apresentar para nossa consciência imagens, sons e cheiros que refletem o que está acontecendo em nossa volta, no mundo exterior. Para tanto recebe as informações vindas dos sentidos (olhos, ouvidos, etc...) e com elas constrói uma representação do mundo exterior. É essa representação que chega à nossa consciência. Quando essa representação é falha, por exemplo numa ilusão de óptica, ficamos confusos.

As alucinações ocorrem quando nosso cérebro produz e apresenta à consciência representações do mundo exterior que não existem de fato. Ouvimos sons ou vemos imagens que não correspondem ao que está do lado de fora de nosso corpo. Elas podem ser simples e facilmente corrigidas (às vezes basta olhar para trás), ou podem ser terríveis como nos surtos de esquizofrenia.

Faz anos que os cientistas tentam entender como nesses episódios alucinatórios o cérebro consegue enganar a consciência. O problema é que até recentemente esses estudos tinham de ser feitos com pacientes psiquiátricos ou induzindo alucinações usando drogas como o LSD. Mas, o maior interesse é exatamente entender como e porque isso ocorre com pessoas normais.

Sabendo o mecanismo de como e porque ele ocorre, talvez possamos ajudar a evitar ou melhorar esses episódios em pessoas doentes. E, para executar esses estudos, é necessário um modelo experimental. Como estudar alucinações em ratos ou camundongos é impossível (ratos não conseguem nos contar o que passa por suas cabeças), o que estava faltando era uma maneira fácil e reproduzível de induzir alucinações em pessoas normais sem usar drogas ou medidas radicais. Foi exatamente esse modelo que foi desenvolvido agora.

Os cientistas desenvolveram uma cadeira com um braço mecânico na parte de trás. Esse braço é capaz de tocar as costas de uma pessoa de forma leve. O voluntário senta na cadeira e em cima da mesa tem um botão. Ele é instruído a apertar o botão quando quiser e, quando isso ocorre, o braço mecânico toca as costas da pessoa.

Antes de sentar na cadeira, todo o mecanismo é explicado para a pessoa, então ela sabe o que vai acontecer. Aí, a pessoa começa a brincar com o botão. O que ela não sabe é que, a partir de um momento, os cientistas mudam a programação do dedo mecânico de modo que ele, em vez de tocar a pessoa imediatamente, espera por meio segundo antes de se mexer e tocar as costas do voluntário.

O impressionante é que nessas condições praticamente todas as pessoas começam a sentir e falar que tem uma pessoa atrás delas tocando as costas, e deixam de acreditar que é o robô. Ou seja, elas começam a alucinar levemente. Claro que se elas virarem para trás verão que não tem ninguém lá. Mas, essa alucinação ocorre de forma reprodutível na grande maioria dos seres humanos, sem o uso de drogas e na ausência de qualquer patologia psiquiátrica.

Pronto, os cientistas agora possuem um modelo experimental para estudar alucinações em pessoas normais sem causar dano ou colocar a pessoa em risco. Agora, usando esse método, os cientistas estão ocupados medindo todo tipo de atividade cerebral durante alucinações, e tentando aumentar as alucinações com estímulos auditivos, vindo de gravações de sons apresentados por fones de ouvido.

Usando essa nova tecnologia é muito provável que nos próximos anos vamos entender as causas e os mecanismos que levam nossos cérebros a enganarem nossa consciência. Com isso, vamos entender e talvez aliviar uma boa parte das alucinações que nos incomodam ou podem nos levar ao desespero absoluto.

Mais informações: Robotically-induced auditory-verbal hallucinations: combining self-monitoring and strong perceptual priors. Psychological Medicine

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Opinião por Fernando Reinach

Biólogo, PHD em Biologia Celular e Molecular pela Cornell University e autor de "A Chegada do Novo Coronavírus no Brasil"; "Folha de Lótus, Escorregador de Mosquito"; e "A Longa Marcha dos Grilos Canibais"

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