Os seres vivos compartilham um mesmo passado recente: todos possuíram progenitores que tiveram sucesso em reproduzir. Seres vivos que não reproduziram foram os últimos de suas linhagens e desapareceram da face da Terra. Portanto, não é sem razão que as estratégias que garantem a reprodução se tornaram tão sofisticadas. Vão dos peixes que deixam de se alimentar para proteger os filhotes na sua boca, até a sofisticação dos mamíferos que geram internamente seus filhotes, os alimentam via placenta até o parto, e ainda possuem glândulas mamárias que garantem o alimento do recém-nascido.
Como todo casal que já gerou e criou um filho sabe, os seres vivos investem quantidades enormes de energia (medidas em calorias) para garantir o sucesso reprodutivo. Mas, até hoje, a quantidade de energia gasta por um animal na produção de um filhote somente havia sido estimada.
Um trabalho publicado agora mediu de fato quantas calorias animais de diversos grupos, inclusive seres humanos, despendem para gerar cada filhote. E o número medido chega a ser 20 vezes maior do que o que se acreditava.
Medir o número de calorias despendidas por uma cadela para produzir um filhote da fecundação até o parto é muito difícil. Você teria de comparar todo o gasto energético de uma cadela grávida com uma cadela idêntica não grávida. A diferença entre esses dois gastos é o número de calorias necessárias para gerar o filhote.
Para fazer essa medida, as cadelas teriam de ser colocadas em um recipiente totalmente fechado e a quantidade de oxigênio consumido e gás carbônico emitido teria de ser medida. Além disso, é importante medir as calorias provenientes dos alimentos consumidos, as calorias liberadas nas fezes, na urina e na transpiração.
Como isso nunca havia sido feito, o número usado pelos cientistas para descrever o custo energético da reprodução incluía somente a energia presente no filhote ao nascimento. Para isso, você pegava um filhote recém-nascido, estimava quanto ele possuía de músculo, osso, gordura e todos os demais tecidos, somava tudo e calculava quanto de energia estava presente em cada tecido.
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O número obtido é chamado de custo energético direto. E, então, se adicionava a esse valor 10-20% de custo energético indireto. Seria a energia usada a mais pela mãe durante a gravidez. Por exemplo, a energia usada para se locomover com o peso extra do feto, que não aparece no filhote.
Para entender o que é o custo direto e indireto, o exemplo de uma padaria ajuda muito. Um pão francês de 50 gramas possui 150 calorias. Esse é o custo energético direto desse filhote da padaria. Mas, para fazer o pão, a padaria gastou energia para aquecer o forno. Vamos supor que isso seja 15 calorias por pão francês. Então o custo energético direto são 150 calorias, o custo indireto 15 calorias gastos pelo forno, e o custo total 165 calorias. Nesse caso o custo indireto é 9% do custo energético total.
Durante décadas, se estimava que o custo indireto de produzir um filhote ia de 5% em animais que botavam ovos e os abandonavam a sua própria sorte (peixes, camarões) até 20% no caso dos mamíferos. Mas, com essas novas medidas foi descoberto que o custo é muito maior (até 20 vezes maior) do que se estimava.
As medidas mostram que o custo indireto de gerar um filhote de mamífero chega a 96% do custo total e somente 4% aparecem como custo direto. É como se a padaria, para produzir um pãozinho que contém 150 calorias, gastasse 3.550 calorias em custos indiretos.
No caso de um bebê humano, os dados mostram que o custo total, em calorias, para gerar o bebê é aproximadamente 50.000.000 de calorias (208.000 kilojoules) ao longo dos 9 meses e somente 4% desse total está presente no recém-nascido. Esse número é quase 20 vezes maior do que se estimava até poucos anos atrás. E isso não inclui a energia gasta na produção de leite durante a amamentação nem a comida que a mãe e o pai têm de prover até a criança ficar autossuficiente.
Essa descoberta tem implicações sociais importantes. O fato desse custo energético altíssimo recair totalmente sobre o corpo da mulher ajuda a explicar o motivo de, nas sociedades primitivas, antes da descoberta da agricultura, a única maneira de o casal conseguir coletar alimentos para arcar com esse custo energético era a divisão das tarefas.
O homem coletava e caçava para garantir as calorias necessárias para gerar o bebê e manter vivos os pais. Hoje, com a abundância de alimentos, a realidade é outra, mas talvez a origem da separação de papéis entre homens e mulheres esteja nesse enorme custo energético impossível de ser suprido no passado distante por uma mulher sem o auxílio do parceiro. A igualdade entre sexos era uma impossibilidade energética.
Mais informações: Metabolic loads and the costs of metazoan reproduction. Science https://www.science.org/doi/10.1126/science.adk6772 2024