A quantidade de água numa caixa d’água depende de quanto entra e quanto sai. Na atmosfera, é igual. A quantidade de gás carbônico depende de quanto entra e quanto é removido da atmosfera. O aumento gradual da quantidade de gás carbônico é a principal causa do aquecimento global. Por isso, os cientistas querem entender os mecanismos que colocam e retiram esse gás da atmosfera.
O principal mecanismo que retira o gás carbônico da atmosfera é a fotossíntese. Ela transforma o gás em matéria orgânica. Isso ocorre nas árvores que crescem na floresta e nos micro-organismos que vivem nos mares. Esse processo retira da atmosfera aproximadamente 100 petagramas por ano (um petagrama equivale a 10 a potência de 15 gramas), metade na terra, metade no mar.
O grosso dessa quantidade de carbono retorna rapidamente à atmosfera, porque grande parte dessa matéria orgânica é consumida pelos seres vivos e transformada novamente em gás carbônico. Esse é o principal processo que coloca gás carbônico na atmosfera.
Existem outros processos envolvidos no ciclo do carbono, mas, de maneira simplificada, é isso que vinha acontecendo nos últimos 100 mil anos até o início da era industrial (1850). A quantidade de gás carbônico na atmosfera vinha se mantendo relativamente estável – e a temperatura também.
Quando o ser humano começou a queimar combustíveis fósseis e a destruir as reservas de vegetação nativa, criamos um novo processo, que adiciona mais gás carbônico à atmosfera. Todo ano, os humanos jogam cerca de 11 petagramas de carbono na forma de gás carbônico na atmosfera. Desse valor, 90% vêm da queima de combustíveis fósseis, e 10% de desmatamentos.
São esses 11 petagramas que estão desequilibrando o sistema e causando o aumento de 50% na quantidade de gás carbônico na atmosfera nos últimos 150 anos. E, claro, provocando o aquecimento global.
A novidade é que agora os cientistas conseguiram medir um processo que remove o gás carbono da atmosfera e estoca esse carbono por até milhares de anos. Ele se chama bomba de carbono dos oceanos. E seu tamanho é muito maior do que se acreditava – maior do que os 11 petagramas que o homem libera todos os anos.
Nos oceanos, a fotossíntese só ocorre perto da superfície, nos primeiros 200 metros, aonde a luz chega. Mais fundo, domina a escuridão. Sem luz, não há fotossíntese.
Nessa camada superior, os seres que fazem fotossíntese morrem e são devorados por pequenos animais, que, por sua vez, são devorados por animais maiores – e grande parte do cerca de 50 petagramas retirados da atmosfera volta a se transformar em gás carbônico quando esses animais respiram, morrem e apodrecem.
Mas uma parte dessa matéria orgânica é levada para as profundezas escuras, onde existe pouca vida. Lá, reagem com sais minerais e acabam depositadas no fundo do oceano.
Essa bomba, que transporta matéria orgânica para o fundo dos oceanos, já é conhecida faz tempo, mas seu tamanho (quantos petagramas leva para o fundo todos os anos) era uma incógnita.
A dificuldade era construir um modelo que descrevesse os dados que demonstram sua existência. Esses dados são amostras de água colhidas a diferentes profundidades por navios oceanográficos.
Eles navegam em linhas retas cruzando os oceanos, e coletam amostra de água com uma garrafa amarrada numa corda. A garrafa é baixada do navio e, na profundidade certa, ela é aberta. Aí, a água entra, a garrafa fecha e é puxada para cima.
Essas amostras, com a data de coleta, a profundidade coletada e a posição exata do local de coleta, vêm sendo acumuladas desde 1850. Elas cobrem todo os oceanos e há amostras coletadas de 100 a 5 mil metros de profundidade. O que está presente em todas essas amostras constitui um enorme banco de dados sobre a composição da água dos oceanos.
Esses dados não medem a atividade da bomba diretamente, mas refletem o que ela provoca. Por exemplo: mostram qual a quantidade de matéria orgânica que existe a cada profundidade.
O que os cientistas fizeram foi construir um modelo desse fluxo de matéria orgânica que descreve de maneira precisa o que foi encontrado em cada ponto de coleta. E, com esse modelo, foram capazes de descrever o fluxo de matéria orgânica para as profundezas.
A conclusão é que essa bomba transporta 15 petagramas de matéria orgânica por ano para o fundo dos oceanos, todos os anos. Parte dela fica no fundo por milhares de anos (muito mais tempo do que a matéria orgânica das raízes dura no solo). Esse valor é três vezes maior que o que se estimava (5 petagramas por ano).
Essa descoberta tem várias implicações. A primeira é que esses dados vão ajudar a refinar os modelos de mudanças climáticas. A segunda é que talvez essa bomba possa ser estimulada e, com isso, ajudar a remover gás carbônico da atmosfera. E, a terceira, na verdade, é uma dúvida: qual o efeito do aquecimento sobre esse fenômeno?
Se ele inibir a bomba, isso pode acelerar o aumento de gás carbônico na atmosfera. Mas se o aquecimento estimular essa bomba, ela pode mitigar os efeitos criados pela queima de combustíveis fósseis.
O interessante é quão pouco sabemos sobre os processos que regulam a quantidade de gás carbônico na atmosfera. A quantidade desse gás nunca subiu tanto e tão rápido quanto nos últimos 150 anos, mas sabemos que nossa atmosfera já passou por diversos ciclos de aumento e diminuição da quantidade desse gás – muito antes de o homem surgir no planeta, há aproximadamente 250 mil anos.
Veja a figura: a escala é em milhares de anos. E, no passado, em cada um desses ciclos, algum fenômeno fez a quantidade de gás carbônico subir e baixar de maneira cíclica. Por enquanto, não somos capazes de explicar o que provocou esses ciclos. Mas, agora, é melhor prevenir do que remediar. A solução é descontinuar a queima dos combustíveis fósseis.
Mais informações: Biological carbon pump estimate based on multidecadal hydrographic data. Nature, 2023