Os computadores quânticos estão prestes a se tornar superpotências computacionais, mas os pesquisadores há muito procuram um problema viável que lhes confira uma vantagem quântica – algo que somente um computador quântico consiga resolver. Só então, argumentam eles, a tecnologia será finalmente vista como essencial.
Eles estão procurando há décadas. “Um dos motivos da dificuldade dessa tarefa é que os computadores clássicos são muito bons em muitas das coisas que fazem”, disse John Preskill, físico teórico do Instituto de Tecnologia da Califórnia.
Em 1994, Peter Shor descobriu uma possibilidade: um algoritmo quântico para fatorar grandes números. O algoritmo de Shor é poderoso e se acredita que supera todos os algoritmos clássicos. Quando executado em um computador quântico, tem o potencial de quebrar boa parte dos sistemas de segurança da internet, que se valem da dificuldade de fatorar grandes números. Mas, por mais impressionante que seja, o algoritmo é relevante apenas para uma pequena fatia de áreas de pesquisa, e é possível que amanhã alguém encontre uma forma eficiente de fatorar grandes números com uma máquina clássica, minando a importância do algoritmo. A aplicabilidade restrita de Shor vem encorajando a comunidade de pesquisa a procurar outros casos de uso para máquinas quânticas que realmente possam levar a novas descobertas científicas.
“Não queremos construir um computador só para uma única tarefa”, disse Soonwon Choi, físico do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. “Além do algoritmo de Shor, o que mais podemos fazer com um computador quântico?”
Como diz Preskill: “Temos de encontrar problemas que são classicamente difíceis, mas depois temos de (mostrar) que os métodos quânticos vão ser eficientes de verdade”.
Algumas vezes, os pesquisadores pensaram que tinham conseguido, pois descobriram algoritmos quânticos que conseguiam resolver problemas mais rápido do que qualquer coisa que um computador clássico podia fazer. Mas aí alguém – muitas vezes a jovem pesquisadora Ewin Tang – aparecia com novos algoritmos clássicos e inteligentes que conseguiam superar os quânticos.
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Agora, uma equipe de físicos – entre eles Preskill – talvez tenha encontrado o melhor candidato para a vantagem quântica. Ao estudar a energia de certos sistemas quânticos, eles descobriram um problema específico e útil que uma máquina quântica resolve com facilidade, mas que ainda é difícil para uma máquina clássica. “É um grande progresso na teoria dos algoritmos quânticos”, disse Sergey Bravyi, físico teórico e cientista da computação da IBM. “O resultado deles é uma vantagem quântica para um problema relevante para a química e a ciência dos materiais”.
Os pesquisadores também estão entusiasmados com o fato de o novo trabalho explorar novas áreas inesperadas das ciências físicas. “Esta nova capacidade é qualitativamente diferente (do algoritmo de Shor) e pode abrir muitas oportunidades no mundo dos algoritmos quânticos”, disse Choi.
O problema tem a ver com as propriedades dos sistemas quânticos (geralmente átomos) nos vários estados de energia. Quando os átomos saltam entre estados, suas propriedades mudam. Eles podem emitir uma determinada cor de luz, por exemplo, ou se tornar magnéticos. Se quisermos prever melhor as propriedades do sistema em vários estados de energia, será útil compreender o sistema quando ele está em seu estado menos agitado, que os cientistas chamam de estado fundamental.
“Muitos químicos, cientistas de materiais e físicos quânticos estão trabalhando para encontrar estados fundamentais”, disse Robert Huang, um dos autores do novo artigo e cientista pesquisador do Google Quantum AI. “O que sabemos que é extremamente difícil”.
É tão difícil que, depois de mais de um século de trabalho, os pesquisadores ainda não encontraram uma abordagem computacional eficaz para determinar o estado fundamental de um sistema a partir dos primeiros princípios. Tampouco parece haver alguma maneira de um computador quântico fazer isso. Os cientistas concluíram que encontrar o estado fundamental de um sistema é difícil tanto para computadores clássicos quanto para os quânticos.
Mas alguns sistemas físicos apresentam um cenário energético mais complexo. Quando resfriados, esses sistemas complexos se contentam em se estabilizar não em seu estado fundamental, mas sim em um nível de baixa energia bem próximo, conhecido como nível de energia mínima local (parte do Prêmio Nobel de Física de 2021 foi atribuído ao trabalho sobre um desses conjuntos de sistemas, conhecidos como vidros de spin). Os pesquisadores começaram a se perguntar se o problema de determinar o nível de energia mínima local de um sistema também seria universalmente difícil.
As respostas começaram a surgir no ano passado, quando Chi-Fang (Anthony) Chen, outro autor do artigo recente, ajudou a desenvolver um novo algoritmo quântico que conseguia simular a termodinâmica quântica (que estuda o impacto do calor, da energia e do trabalho em um sistema quântico). “Acho que muitas pessoas (pesquisaram) a questão de como é o cenário energético nos sistemas quânticos, mas não havia nenhuma ferramenta para analisá-lo”, disse Huang. O algoritmo de Chen ajudou a abrir uma janela sobre como esses sistemas funcionam.
Ao ver como a nova ferramenta era poderosa, Huang e Leo Zhou, o quarto e último autor do novo artigo, a usaram para projetar uma maneira de os computadores quânticos determinarem o estado de energia mínima local de um sistema, em vez de buscar o estado fundamental ideal – uma abordagem que se concentrava exatamente no tipo de problema que os pesquisadores da computação quântica procuravam. “Agora temos um problema: encontrar uma quantidade local de energia, o que ainda é classicamente difícil, mas que podemos dizer que é quanticamente fácil”, disse Preskill. “Isso nos coloca na arena onde queremos estar em busca de vantagens quânticas”.
Liderados por Preskill, os autores não só comprovaram a força de sua nova abordagem para determinar o estado de energia mínima local de um sistema – um grande progresso no campo da física quântica – mas também provaram que este era, finalmente, um problema em que os computadores quânticos podiam mostrar seu valor. “O problema de encontrar a energia mínima local tem vantagem quântica”, disse Huang.
E, ao contrário dos candidatos anteriores, este provavelmente não será destronado por nenhum novo algoritmo clássico. “(É) improvável que seja desquantizado”, disse Choi. A equipe de Preskill fez suposições bem plausíveis e deu alguns saltos lógicos: se um algoritmo clássico conseguir alcançar os mesmos resultados, isso significa que os físicos devem estar errados sobre muitas outras coisas. “Vai ser um resultado chocante”, disse Choi. “Vou ficar animado para ver, mas vai ser chocante demais para acreditar”. O novo trabalho apresenta um candidato utilizável e promissor para demonstrar vantagem quântica.
Para ficar claro, o novo resultado ainda é de natureza teórica. Atualmente, é impossível demonstrar essa nova abordagem em um computador quântico de verdade. E levará um tempo para construir uma máquina que consiga testar exaustivamente a vantagem quântica do problema. Então, para Bravyi, o trabalho está só começando. “Se você olhar para o que acontecia cinco anos atrás, só tínhamos computadores de poucos bits quânticos, e agora já temos máquinas de centenas ou até mais de mil qubits”, disse ele. “É muito difícil prever o que pode acontecer daqui a cinco ou dez anos. É um campo muito dinâmico”. /TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
História original republicada com permissão da Quanta Magazine, uma publicação editorialmente independente apoiada pela Simons Foundation. Leia o conteúdo original em Physicists Finally Find a Problem That Only Quantum Computers Can Do.