Governo aposta no setor privado para lançar foguete nacional, plano travado há 20 anos


Veículos Lançadores de Pequeno Porte terão a capacidade de colocar micro e nanosatélites em órbita, feito que o País persegue há décadas, mas que nunca conseguiu alcançar

Por Caio Possati

O Brasil recorre agora a empresas e startups para destravar o plano de construir e colocar em órbita foguetes nacionais que lançam micro e nanosatélites. O governo federal escolheu dois conjuntos de empresas e startups para tocar os projetos, com investimento previsto de R$ 370 milhões.

A previsão é de que os foguetes sejam entregues entre o fim de 2026 e o início de 2027. Antes restrita a órgãos públicos civis e militares, a corrida espacial tem envolvido cada vez mais a iniciativa privada. Esse movimento (“new space”) ainda dá seus primeiros passos no Brasil, e tem Elon Musk e Jeff Bezos entre seus nomes mais famosos.

Conhecidos também por Veículos Lançadores de Pequeno Porte (VLPP), esses foguetes possuem a capacidade de transportar e colocar micro e nanosatélites em órbita baixa.

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Modelo do foguete suborbital VS-40, instalado dentro de Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão. Foto: Felipe Rau/Estadão

Trata-se de um tipo de tecnologia que o País nunca conseguiu dominar por completo, mas que já a ambiciona desde os anos 1970 e que é prevista como meta na Política de Desenvolvimento das Atividades Espaciais (Pndae) desde 1994. Se o projeto obtiver o sucesso esperado, será um capítulo inédito na história do programa espacial brasileiro.

A última tentativa de colocar um foguete 100% nacional em órbita foi em agosto de 2003, quando o equipamento (o VLS) pegou fogo e matou 21 civis envolvidos no projeto (veja mais abaixo). Depois disso, houve novos planos de construção, mas nenhum lançamento foi à frente.

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Nas últimas décadas, o Brasil foi ultrapassado por outros países emergentes, como China e Índia, na corrida espacial. Dominar esse tipo de tecnologia, dizem especialistas, ajuda o País a se desenvolver em diversas áreas, como telecomunicações, monitoramento por satélites e aviação.

As empresas foram eleitas em dezembro, por meio de edital do Ministério da Ciência e Tecnologia e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) para construir os dois foguetes. A previsão é de que sejam entregues em 36 meses (entre o fim de 2026 e o início de 2027), e que as atividades possam ser exploradas comercialmente no futuro. Se der certo, claro, o que não é tarefa fácil.

“Até pouco tempo atrás, só os Estados dispunham de fazer veículos lançadores, como Estados Unidos, Índia, Rússia e China. Precisava de um poder de compra do Estado para alavancar um projeto com essa complexidade”, diz Rodrigo Leonardi, diretor da Agência Espacial Brasileira.

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“O que se vê, de 15 anos para agora, é que nesse conceito do New Space, a iniciativa privada começa a ter papel mais preponderante no desenvolvimento dessa tecnologia”, afirma Leonardi.

Para ele, uma das vantagens da iniciativa privada é a celeridade nos processos. No setor público, a compra de cada peça envolve trâmites burocráticos. “Ficamos esse tempo todo com trauma do VLS e ainda tentando fazer um veículo lançador no âmbito da iniciativa pública, que tem suas limitações e não é tão ágil como gostaríamos, por conta de licitações.”

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Segundo os empresários à frente dos projetos, a verba oferecida pelo governo consegue cobrir todo o desenvolvimento dos foguetes, dentro das especificações técnicas e objetivos apresentados no edital. Mas, no caso de o dinheiro não ser o suficiente, caberá às empresas custear os valores restantes da operação.

No caso do grupo de empresas liderado pela Akaer, uma das vencedoras do edital ao lado da Cenic Engenharia, o subsídio não será usado apenas para a manufatura do VLPP, mas também na construção de fábricas de peças e de insumos de propelentes, e investimento nas instituições de ensino superior envolvidas, por meio de bolsas de pesquisa e aprimoramento de laboratórios.

O primeiro conjunto receberá um aporte de R$ 189.999.780 e o segundo, R$ 180.461.174. O projeto, no entanto, não sairá de graça para as empresas. Os grupos coordenados pela Cenic e Akaer terão de colocar, do próprio bolso, cerca de R$ 2 milhões e R$ 5 milhões, respectivamente, como contrapartida.

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Especialistas dizem que é comum que empresas e startups do segmento recebam investimentos públicos e privados para o desenvolvimento das atividades espaciais. Os valores podem chegar, no máximo, a US$ 500 milhões, mas existem empresas que conseguiram fazer um lançamento com US$ 5 milhões.

Além disso, o investimento é de risco: no próprio edital, a agência cita a probabilidade “de insucesso”, uma vez que “o conhecimento técnico-científico” do Brasil para esse tipo de tecnologia é “insuficiente” para assegurar um lançamento bem-sucedido.

“A chamada pública já é voltada para aplicar esse tipo de recurso em projetos de alto risco tecnológico, com chance de insucesso no desenvolvimento da solução”, diz Leonardi.

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Quem vai tocar o projeto?

Os contemplados para serem os “pais” dos foguetes foram as empresas Cenic Engenharia Indústria e Comércio, que entrou na concorrência ao lado de outras quatro empresas coexecutoras; e também o arranjo liderado pela Akaer Engenharia S.A, que tocará o projeto com a ajuda mais três companhias (veja abaixo todas as empresa envolvidas).

Empresas que vão desenvolver os VLPPs:

  • Cenic Engenharia Indústria e Comércio (Proponente); Concert Technologies S.A. Matriz (coexecutora), Schelim Engenharia Eirelle (coexecutora); Plasmahub Ambiental Industria Engenharia Exportação e Importação (coexecutora); Etsys Indústria e Tecnologia em Sistemas (coexecutora).
  • Akaer Engenharia Ltda (Proponente); Acrux Ltda (coexecutora); Breng Engenharia e Tecnologia (coexecutora); Essado de Morais (coexecutora).

Oswaldo Loureda, CEO da Acrux, startup que faz parte do arranjo de empresas lideradas pela Akaer, conta que o lançador proposto por eles, o Montenegro MKI, é de um VLPP de altura de 10 metros, três estágios, 0,5 metro de diâmetro e de 2,5 toneladas de massa.

O edital não especifica tamanhos, mas diz que o VLPP deve ter capacidade de lançar, ao menos, 5 kg de carga útil em órbita baixa — espaço entre 200 km (perigeu) e 1000 km (apogeu) de altitude.

Loureda conta que o Montenegro MKI será tão robusto quanto lançadores internacionais (um Falcon 9, do Musk, mede 70 metros) porque no Brasil ainda não há indústria de base que possa fornecer componentes e subsistemas prontos, como propelentes, válvulas e computadores de guiagem de lançamento.

“Muita coisa estamos desenvolvendo do zero, por isso não conseguimos fazer um foguete tão grande”, diz o empresário. “Esse investimento vai estruturar as empresas para serem fornecedores desses subsistemas e a ideia é que se possa exportar e capacitar nessa direção.”

Para Loureda, o aporte que o grupo do qual faz parte terá em mãos (R$180 milhões, ou US$ 36,5 milhões na cotação atual) “não é enorme no cenário internacional, mas um investimento significativo”. “Futuramente, a ideia é conseguir mais recursos, de investidores privados, fundos de investimento, para fazer um foguete ainda maior e mais competitivo.”

O lançamento tem previsão para ser feito a partir do Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão. Conforme o VLPP for subindo, seus estágios vão se separando. Já em órbita, um dispositivo chamado Baia de CTRL entra em ignição e transporta o MKI-3, peça que carrega a carga útil, até o local no espaço onde o satélite será colocado.

“O Brasil domina há anos a tecnologia suborbital, mas o que nunca conseguimos foi pegar o satélite e colocar em órbita. A partir do momento em que o País fizer isso, se posiciona internacionalmente como nação soberana na área espacial”, diz Loureda.

A Acrux é uma empresa que tem parte de seu funcionamento na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), em São Luís. A capital fica próxima do Centro de Lançamento de Alcântara. A base é considerada um dos melhores pontos para lançar foguetes no planeta por conta da proximidade com a Linha do Equador.

Isso permite que os lançadores tenham uma trajetória mais curta até o espaço, uma vantagem que pode ser revertida em economia de combustível e a possibilidade de transportar mais cargas.

Por motivos de segurança, o setor espacial costuma ser altamente fechado. Um veículo lançador é um aparato dual, ou seja, pode ser usado para fins científicos e para guerras. Um foguete que lança satélites também tem capacidade para lançar mísseis. Por isso, é comum que os países mantenham as próprias tecnologias espaciais resguardadas, sem compartilhar conhecimento com outras nações.

“A Finep percebeu que o desafio é multidisciplinar. Ninguém produz um foguete e lança um satélite sendo bom em um assunto só”, afirma Ralph Correa, sócio-diretor da Cenic, proponente de um dos grupos vencedores do edital. “Existem várias ciências que precisam estar perfeitamente articuladas e bem casadas para que o resultado seja o que se pretende”, completa.

Além de desenvolver a indústria, a expectativa é de que o programa fomente pesquisas nas universidades e aumente o interesse de estudantes pela área. O foguete Montenegro MKI, por exemplo, será 90% desenvolvido no Maranhão, diz o ministério. A expectativa é de que o programa do VLPP estimule a criação de um novo polo tecnológico no Estado, um dos mais pobres do País.

Tragédia impactou programa espacial

Lançar satélites em órbita por meios próprios é um objetivo que o País persegue desde 1979, quando a Missão Espacial Completa Brasileira foi instituída pelo então governo federal.

A missão almeja que o Brasil consiga colocar em órbita satélites construídos no Brasil, a partir de foguetes nacionais e com lançamentos feitos de bases brasileiras, no caso, os centros de lançamentos da Barreira do Inferno, em Natal, Rio Grande do Norte, e de Alcântara, no Maranhão.

Entre as décadas de 1990 e início dos anos 2000, o Brasil tentou sucesso dessa missão com um foguete nacional próprio, o Veículo Lançador de Satélites (VLS). Em duas tentativas nos anos 1990, o foguete não atingiu o funcionamento esperado.

Em agosto de 2003, poucos dias antes da terceira tentativa, um acidente com o VLS matou 21 profissionais que atuavam na operação. Os detalhes deste episódio, conhecido com a “Tragédia de Alcântara”, foi contado pelo Estadão no podcast Alcântara: o desastre espacial brasileiro.

Depois do acidente, o Brasil freou investimentos no projeto, e nunca mais fez nova tentativa de lançar um foguete próprio. O programa do VLS foi encerrado em 2016.

Nos últimos anos, o governo federal tem investido em outro tipo de equipamento, o Veículo Lançador de Microssatélites (VLM), hoje sob responsabilidade do Instituto de Engenharia e Aeronáutica (IAE), da Força Aérea Brasileira (FAB). A previsão oficial de lançamento é em 2027.

Profissionais do Centro Técnico da Aeronáutica (CTA) analisam os escombros da torre de lançamento da Base de Alcântara. Foto: Ed Ferreira/Estadão - 24/8/2003

O VLM é uma parceria com Centro Aeroespacial Alemão (DLR), responsável por desenvolver parte dos sistemas do foguete. Com o Brasil, ficam as tarefas de criar o motor e sistemas de navegação reservas e preparar toda a estrutura de voo, que parte de Alcântara. O lançador terá o mesmo tamanho do extinto VLS (19,4 metros), e capacidade de levar cargas úteis de até 100 quilos.

“Pela primeira no País há pelo menos três veículos lançadores sendo desenvolvidos. Não estou garantindo que todos vão dar certo. Mas, estatisticamente, preciso que apenas um dê certo”, diz Leonardi, da AEB.

A lista de países que conseguem desenvolver satélites e lançá-los de seus próprios territórios é pequena e não chega a 15 nações. “Se tivermos sucesso, o Brasil dá um grito no mundo inteiro e anuncia que temos capacidade, tecnologia e mão de obra para ser um país lançador. Isso nos coloca em outros níveis nas mesas de discussão internacionais”, destaca Loureda, CEO da Acrux.

Micro e nanosatélites

Na Índia, como mostrou Estadão, a Organização Indiana de Pesquisa Espacial já recebeu US$ 279 milhões ao lançar satélites para clientes globais. Foram 424 satélites, de 34 países, incluindo o Amazônia-1, do Brasil, em 2021. O país tem a expectativa de lançar 30 mil satélites nos próximos 10 anos, em todo mundo.

“Em 20 anos, o Brasil lançou seis satélites, alguns de forma autônoma e outros em cooperação, principalmente com a China”, diz o Leonel Perondi, ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). “O Brasil tem uma grande oportunidade de ser um ator da área espacial. Não pode perder o bonde da história como perdeu em outros momentos”, diz.

De acordo com os especialistas, pela capacidade do VLPP, os micro e nanosatélites que poderão ser enviados ao espaço terão uma aplicação voltada para fins experimentais, educacionais e acadêmicos, e podem auxiliar até na formação de engenheiros.

“Isso é o mais trivial, mas podemos lançar satélites de imageamento estratégico também, de baixo custo, e responsivo”, destaca Oswaldo Loureda, da Acrux.

“Se a Força Aérea ou um setor de segurança estiver em uma campanha que demande uma imagem da Amazônia para monitorar uma atividade ilegal, esse foguete servirá para lançar cargas úteis de defesa com responsividade, com rapidez, ou colocar um satélite de imageamento de baixo custo”, diz.

Modelo de negócios

Quem está à frente dos projetos entende que a importância de desenvolver veículos lançadores vai além da carga útil que será colocada no espaço. A expectativa é de que o crescimento do setor espacial provoque um efeito em cadeia que leve ao desenvolvimento de outros mercados, tecnologias e qualifique mão de obra.

Integrantes da Acrux. Da esquerda para direita: Daniel Silveira, Rodrigo Matos de Carvalho, Oswaldo Barbosa Loureda, Luís Jorge Mesquita de Jesus, José de Ribamar Braga, Pinheiro Júnior José Victor Gaioso, Hilton Seheris da Silva e Marco Antonio Lima de Assunção. Foto: Oswaldo Loureda/Arquivo pessoal

“Não é só o veículo, é todo um sistema de negócios”, diz Rodrigo Leonardi, diretor da Agência Espacial Brasileira. “No passado, se explorava o espaço para se fortalecer do ponto de vista geopolítico. Hoje, é possível fazer o espaço com um viés econômico”, completou.

Para concorrer no edital, as empresas tinham de submeter “um estudo de viabilidade econômica” que indicasse “o potencial de competir no mercado de lançamentos de nano/microssatélites”. Ou seja, a proposta é de que programa do VLPP não se encerre com o lançamento do foguete, mas que Brasil possa explorar comercialmente o serviço de lançamento, como já fazem outros países.

“O que vai acontecer depois (que o foguete for lançado)? A gente está começando a pensar em ideias a respeito, mas daqui a três anos, se tudo der certo, isso tem de convergir para a gente estabelecer um modelo que permita, efetivamente, tornar o Brasil um player nesse serviço”, diz Ralph Correa, da Cenic.

“A gente já tem uma base de lançamento, a gente tem uma competência que é crescente, então, se tivermos um lançador, é possível que tem quem queira comprar esse serviço. “É um assunto que a gente vai tratar com muito carinho”, completou.

O Brasil recorre agora a empresas e startups para destravar o plano de construir e colocar em órbita foguetes nacionais que lançam micro e nanosatélites. O governo federal escolheu dois conjuntos de empresas e startups para tocar os projetos, com investimento previsto de R$ 370 milhões.

A previsão é de que os foguetes sejam entregues entre o fim de 2026 e o início de 2027. Antes restrita a órgãos públicos civis e militares, a corrida espacial tem envolvido cada vez mais a iniciativa privada. Esse movimento (“new space”) ainda dá seus primeiros passos no Brasil, e tem Elon Musk e Jeff Bezos entre seus nomes mais famosos.

Conhecidos também por Veículos Lançadores de Pequeno Porte (VLPP), esses foguetes possuem a capacidade de transportar e colocar micro e nanosatélites em órbita baixa.

Modelo do foguete suborbital VS-40, instalado dentro de Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão. Foto: Felipe Rau/Estadão

Trata-se de um tipo de tecnologia que o País nunca conseguiu dominar por completo, mas que já a ambiciona desde os anos 1970 e que é prevista como meta na Política de Desenvolvimento das Atividades Espaciais (Pndae) desde 1994. Se o projeto obtiver o sucesso esperado, será um capítulo inédito na história do programa espacial brasileiro.

A última tentativa de colocar um foguete 100% nacional em órbita foi em agosto de 2003, quando o equipamento (o VLS) pegou fogo e matou 21 civis envolvidos no projeto (veja mais abaixo). Depois disso, houve novos planos de construção, mas nenhum lançamento foi à frente.

Nas últimas décadas, o Brasil foi ultrapassado por outros países emergentes, como China e Índia, na corrida espacial. Dominar esse tipo de tecnologia, dizem especialistas, ajuda o País a se desenvolver em diversas áreas, como telecomunicações, monitoramento por satélites e aviação.

As empresas foram eleitas em dezembro, por meio de edital do Ministério da Ciência e Tecnologia e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) para construir os dois foguetes. A previsão é de que sejam entregues em 36 meses (entre o fim de 2026 e o início de 2027), e que as atividades possam ser exploradas comercialmente no futuro. Se der certo, claro, o que não é tarefa fácil.

“Até pouco tempo atrás, só os Estados dispunham de fazer veículos lançadores, como Estados Unidos, Índia, Rússia e China. Precisava de um poder de compra do Estado para alavancar um projeto com essa complexidade”, diz Rodrigo Leonardi, diretor da Agência Espacial Brasileira.

“O que se vê, de 15 anos para agora, é que nesse conceito do New Space, a iniciativa privada começa a ter papel mais preponderante no desenvolvimento dessa tecnologia”, afirma Leonardi.

Para ele, uma das vantagens da iniciativa privada é a celeridade nos processos. No setor público, a compra de cada peça envolve trâmites burocráticos. “Ficamos esse tempo todo com trauma do VLS e ainda tentando fazer um veículo lançador no âmbito da iniciativa pública, que tem suas limitações e não é tão ágil como gostaríamos, por conta de licitações.”

Segundo os empresários à frente dos projetos, a verba oferecida pelo governo consegue cobrir todo o desenvolvimento dos foguetes, dentro das especificações técnicas e objetivos apresentados no edital. Mas, no caso de o dinheiro não ser o suficiente, caberá às empresas custear os valores restantes da operação.

No caso do grupo de empresas liderado pela Akaer, uma das vencedoras do edital ao lado da Cenic Engenharia, o subsídio não será usado apenas para a manufatura do VLPP, mas também na construção de fábricas de peças e de insumos de propelentes, e investimento nas instituições de ensino superior envolvidas, por meio de bolsas de pesquisa e aprimoramento de laboratórios.

O primeiro conjunto receberá um aporte de R$ 189.999.780 e o segundo, R$ 180.461.174. O projeto, no entanto, não sairá de graça para as empresas. Os grupos coordenados pela Cenic e Akaer terão de colocar, do próprio bolso, cerca de R$ 2 milhões e R$ 5 milhões, respectivamente, como contrapartida.

Especialistas dizem que é comum que empresas e startups do segmento recebam investimentos públicos e privados para o desenvolvimento das atividades espaciais. Os valores podem chegar, no máximo, a US$ 500 milhões, mas existem empresas que conseguiram fazer um lançamento com US$ 5 milhões.

Além disso, o investimento é de risco: no próprio edital, a agência cita a probabilidade “de insucesso”, uma vez que “o conhecimento técnico-científico” do Brasil para esse tipo de tecnologia é “insuficiente” para assegurar um lançamento bem-sucedido.

“A chamada pública já é voltada para aplicar esse tipo de recurso em projetos de alto risco tecnológico, com chance de insucesso no desenvolvimento da solução”, diz Leonardi.

Quem vai tocar o projeto?

Os contemplados para serem os “pais” dos foguetes foram as empresas Cenic Engenharia Indústria e Comércio, que entrou na concorrência ao lado de outras quatro empresas coexecutoras; e também o arranjo liderado pela Akaer Engenharia S.A, que tocará o projeto com a ajuda mais três companhias (veja abaixo todas as empresa envolvidas).

Empresas que vão desenvolver os VLPPs:

  • Cenic Engenharia Indústria e Comércio (Proponente); Concert Technologies S.A. Matriz (coexecutora), Schelim Engenharia Eirelle (coexecutora); Plasmahub Ambiental Industria Engenharia Exportação e Importação (coexecutora); Etsys Indústria e Tecnologia em Sistemas (coexecutora).
  • Akaer Engenharia Ltda (Proponente); Acrux Ltda (coexecutora); Breng Engenharia e Tecnologia (coexecutora); Essado de Morais (coexecutora).

Oswaldo Loureda, CEO da Acrux, startup que faz parte do arranjo de empresas lideradas pela Akaer, conta que o lançador proposto por eles, o Montenegro MKI, é de um VLPP de altura de 10 metros, três estágios, 0,5 metro de diâmetro e de 2,5 toneladas de massa.

O edital não especifica tamanhos, mas diz que o VLPP deve ter capacidade de lançar, ao menos, 5 kg de carga útil em órbita baixa — espaço entre 200 km (perigeu) e 1000 km (apogeu) de altitude.

Loureda conta que o Montenegro MKI será tão robusto quanto lançadores internacionais (um Falcon 9, do Musk, mede 70 metros) porque no Brasil ainda não há indústria de base que possa fornecer componentes e subsistemas prontos, como propelentes, válvulas e computadores de guiagem de lançamento.

“Muita coisa estamos desenvolvendo do zero, por isso não conseguimos fazer um foguete tão grande”, diz o empresário. “Esse investimento vai estruturar as empresas para serem fornecedores desses subsistemas e a ideia é que se possa exportar e capacitar nessa direção.”

Para Loureda, o aporte que o grupo do qual faz parte terá em mãos (R$180 milhões, ou US$ 36,5 milhões na cotação atual) “não é enorme no cenário internacional, mas um investimento significativo”. “Futuramente, a ideia é conseguir mais recursos, de investidores privados, fundos de investimento, para fazer um foguete ainda maior e mais competitivo.”

O lançamento tem previsão para ser feito a partir do Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão. Conforme o VLPP for subindo, seus estágios vão se separando. Já em órbita, um dispositivo chamado Baia de CTRL entra em ignição e transporta o MKI-3, peça que carrega a carga útil, até o local no espaço onde o satélite será colocado.

“O Brasil domina há anos a tecnologia suborbital, mas o que nunca conseguimos foi pegar o satélite e colocar em órbita. A partir do momento em que o País fizer isso, se posiciona internacionalmente como nação soberana na área espacial”, diz Loureda.

A Acrux é uma empresa que tem parte de seu funcionamento na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), em São Luís. A capital fica próxima do Centro de Lançamento de Alcântara. A base é considerada um dos melhores pontos para lançar foguetes no planeta por conta da proximidade com a Linha do Equador.

Isso permite que os lançadores tenham uma trajetória mais curta até o espaço, uma vantagem que pode ser revertida em economia de combustível e a possibilidade de transportar mais cargas.

Por motivos de segurança, o setor espacial costuma ser altamente fechado. Um veículo lançador é um aparato dual, ou seja, pode ser usado para fins científicos e para guerras. Um foguete que lança satélites também tem capacidade para lançar mísseis. Por isso, é comum que os países mantenham as próprias tecnologias espaciais resguardadas, sem compartilhar conhecimento com outras nações.

“A Finep percebeu que o desafio é multidisciplinar. Ninguém produz um foguete e lança um satélite sendo bom em um assunto só”, afirma Ralph Correa, sócio-diretor da Cenic, proponente de um dos grupos vencedores do edital. “Existem várias ciências que precisam estar perfeitamente articuladas e bem casadas para que o resultado seja o que se pretende”, completa.

Além de desenvolver a indústria, a expectativa é de que o programa fomente pesquisas nas universidades e aumente o interesse de estudantes pela área. O foguete Montenegro MKI, por exemplo, será 90% desenvolvido no Maranhão, diz o ministério. A expectativa é de que o programa do VLPP estimule a criação de um novo polo tecnológico no Estado, um dos mais pobres do País.

Tragédia impactou programa espacial

Lançar satélites em órbita por meios próprios é um objetivo que o País persegue desde 1979, quando a Missão Espacial Completa Brasileira foi instituída pelo então governo federal.

A missão almeja que o Brasil consiga colocar em órbita satélites construídos no Brasil, a partir de foguetes nacionais e com lançamentos feitos de bases brasileiras, no caso, os centros de lançamentos da Barreira do Inferno, em Natal, Rio Grande do Norte, e de Alcântara, no Maranhão.

Entre as décadas de 1990 e início dos anos 2000, o Brasil tentou sucesso dessa missão com um foguete nacional próprio, o Veículo Lançador de Satélites (VLS). Em duas tentativas nos anos 1990, o foguete não atingiu o funcionamento esperado.

Em agosto de 2003, poucos dias antes da terceira tentativa, um acidente com o VLS matou 21 profissionais que atuavam na operação. Os detalhes deste episódio, conhecido com a “Tragédia de Alcântara”, foi contado pelo Estadão no podcast Alcântara: o desastre espacial brasileiro.

Depois do acidente, o Brasil freou investimentos no projeto, e nunca mais fez nova tentativa de lançar um foguete próprio. O programa do VLS foi encerrado em 2016.

Nos últimos anos, o governo federal tem investido em outro tipo de equipamento, o Veículo Lançador de Microssatélites (VLM), hoje sob responsabilidade do Instituto de Engenharia e Aeronáutica (IAE), da Força Aérea Brasileira (FAB). A previsão oficial de lançamento é em 2027.

Profissionais do Centro Técnico da Aeronáutica (CTA) analisam os escombros da torre de lançamento da Base de Alcântara. Foto: Ed Ferreira/Estadão - 24/8/2003

O VLM é uma parceria com Centro Aeroespacial Alemão (DLR), responsável por desenvolver parte dos sistemas do foguete. Com o Brasil, ficam as tarefas de criar o motor e sistemas de navegação reservas e preparar toda a estrutura de voo, que parte de Alcântara. O lançador terá o mesmo tamanho do extinto VLS (19,4 metros), e capacidade de levar cargas úteis de até 100 quilos.

“Pela primeira no País há pelo menos três veículos lançadores sendo desenvolvidos. Não estou garantindo que todos vão dar certo. Mas, estatisticamente, preciso que apenas um dê certo”, diz Leonardi, da AEB.

A lista de países que conseguem desenvolver satélites e lançá-los de seus próprios territórios é pequena e não chega a 15 nações. “Se tivermos sucesso, o Brasil dá um grito no mundo inteiro e anuncia que temos capacidade, tecnologia e mão de obra para ser um país lançador. Isso nos coloca em outros níveis nas mesas de discussão internacionais”, destaca Loureda, CEO da Acrux.

Micro e nanosatélites

Na Índia, como mostrou Estadão, a Organização Indiana de Pesquisa Espacial já recebeu US$ 279 milhões ao lançar satélites para clientes globais. Foram 424 satélites, de 34 países, incluindo o Amazônia-1, do Brasil, em 2021. O país tem a expectativa de lançar 30 mil satélites nos próximos 10 anos, em todo mundo.

“Em 20 anos, o Brasil lançou seis satélites, alguns de forma autônoma e outros em cooperação, principalmente com a China”, diz o Leonel Perondi, ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). “O Brasil tem uma grande oportunidade de ser um ator da área espacial. Não pode perder o bonde da história como perdeu em outros momentos”, diz.

De acordo com os especialistas, pela capacidade do VLPP, os micro e nanosatélites que poderão ser enviados ao espaço terão uma aplicação voltada para fins experimentais, educacionais e acadêmicos, e podem auxiliar até na formação de engenheiros.

“Isso é o mais trivial, mas podemos lançar satélites de imageamento estratégico também, de baixo custo, e responsivo”, destaca Oswaldo Loureda, da Acrux.

“Se a Força Aérea ou um setor de segurança estiver em uma campanha que demande uma imagem da Amazônia para monitorar uma atividade ilegal, esse foguete servirá para lançar cargas úteis de defesa com responsividade, com rapidez, ou colocar um satélite de imageamento de baixo custo”, diz.

Modelo de negócios

Quem está à frente dos projetos entende que a importância de desenvolver veículos lançadores vai além da carga útil que será colocada no espaço. A expectativa é de que o crescimento do setor espacial provoque um efeito em cadeia que leve ao desenvolvimento de outros mercados, tecnologias e qualifique mão de obra.

Integrantes da Acrux. Da esquerda para direita: Daniel Silveira, Rodrigo Matos de Carvalho, Oswaldo Barbosa Loureda, Luís Jorge Mesquita de Jesus, José de Ribamar Braga, Pinheiro Júnior José Victor Gaioso, Hilton Seheris da Silva e Marco Antonio Lima de Assunção. Foto: Oswaldo Loureda/Arquivo pessoal

“Não é só o veículo, é todo um sistema de negócios”, diz Rodrigo Leonardi, diretor da Agência Espacial Brasileira. “No passado, se explorava o espaço para se fortalecer do ponto de vista geopolítico. Hoje, é possível fazer o espaço com um viés econômico”, completou.

Para concorrer no edital, as empresas tinham de submeter “um estudo de viabilidade econômica” que indicasse “o potencial de competir no mercado de lançamentos de nano/microssatélites”. Ou seja, a proposta é de que programa do VLPP não se encerre com o lançamento do foguete, mas que Brasil possa explorar comercialmente o serviço de lançamento, como já fazem outros países.

“O que vai acontecer depois (que o foguete for lançado)? A gente está começando a pensar em ideias a respeito, mas daqui a três anos, se tudo der certo, isso tem de convergir para a gente estabelecer um modelo que permita, efetivamente, tornar o Brasil um player nesse serviço”, diz Ralph Correa, da Cenic.

“A gente já tem uma base de lançamento, a gente tem uma competência que é crescente, então, se tivermos um lançador, é possível que tem quem queira comprar esse serviço. “É um assunto que a gente vai tratar com muito carinho”, completou.

O Brasil recorre agora a empresas e startups para destravar o plano de construir e colocar em órbita foguetes nacionais que lançam micro e nanosatélites. O governo federal escolheu dois conjuntos de empresas e startups para tocar os projetos, com investimento previsto de R$ 370 milhões.

A previsão é de que os foguetes sejam entregues entre o fim de 2026 e o início de 2027. Antes restrita a órgãos públicos civis e militares, a corrida espacial tem envolvido cada vez mais a iniciativa privada. Esse movimento (“new space”) ainda dá seus primeiros passos no Brasil, e tem Elon Musk e Jeff Bezos entre seus nomes mais famosos.

Conhecidos também por Veículos Lançadores de Pequeno Porte (VLPP), esses foguetes possuem a capacidade de transportar e colocar micro e nanosatélites em órbita baixa.

Modelo do foguete suborbital VS-40, instalado dentro de Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão. Foto: Felipe Rau/Estadão

Trata-se de um tipo de tecnologia que o País nunca conseguiu dominar por completo, mas que já a ambiciona desde os anos 1970 e que é prevista como meta na Política de Desenvolvimento das Atividades Espaciais (Pndae) desde 1994. Se o projeto obtiver o sucesso esperado, será um capítulo inédito na história do programa espacial brasileiro.

A última tentativa de colocar um foguete 100% nacional em órbita foi em agosto de 2003, quando o equipamento (o VLS) pegou fogo e matou 21 civis envolvidos no projeto (veja mais abaixo). Depois disso, houve novos planos de construção, mas nenhum lançamento foi à frente.

Nas últimas décadas, o Brasil foi ultrapassado por outros países emergentes, como China e Índia, na corrida espacial. Dominar esse tipo de tecnologia, dizem especialistas, ajuda o País a se desenvolver em diversas áreas, como telecomunicações, monitoramento por satélites e aviação.

As empresas foram eleitas em dezembro, por meio de edital do Ministério da Ciência e Tecnologia e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) para construir os dois foguetes. A previsão é de que sejam entregues em 36 meses (entre o fim de 2026 e o início de 2027), e que as atividades possam ser exploradas comercialmente no futuro. Se der certo, claro, o que não é tarefa fácil.

“Até pouco tempo atrás, só os Estados dispunham de fazer veículos lançadores, como Estados Unidos, Índia, Rússia e China. Precisava de um poder de compra do Estado para alavancar um projeto com essa complexidade”, diz Rodrigo Leonardi, diretor da Agência Espacial Brasileira.

“O que se vê, de 15 anos para agora, é que nesse conceito do New Space, a iniciativa privada começa a ter papel mais preponderante no desenvolvimento dessa tecnologia”, afirma Leonardi.

Para ele, uma das vantagens da iniciativa privada é a celeridade nos processos. No setor público, a compra de cada peça envolve trâmites burocráticos. “Ficamos esse tempo todo com trauma do VLS e ainda tentando fazer um veículo lançador no âmbito da iniciativa pública, que tem suas limitações e não é tão ágil como gostaríamos, por conta de licitações.”

Segundo os empresários à frente dos projetos, a verba oferecida pelo governo consegue cobrir todo o desenvolvimento dos foguetes, dentro das especificações técnicas e objetivos apresentados no edital. Mas, no caso de o dinheiro não ser o suficiente, caberá às empresas custear os valores restantes da operação.

No caso do grupo de empresas liderado pela Akaer, uma das vencedoras do edital ao lado da Cenic Engenharia, o subsídio não será usado apenas para a manufatura do VLPP, mas também na construção de fábricas de peças e de insumos de propelentes, e investimento nas instituições de ensino superior envolvidas, por meio de bolsas de pesquisa e aprimoramento de laboratórios.

O primeiro conjunto receberá um aporte de R$ 189.999.780 e o segundo, R$ 180.461.174. O projeto, no entanto, não sairá de graça para as empresas. Os grupos coordenados pela Cenic e Akaer terão de colocar, do próprio bolso, cerca de R$ 2 milhões e R$ 5 milhões, respectivamente, como contrapartida.

Especialistas dizem que é comum que empresas e startups do segmento recebam investimentos públicos e privados para o desenvolvimento das atividades espaciais. Os valores podem chegar, no máximo, a US$ 500 milhões, mas existem empresas que conseguiram fazer um lançamento com US$ 5 milhões.

Além disso, o investimento é de risco: no próprio edital, a agência cita a probabilidade “de insucesso”, uma vez que “o conhecimento técnico-científico” do Brasil para esse tipo de tecnologia é “insuficiente” para assegurar um lançamento bem-sucedido.

“A chamada pública já é voltada para aplicar esse tipo de recurso em projetos de alto risco tecnológico, com chance de insucesso no desenvolvimento da solução”, diz Leonardi.

Quem vai tocar o projeto?

Os contemplados para serem os “pais” dos foguetes foram as empresas Cenic Engenharia Indústria e Comércio, que entrou na concorrência ao lado de outras quatro empresas coexecutoras; e também o arranjo liderado pela Akaer Engenharia S.A, que tocará o projeto com a ajuda mais três companhias (veja abaixo todas as empresa envolvidas).

Empresas que vão desenvolver os VLPPs:

  • Cenic Engenharia Indústria e Comércio (Proponente); Concert Technologies S.A. Matriz (coexecutora), Schelim Engenharia Eirelle (coexecutora); Plasmahub Ambiental Industria Engenharia Exportação e Importação (coexecutora); Etsys Indústria e Tecnologia em Sistemas (coexecutora).
  • Akaer Engenharia Ltda (Proponente); Acrux Ltda (coexecutora); Breng Engenharia e Tecnologia (coexecutora); Essado de Morais (coexecutora).

Oswaldo Loureda, CEO da Acrux, startup que faz parte do arranjo de empresas lideradas pela Akaer, conta que o lançador proposto por eles, o Montenegro MKI, é de um VLPP de altura de 10 metros, três estágios, 0,5 metro de diâmetro e de 2,5 toneladas de massa.

O edital não especifica tamanhos, mas diz que o VLPP deve ter capacidade de lançar, ao menos, 5 kg de carga útil em órbita baixa — espaço entre 200 km (perigeu) e 1000 km (apogeu) de altitude.

Loureda conta que o Montenegro MKI será tão robusto quanto lançadores internacionais (um Falcon 9, do Musk, mede 70 metros) porque no Brasil ainda não há indústria de base que possa fornecer componentes e subsistemas prontos, como propelentes, válvulas e computadores de guiagem de lançamento.

“Muita coisa estamos desenvolvendo do zero, por isso não conseguimos fazer um foguete tão grande”, diz o empresário. “Esse investimento vai estruturar as empresas para serem fornecedores desses subsistemas e a ideia é que se possa exportar e capacitar nessa direção.”

Para Loureda, o aporte que o grupo do qual faz parte terá em mãos (R$180 milhões, ou US$ 36,5 milhões na cotação atual) “não é enorme no cenário internacional, mas um investimento significativo”. “Futuramente, a ideia é conseguir mais recursos, de investidores privados, fundos de investimento, para fazer um foguete ainda maior e mais competitivo.”

O lançamento tem previsão para ser feito a partir do Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão. Conforme o VLPP for subindo, seus estágios vão se separando. Já em órbita, um dispositivo chamado Baia de CTRL entra em ignição e transporta o MKI-3, peça que carrega a carga útil, até o local no espaço onde o satélite será colocado.

“O Brasil domina há anos a tecnologia suborbital, mas o que nunca conseguimos foi pegar o satélite e colocar em órbita. A partir do momento em que o País fizer isso, se posiciona internacionalmente como nação soberana na área espacial”, diz Loureda.

A Acrux é uma empresa que tem parte de seu funcionamento na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), em São Luís. A capital fica próxima do Centro de Lançamento de Alcântara. A base é considerada um dos melhores pontos para lançar foguetes no planeta por conta da proximidade com a Linha do Equador.

Isso permite que os lançadores tenham uma trajetória mais curta até o espaço, uma vantagem que pode ser revertida em economia de combustível e a possibilidade de transportar mais cargas.

Por motivos de segurança, o setor espacial costuma ser altamente fechado. Um veículo lançador é um aparato dual, ou seja, pode ser usado para fins científicos e para guerras. Um foguete que lança satélites também tem capacidade para lançar mísseis. Por isso, é comum que os países mantenham as próprias tecnologias espaciais resguardadas, sem compartilhar conhecimento com outras nações.

“A Finep percebeu que o desafio é multidisciplinar. Ninguém produz um foguete e lança um satélite sendo bom em um assunto só”, afirma Ralph Correa, sócio-diretor da Cenic, proponente de um dos grupos vencedores do edital. “Existem várias ciências que precisam estar perfeitamente articuladas e bem casadas para que o resultado seja o que se pretende”, completa.

Além de desenvolver a indústria, a expectativa é de que o programa fomente pesquisas nas universidades e aumente o interesse de estudantes pela área. O foguete Montenegro MKI, por exemplo, será 90% desenvolvido no Maranhão, diz o ministério. A expectativa é de que o programa do VLPP estimule a criação de um novo polo tecnológico no Estado, um dos mais pobres do País.

Tragédia impactou programa espacial

Lançar satélites em órbita por meios próprios é um objetivo que o País persegue desde 1979, quando a Missão Espacial Completa Brasileira foi instituída pelo então governo federal.

A missão almeja que o Brasil consiga colocar em órbita satélites construídos no Brasil, a partir de foguetes nacionais e com lançamentos feitos de bases brasileiras, no caso, os centros de lançamentos da Barreira do Inferno, em Natal, Rio Grande do Norte, e de Alcântara, no Maranhão.

Entre as décadas de 1990 e início dos anos 2000, o Brasil tentou sucesso dessa missão com um foguete nacional próprio, o Veículo Lançador de Satélites (VLS). Em duas tentativas nos anos 1990, o foguete não atingiu o funcionamento esperado.

Em agosto de 2003, poucos dias antes da terceira tentativa, um acidente com o VLS matou 21 profissionais que atuavam na operação. Os detalhes deste episódio, conhecido com a “Tragédia de Alcântara”, foi contado pelo Estadão no podcast Alcântara: o desastre espacial brasileiro.

Depois do acidente, o Brasil freou investimentos no projeto, e nunca mais fez nova tentativa de lançar um foguete próprio. O programa do VLS foi encerrado em 2016.

Nos últimos anos, o governo federal tem investido em outro tipo de equipamento, o Veículo Lançador de Microssatélites (VLM), hoje sob responsabilidade do Instituto de Engenharia e Aeronáutica (IAE), da Força Aérea Brasileira (FAB). A previsão oficial de lançamento é em 2027.

Profissionais do Centro Técnico da Aeronáutica (CTA) analisam os escombros da torre de lançamento da Base de Alcântara. Foto: Ed Ferreira/Estadão - 24/8/2003

O VLM é uma parceria com Centro Aeroespacial Alemão (DLR), responsável por desenvolver parte dos sistemas do foguete. Com o Brasil, ficam as tarefas de criar o motor e sistemas de navegação reservas e preparar toda a estrutura de voo, que parte de Alcântara. O lançador terá o mesmo tamanho do extinto VLS (19,4 metros), e capacidade de levar cargas úteis de até 100 quilos.

“Pela primeira no País há pelo menos três veículos lançadores sendo desenvolvidos. Não estou garantindo que todos vão dar certo. Mas, estatisticamente, preciso que apenas um dê certo”, diz Leonardi, da AEB.

A lista de países que conseguem desenvolver satélites e lançá-los de seus próprios territórios é pequena e não chega a 15 nações. “Se tivermos sucesso, o Brasil dá um grito no mundo inteiro e anuncia que temos capacidade, tecnologia e mão de obra para ser um país lançador. Isso nos coloca em outros níveis nas mesas de discussão internacionais”, destaca Loureda, CEO da Acrux.

Micro e nanosatélites

Na Índia, como mostrou Estadão, a Organização Indiana de Pesquisa Espacial já recebeu US$ 279 milhões ao lançar satélites para clientes globais. Foram 424 satélites, de 34 países, incluindo o Amazônia-1, do Brasil, em 2021. O país tem a expectativa de lançar 30 mil satélites nos próximos 10 anos, em todo mundo.

“Em 20 anos, o Brasil lançou seis satélites, alguns de forma autônoma e outros em cooperação, principalmente com a China”, diz o Leonel Perondi, ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). “O Brasil tem uma grande oportunidade de ser um ator da área espacial. Não pode perder o bonde da história como perdeu em outros momentos”, diz.

De acordo com os especialistas, pela capacidade do VLPP, os micro e nanosatélites que poderão ser enviados ao espaço terão uma aplicação voltada para fins experimentais, educacionais e acadêmicos, e podem auxiliar até na formação de engenheiros.

“Isso é o mais trivial, mas podemos lançar satélites de imageamento estratégico também, de baixo custo, e responsivo”, destaca Oswaldo Loureda, da Acrux.

“Se a Força Aérea ou um setor de segurança estiver em uma campanha que demande uma imagem da Amazônia para monitorar uma atividade ilegal, esse foguete servirá para lançar cargas úteis de defesa com responsividade, com rapidez, ou colocar um satélite de imageamento de baixo custo”, diz.

Modelo de negócios

Quem está à frente dos projetos entende que a importância de desenvolver veículos lançadores vai além da carga útil que será colocada no espaço. A expectativa é de que o crescimento do setor espacial provoque um efeito em cadeia que leve ao desenvolvimento de outros mercados, tecnologias e qualifique mão de obra.

Integrantes da Acrux. Da esquerda para direita: Daniel Silveira, Rodrigo Matos de Carvalho, Oswaldo Barbosa Loureda, Luís Jorge Mesquita de Jesus, José de Ribamar Braga, Pinheiro Júnior José Victor Gaioso, Hilton Seheris da Silva e Marco Antonio Lima de Assunção. Foto: Oswaldo Loureda/Arquivo pessoal

“Não é só o veículo, é todo um sistema de negócios”, diz Rodrigo Leonardi, diretor da Agência Espacial Brasileira. “No passado, se explorava o espaço para se fortalecer do ponto de vista geopolítico. Hoje, é possível fazer o espaço com um viés econômico”, completou.

Para concorrer no edital, as empresas tinham de submeter “um estudo de viabilidade econômica” que indicasse “o potencial de competir no mercado de lançamentos de nano/microssatélites”. Ou seja, a proposta é de que programa do VLPP não se encerre com o lançamento do foguete, mas que Brasil possa explorar comercialmente o serviço de lançamento, como já fazem outros países.

“O que vai acontecer depois (que o foguete for lançado)? A gente está começando a pensar em ideias a respeito, mas daqui a três anos, se tudo der certo, isso tem de convergir para a gente estabelecer um modelo que permita, efetivamente, tornar o Brasil um player nesse serviço”, diz Ralph Correa, da Cenic.

“A gente já tem uma base de lançamento, a gente tem uma competência que é crescente, então, se tivermos um lançador, é possível que tem quem queira comprar esse serviço. “É um assunto que a gente vai tratar com muito carinho”, completou.

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