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Cientistas desvendam origem do fungo assassino de anfíbios


Fungo conhecido como quitrídio já causou a extinção de mais de 200 espécies de sapos, rãs, pererecas e salamandras ao redor do mundo. Estudo genético mostra que ele surgiu na Ásia e se dispersou pelo mundo com o comércio internacional de anfíbios; principalmente da rã-touro, para alimentação humana

Por Herton Escobar
Sapo coreano vendido como pet na Europa: uma das possíveis rotas de disseminação do fungo. Foto: Frank Pasmans

Cientistas usaram informações genéticas para rastrear a origem de um fungo que vem matando anfíbios ao redor do mundo desde os anos 1970. Os resultados sugerem que o Batrachochytrium dendrobatidis (Bd), mais conhecido como quitrídio, surgiu na península coreana, no início do século 20 e se disseminou pelo planeta com a ajuda do comércio internacional de rãs-touro, cultivadas para alimentação humana, e também de pequenos anfíbios coloridos, vendidos como pets em lojas de animais exóticos.

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As conclusões são importantes, segundo os cientistas, para orientar a formulação de medidas de contenção e monitoramento do fungo, que já exterminou mais de 200 espécies de rãs, sapos, pererecas e salamandras ao redor do mundo -- inclusive no Brasil. Ele causa uma doença de pele chamada quitridiomicose, que compromete a saúde do animal e pode levá-lo à morte, por parada cardíaca.

A maioria das extinções ocorreu nas décadas de 1970 e 1980, com o surgimento de uma cepa especialmente agressiva, chamada bdGPL (Linhagem Panzoótica Global, em inglês).

"Não há como tirar o fungo da natureza, mas dá para pensar em estratégias mais eficazes de monitoramento", diz o pesquisador Felipe Toledo, do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), um dos autores do trabalho, que será capa da edição de amanhã da revista Science. 

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No Brasil, segundo Toledo, o quitrídio já causou a extinção de 15 espécies e reduziu a população de outras 24 -- todas elas no bioma Mata Atlântica, que é a floresta com maior biodiversidade de anfíbios no planeta. O fungo também ocorre na Amazônia, no Cerrado e nos outros biomas brasileiros, mas com menor importância, porque gosta de temperaturas mais amenas. "A Mata Atlântica têm o clima ideal para ele, e uma grande fartura de anfíbios", explica Toledo.

Assim como no resto do mundo, as extinções na Mata Atlântica ocorreram principalmente nas décadas de 1970 e 1980, e desde então os anfíbios remanescentes parecem ter desenvolvido uma resistência ao fungo. Mas nada impede que novas cepas mortíferas, como a BdGPL, venham a surgir pela hibridização das diferentes linhagens que continuam a circular pelo mundo. 

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A perereca-verde-de-olhos-vermelhos (Aplastodiscus caviculus) é uma das espécies afetadas pelo fungo na Mata Atlântica. Foto: Felipe Toledo

"Não estamos fora de perigo, de modo algum", alerta o pesquisador Gui Becker, da Universidade do Alabama, que estuda o quitrídio há quase dez anos. Além do surgimento de novas cepas por hibridização, há o risco de desequilíbrios ambientais, causados pelas mudanças climáticas ou outras interferências humanas (como desmatamento, poluição, etc), que podem fragilizar essa resistência e tornar os anfíbios vulneráveis novamente às linhagens já existentes do fungo.

É possível, inclusive, que mais populações estejam sendo extintas pelo fungo nesse momento, sem que isso seja percebido pelos cientistas. "Às vezes é difícil detectar o declínio de um espécie. Pode levar décadas para um bicho desaparecer por completo", observa Toledo -- lembrando que os anfíbios não são animais fáceis de se observar na natureza. "Por isso precisamos de monitoramento constante, em diversas áreas."

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"É provável que alguns declínios ainda estejam ocorrendo", concorda Becker. "O efeito do fungo não é necessariamente imediato."

Holoaden bradei, uma rã endêmica da região de Itatiaia, é uma das espécies que provavelmente foi extinta pelo fungo quitrídio, na década de 1970. Foto: Gui Becker
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Investigação

A infecção causada pelo quitrídio não é aparente, e a quitridiomicose só foi identificada como uma causa de morte em anfíbios cerca de 20 anos atrás. Desde então, os cientistas vêm tentando descobrir como o fungo funciona e de onde ele veio.

Vários locais já foram cogitados como epicentro genético da epidemia; entre eles, o Brasil, pelo fato de os anfíbios daqui conviverem em aparente harmonia com o fungo. Um estudo publicado no ano passado por Toledo, Becker e a aluna de mestrado Tamilie Carvalho, na revista Proceedings of the Royal Society B, porém, mostrou que o quitrídio esteve associado, sim, a uma série de extinções e reduções populacionais de anfíbios na Mata Atlântica nas décadas de 1970 e 1980, apesar da cepa BdGPL já estar presente no país há mais de um século -- o que sugere que essa linhagem não surgiu por aqui, pois os bichos locais não estavam adaptados a ela. 

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Esse novo trabalho na Science, assinado por um grupo internacional de pesquisadores, parece resolver a questão. Os cientistas sequenciaram e compararam as informações genéticas de mais de 230 amostras do fungo Bd, coletadas da pele de anfíbios de todos os continentes (com exceção da Antártida), e concluíram que o quitrídio se originou na Ásia e se dispersou pelo mundo a partir do início do século 20, em diversas linhagens (todas causam a quitridiomicose, mas só a BdGPL é letal).

Cerca de 700 espécies de anfíbios já foram infectadas pelo quitrídio, de um total de 1.300 testadas até agora. E a expectativa é que esse número cresça, visto que a disseminação do fungo continua.

Rã-touro. Foto: Felipe Toledo

Um dos principais fatores de dispersão do quitrídio parece ser o comércio global de carne de rã-touro, uma espécie que é imune ao fungo, mas pode carregar grandes quantidades dele na pele. O histórico das epidemias e das extinções casa quase que perfeitamente com o da expansão de ranários pelos diferentes continentes.

Com base nos resultados do estudo, um caminho para reduzir o risco de novas extinções seria coibir o comércio de anfíbios -- principalmente de espécies oriundas da Ásia, que abriga a maior variabilidade genética do fungo -- e endurecer o controle sanitário da produção e comercialização de carne de rã, dizem os pesquisadores.

Mapa ilustra a correlação entre o comércio de anfíbios (círculos) e as rotas históricas de disseminação (setas) das diferentes cepas (cores) do fungo quitrídio. Crédito: Simon O'Hanlon  Foto: Estadão
Sapo coreano vendido como pet na Europa: uma das possíveis rotas de disseminação do fungo. Foto: Frank Pasmans

Cientistas usaram informações genéticas para rastrear a origem de um fungo que vem matando anfíbios ao redor do mundo desde os anos 1970. Os resultados sugerem que o Batrachochytrium dendrobatidis (Bd), mais conhecido como quitrídio, surgiu na península coreana, no início do século 20 e se disseminou pelo planeta com a ajuda do comércio internacional de rãs-touro, cultivadas para alimentação humana, e também de pequenos anfíbios coloridos, vendidos como pets em lojas de animais exóticos.

As conclusões são importantes, segundo os cientistas, para orientar a formulação de medidas de contenção e monitoramento do fungo, que já exterminou mais de 200 espécies de rãs, sapos, pererecas e salamandras ao redor do mundo -- inclusive no Brasil. Ele causa uma doença de pele chamada quitridiomicose, que compromete a saúde do animal e pode levá-lo à morte, por parada cardíaca.

A maioria das extinções ocorreu nas décadas de 1970 e 1980, com o surgimento de uma cepa especialmente agressiva, chamada bdGPL (Linhagem Panzoótica Global, em inglês).

"Não há como tirar o fungo da natureza, mas dá para pensar em estratégias mais eficazes de monitoramento", diz o pesquisador Felipe Toledo, do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), um dos autores do trabalho, que será capa da edição de amanhã da revista Science. 

No Brasil, segundo Toledo, o quitrídio já causou a extinção de 15 espécies e reduziu a população de outras 24 -- todas elas no bioma Mata Atlântica, que é a floresta com maior biodiversidade de anfíbios no planeta. O fungo também ocorre na Amazônia, no Cerrado e nos outros biomas brasileiros, mas com menor importância, porque gosta de temperaturas mais amenas. "A Mata Atlântica têm o clima ideal para ele, e uma grande fartura de anfíbios", explica Toledo.

Assim como no resto do mundo, as extinções na Mata Atlântica ocorreram principalmente nas décadas de 1970 e 1980, e desde então os anfíbios remanescentes parecem ter desenvolvido uma resistência ao fungo. Mas nada impede que novas cepas mortíferas, como a BdGPL, venham a surgir pela hibridização das diferentes linhagens que continuam a circular pelo mundo. 

A perereca-verde-de-olhos-vermelhos (Aplastodiscus caviculus) é uma das espécies afetadas pelo fungo na Mata Atlântica. Foto: Felipe Toledo

"Não estamos fora de perigo, de modo algum", alerta o pesquisador Gui Becker, da Universidade do Alabama, que estuda o quitrídio há quase dez anos. Além do surgimento de novas cepas por hibridização, há o risco de desequilíbrios ambientais, causados pelas mudanças climáticas ou outras interferências humanas (como desmatamento, poluição, etc), que podem fragilizar essa resistência e tornar os anfíbios vulneráveis novamente às linhagens já existentes do fungo.

É possível, inclusive, que mais populações estejam sendo extintas pelo fungo nesse momento, sem que isso seja percebido pelos cientistas. "Às vezes é difícil detectar o declínio de um espécie. Pode levar décadas para um bicho desaparecer por completo", observa Toledo -- lembrando que os anfíbios não são animais fáceis de se observar na natureza. "Por isso precisamos de monitoramento constante, em diversas áreas."

"É provável que alguns declínios ainda estejam ocorrendo", concorda Becker. "O efeito do fungo não é necessariamente imediato."

Holoaden bradei, uma rã endêmica da região de Itatiaia, é uma das espécies que provavelmente foi extinta pelo fungo quitrídio, na década de 1970. Foto: Gui Becker

Investigação

A infecção causada pelo quitrídio não é aparente, e a quitridiomicose só foi identificada como uma causa de morte em anfíbios cerca de 20 anos atrás. Desde então, os cientistas vêm tentando descobrir como o fungo funciona e de onde ele veio.

Vários locais já foram cogitados como epicentro genético da epidemia; entre eles, o Brasil, pelo fato de os anfíbios daqui conviverem em aparente harmonia com o fungo. Um estudo publicado no ano passado por Toledo, Becker e a aluna de mestrado Tamilie Carvalho, na revista Proceedings of the Royal Society B, porém, mostrou que o quitrídio esteve associado, sim, a uma série de extinções e reduções populacionais de anfíbios na Mata Atlântica nas décadas de 1970 e 1980, apesar da cepa BdGPL já estar presente no país há mais de um século -- o que sugere que essa linhagem não surgiu por aqui, pois os bichos locais não estavam adaptados a ela. 

Esse novo trabalho na Science, assinado por um grupo internacional de pesquisadores, parece resolver a questão. Os cientistas sequenciaram e compararam as informações genéticas de mais de 230 amostras do fungo Bd, coletadas da pele de anfíbios de todos os continentes (com exceção da Antártida), e concluíram que o quitrídio se originou na Ásia e se dispersou pelo mundo a partir do início do século 20, em diversas linhagens (todas causam a quitridiomicose, mas só a BdGPL é letal).

Cerca de 700 espécies de anfíbios já foram infectadas pelo quitrídio, de um total de 1.300 testadas até agora. E a expectativa é que esse número cresça, visto que a disseminação do fungo continua.

Rã-touro. Foto: Felipe Toledo

Um dos principais fatores de dispersão do quitrídio parece ser o comércio global de carne de rã-touro, uma espécie que é imune ao fungo, mas pode carregar grandes quantidades dele na pele. O histórico das epidemias e das extinções casa quase que perfeitamente com o da expansão de ranários pelos diferentes continentes.

Com base nos resultados do estudo, um caminho para reduzir o risco de novas extinções seria coibir o comércio de anfíbios -- principalmente de espécies oriundas da Ásia, que abriga a maior variabilidade genética do fungo -- e endurecer o controle sanitário da produção e comercialização de carne de rã, dizem os pesquisadores.

Mapa ilustra a correlação entre o comércio de anfíbios (círculos) e as rotas históricas de disseminação (setas) das diferentes cepas (cores) do fungo quitrídio. Crédito: Simon O'Hanlon  Foto: Estadão
Sapo coreano vendido como pet na Europa: uma das possíveis rotas de disseminação do fungo. Foto: Frank Pasmans

Cientistas usaram informações genéticas para rastrear a origem de um fungo que vem matando anfíbios ao redor do mundo desde os anos 1970. Os resultados sugerem que o Batrachochytrium dendrobatidis (Bd), mais conhecido como quitrídio, surgiu na península coreana, no início do século 20 e se disseminou pelo planeta com a ajuda do comércio internacional de rãs-touro, cultivadas para alimentação humana, e também de pequenos anfíbios coloridos, vendidos como pets em lojas de animais exóticos.

As conclusões são importantes, segundo os cientistas, para orientar a formulação de medidas de contenção e monitoramento do fungo, que já exterminou mais de 200 espécies de rãs, sapos, pererecas e salamandras ao redor do mundo -- inclusive no Brasil. Ele causa uma doença de pele chamada quitridiomicose, que compromete a saúde do animal e pode levá-lo à morte, por parada cardíaca.

A maioria das extinções ocorreu nas décadas de 1970 e 1980, com o surgimento de uma cepa especialmente agressiva, chamada bdGPL (Linhagem Panzoótica Global, em inglês).

"Não há como tirar o fungo da natureza, mas dá para pensar em estratégias mais eficazes de monitoramento", diz o pesquisador Felipe Toledo, do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), um dos autores do trabalho, que será capa da edição de amanhã da revista Science. 

No Brasil, segundo Toledo, o quitrídio já causou a extinção de 15 espécies e reduziu a população de outras 24 -- todas elas no bioma Mata Atlântica, que é a floresta com maior biodiversidade de anfíbios no planeta. O fungo também ocorre na Amazônia, no Cerrado e nos outros biomas brasileiros, mas com menor importância, porque gosta de temperaturas mais amenas. "A Mata Atlântica têm o clima ideal para ele, e uma grande fartura de anfíbios", explica Toledo.

Assim como no resto do mundo, as extinções na Mata Atlântica ocorreram principalmente nas décadas de 1970 e 1980, e desde então os anfíbios remanescentes parecem ter desenvolvido uma resistência ao fungo. Mas nada impede que novas cepas mortíferas, como a BdGPL, venham a surgir pela hibridização das diferentes linhagens que continuam a circular pelo mundo. 

A perereca-verde-de-olhos-vermelhos (Aplastodiscus caviculus) é uma das espécies afetadas pelo fungo na Mata Atlântica. Foto: Felipe Toledo

"Não estamos fora de perigo, de modo algum", alerta o pesquisador Gui Becker, da Universidade do Alabama, que estuda o quitrídio há quase dez anos. Além do surgimento de novas cepas por hibridização, há o risco de desequilíbrios ambientais, causados pelas mudanças climáticas ou outras interferências humanas (como desmatamento, poluição, etc), que podem fragilizar essa resistência e tornar os anfíbios vulneráveis novamente às linhagens já existentes do fungo.

É possível, inclusive, que mais populações estejam sendo extintas pelo fungo nesse momento, sem que isso seja percebido pelos cientistas. "Às vezes é difícil detectar o declínio de um espécie. Pode levar décadas para um bicho desaparecer por completo", observa Toledo -- lembrando que os anfíbios não são animais fáceis de se observar na natureza. "Por isso precisamos de monitoramento constante, em diversas áreas."

"É provável que alguns declínios ainda estejam ocorrendo", concorda Becker. "O efeito do fungo não é necessariamente imediato."

Holoaden bradei, uma rã endêmica da região de Itatiaia, é uma das espécies que provavelmente foi extinta pelo fungo quitrídio, na década de 1970. Foto: Gui Becker

Investigação

A infecção causada pelo quitrídio não é aparente, e a quitridiomicose só foi identificada como uma causa de morte em anfíbios cerca de 20 anos atrás. Desde então, os cientistas vêm tentando descobrir como o fungo funciona e de onde ele veio.

Vários locais já foram cogitados como epicentro genético da epidemia; entre eles, o Brasil, pelo fato de os anfíbios daqui conviverem em aparente harmonia com o fungo. Um estudo publicado no ano passado por Toledo, Becker e a aluna de mestrado Tamilie Carvalho, na revista Proceedings of the Royal Society B, porém, mostrou que o quitrídio esteve associado, sim, a uma série de extinções e reduções populacionais de anfíbios na Mata Atlântica nas décadas de 1970 e 1980, apesar da cepa BdGPL já estar presente no país há mais de um século -- o que sugere que essa linhagem não surgiu por aqui, pois os bichos locais não estavam adaptados a ela. 

Esse novo trabalho na Science, assinado por um grupo internacional de pesquisadores, parece resolver a questão. Os cientistas sequenciaram e compararam as informações genéticas de mais de 230 amostras do fungo Bd, coletadas da pele de anfíbios de todos os continentes (com exceção da Antártida), e concluíram que o quitrídio se originou na Ásia e se dispersou pelo mundo a partir do início do século 20, em diversas linhagens (todas causam a quitridiomicose, mas só a BdGPL é letal).

Cerca de 700 espécies de anfíbios já foram infectadas pelo quitrídio, de um total de 1.300 testadas até agora. E a expectativa é que esse número cresça, visto que a disseminação do fungo continua.

Rã-touro. Foto: Felipe Toledo

Um dos principais fatores de dispersão do quitrídio parece ser o comércio global de carne de rã-touro, uma espécie que é imune ao fungo, mas pode carregar grandes quantidades dele na pele. O histórico das epidemias e das extinções casa quase que perfeitamente com o da expansão de ranários pelos diferentes continentes.

Com base nos resultados do estudo, um caminho para reduzir o risco de novas extinções seria coibir o comércio de anfíbios -- principalmente de espécies oriundas da Ásia, que abriga a maior variabilidade genética do fungo -- e endurecer o controle sanitário da produção e comercialização de carne de rã, dizem os pesquisadores.

Mapa ilustra a correlação entre o comércio de anfíbios (círculos) e as rotas históricas de disseminação (setas) das diferentes cepas (cores) do fungo quitrídio. Crédito: Simon O'Hanlon  Foto: Estadão
Sapo coreano vendido como pet na Europa: uma das possíveis rotas de disseminação do fungo. Foto: Frank Pasmans

Cientistas usaram informações genéticas para rastrear a origem de um fungo que vem matando anfíbios ao redor do mundo desde os anos 1970. Os resultados sugerem que o Batrachochytrium dendrobatidis (Bd), mais conhecido como quitrídio, surgiu na península coreana, no início do século 20 e se disseminou pelo planeta com a ajuda do comércio internacional de rãs-touro, cultivadas para alimentação humana, e também de pequenos anfíbios coloridos, vendidos como pets em lojas de animais exóticos.

As conclusões são importantes, segundo os cientistas, para orientar a formulação de medidas de contenção e monitoramento do fungo, que já exterminou mais de 200 espécies de rãs, sapos, pererecas e salamandras ao redor do mundo -- inclusive no Brasil. Ele causa uma doença de pele chamada quitridiomicose, que compromete a saúde do animal e pode levá-lo à morte, por parada cardíaca.

A maioria das extinções ocorreu nas décadas de 1970 e 1980, com o surgimento de uma cepa especialmente agressiva, chamada bdGPL (Linhagem Panzoótica Global, em inglês).

"Não há como tirar o fungo da natureza, mas dá para pensar em estratégias mais eficazes de monitoramento", diz o pesquisador Felipe Toledo, do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), um dos autores do trabalho, que será capa da edição de amanhã da revista Science. 

No Brasil, segundo Toledo, o quitrídio já causou a extinção de 15 espécies e reduziu a população de outras 24 -- todas elas no bioma Mata Atlântica, que é a floresta com maior biodiversidade de anfíbios no planeta. O fungo também ocorre na Amazônia, no Cerrado e nos outros biomas brasileiros, mas com menor importância, porque gosta de temperaturas mais amenas. "A Mata Atlântica têm o clima ideal para ele, e uma grande fartura de anfíbios", explica Toledo.

Assim como no resto do mundo, as extinções na Mata Atlântica ocorreram principalmente nas décadas de 1970 e 1980, e desde então os anfíbios remanescentes parecem ter desenvolvido uma resistência ao fungo. Mas nada impede que novas cepas mortíferas, como a BdGPL, venham a surgir pela hibridização das diferentes linhagens que continuam a circular pelo mundo. 

A perereca-verde-de-olhos-vermelhos (Aplastodiscus caviculus) é uma das espécies afetadas pelo fungo na Mata Atlântica. Foto: Felipe Toledo

"Não estamos fora de perigo, de modo algum", alerta o pesquisador Gui Becker, da Universidade do Alabama, que estuda o quitrídio há quase dez anos. Além do surgimento de novas cepas por hibridização, há o risco de desequilíbrios ambientais, causados pelas mudanças climáticas ou outras interferências humanas (como desmatamento, poluição, etc), que podem fragilizar essa resistência e tornar os anfíbios vulneráveis novamente às linhagens já existentes do fungo.

É possível, inclusive, que mais populações estejam sendo extintas pelo fungo nesse momento, sem que isso seja percebido pelos cientistas. "Às vezes é difícil detectar o declínio de um espécie. Pode levar décadas para um bicho desaparecer por completo", observa Toledo -- lembrando que os anfíbios não são animais fáceis de se observar na natureza. "Por isso precisamos de monitoramento constante, em diversas áreas."

"É provável que alguns declínios ainda estejam ocorrendo", concorda Becker. "O efeito do fungo não é necessariamente imediato."

Holoaden bradei, uma rã endêmica da região de Itatiaia, é uma das espécies que provavelmente foi extinta pelo fungo quitrídio, na década de 1970. Foto: Gui Becker

Investigação

A infecção causada pelo quitrídio não é aparente, e a quitridiomicose só foi identificada como uma causa de morte em anfíbios cerca de 20 anos atrás. Desde então, os cientistas vêm tentando descobrir como o fungo funciona e de onde ele veio.

Vários locais já foram cogitados como epicentro genético da epidemia; entre eles, o Brasil, pelo fato de os anfíbios daqui conviverem em aparente harmonia com o fungo. Um estudo publicado no ano passado por Toledo, Becker e a aluna de mestrado Tamilie Carvalho, na revista Proceedings of the Royal Society B, porém, mostrou que o quitrídio esteve associado, sim, a uma série de extinções e reduções populacionais de anfíbios na Mata Atlântica nas décadas de 1970 e 1980, apesar da cepa BdGPL já estar presente no país há mais de um século -- o que sugere que essa linhagem não surgiu por aqui, pois os bichos locais não estavam adaptados a ela. 

Esse novo trabalho na Science, assinado por um grupo internacional de pesquisadores, parece resolver a questão. Os cientistas sequenciaram e compararam as informações genéticas de mais de 230 amostras do fungo Bd, coletadas da pele de anfíbios de todos os continentes (com exceção da Antártida), e concluíram que o quitrídio se originou na Ásia e se dispersou pelo mundo a partir do início do século 20, em diversas linhagens (todas causam a quitridiomicose, mas só a BdGPL é letal).

Cerca de 700 espécies de anfíbios já foram infectadas pelo quitrídio, de um total de 1.300 testadas até agora. E a expectativa é que esse número cresça, visto que a disseminação do fungo continua.

Rã-touro. Foto: Felipe Toledo

Um dos principais fatores de dispersão do quitrídio parece ser o comércio global de carne de rã-touro, uma espécie que é imune ao fungo, mas pode carregar grandes quantidades dele na pele. O histórico das epidemias e das extinções casa quase que perfeitamente com o da expansão de ranários pelos diferentes continentes.

Com base nos resultados do estudo, um caminho para reduzir o risco de novas extinções seria coibir o comércio de anfíbios -- principalmente de espécies oriundas da Ásia, que abriga a maior variabilidade genética do fungo -- e endurecer o controle sanitário da produção e comercialização de carne de rã, dizem os pesquisadores.

Mapa ilustra a correlação entre o comércio de anfíbios (círculos) e as rotas históricas de disseminação (setas) das diferentes cepas (cores) do fungo quitrídio. Crédito: Simon O'Hanlon  Foto: Estadão

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