Herton Escobar / O Estado de S.Paulo
Medicina Personalizada e a Transformação do Sistema de Saúde O sucesso da pesquisa biomédica é quase sempre associado à soma dos esforços de milhares de pesquisadores trabalhando individualmente ou em pequenos grupos. Entretanto, isto mudou desde a descoberta da estrutura do material genético - o DNA - em meados dos anos 50. Em 3-4 décadas desenvolveu-se o que chamamos de "engenharia genética" que se tornou uma nova disciplina ou modo de observar os seres vivos por meio de novas técnicas e estratégias que permitiram um avanço sem precedentes no entendimento crescente das bases moleculares dos mais diversos processos biológicos. Foi neste ambiente, no final dos anos 80, que novos desafios foram concebidos. E o impossível foi proposto, desvendar a estrutura física do código genético humano composto por 3 bilhões de bases armazenados em 23 pares de cromossomos em cada uma de nossas células, por meio do seu sequenciamento, base por base. A estratégia envolvia consumir 15 anos, antecipados para 12, graças ao esforço de centenas de pesquisadores trabalhando cooperativamente para um mesmo fim e competindo entre si, o desenvolvimento de novas metodologias e soluções tecnológicas e um custo direto de 3 bilhões de dólares. O veredito sobre a era pós genômica, ou seja, estes últimos 10 anos depois dos sequenciamento, não é consensual e há diferentes opiniões sobre se o copo está meio vazio ou meio cheio. A Medicina Personalizada é uma área que vem se desenvolvendo e cuja importância está nos seus objetivos primários de viabilizar o tratamento certo, para o paciente certo, na hora certa e nos seus objetivos secundários de se tornar a alavanca de transformação do Sistema de Saúde. Estamos prestes a sequenciar o genoma de um paciente com a mesma facilidade com que solicitamos um exame de ressonância magnética, mas a prática médica continua sendo essencialmente reativa e não antecipativa (preditiva) ou preventiva. É difícil crer que mesmo entre as melhores drogas no mercado os efeitos desejados ocorrem somente em uma parcela dos pacientes (estimativas sugerem algo entre 30-50%) e que o ajuste final é realizado em cada paciente por tentativa e erro. A expectativa é que a prática médica na era pós-genômica se caracterize por maior eficiência e precisão, com a identificação precoce de indivíduos susceptíveis na população geral e o estabelecimento de plataformas de intervenção não limitadas a tratamentos medicamentosos e que as ações médicas também visem à promoção da saúde. Entretanto, há desafios para evitar que eventuais efeitos deletérios se sobreponham aos benefícios desta transformação. Antecipar ou prever doenças na ausência de sinais e sintomas, requer educação e treinamento dos profissionais de saúde e novas recomendações e diretrizes de conduta médica. Em cenário mais determinístico e previsível a sociedade terá que se precaver para que indivíduos não venham a ser excluídos do mercado de trabalho ou marginalizados do sistema de saúde e previdenciário com base no conhecimento prévio de suas susceptibilidades. Novos acordos sociais serão necessários para preservar e balancear escolhas individuais e da sociedade. A tecnologia de informação em saúde é um exemplo de infraestrutura que foi implantada inicialmente para melhorar a eficiência do processo como um todo e diminuir os erros médicos e os custos. No caso da Medicina Personalizada a tecnologia de informação em saúde será essencial para que os sistemas possam compartilhar e analisar dados genéticos e resultados clínicos de maneira integrada e em tempo hábil. O desafio não é apenas tecnológico para obtenção de grande quantidade de dados clínicos e genéticos de cada paciente, mas o que fazer com todas as informações. Os dados que estamos ou deveríamos estar coletando demandam infraestrutura de tecnologia de informação dedicada e específica que não existe ou que no melhor cenário é insuficiente e está fragmentada em vários locais. O Brasil é o país mais populoso que possui um sistema universal de saúde - o SUS - estruturado a nível municipal, estadual e federal e, portanto, uma agenda para implantar a Medicina Personalizada no SUS representará não somente um ingrediente para a sua modernização, mas uma alavanca de transformação do sistema e a oportunidade de o país participar ativamente da inovação e geração de riquezas em área estratégica global. Jose Eduardo Krieger Professor de Genética e Medicina Molecular do Instituto do Coração (InCor) e da FMUSP Presidente, Academia de Ciências do Estado de São Paulo