SÃO PAULO - O Brasil ainda não ganhou um Nobel de ciência, mas acaba de ser agraciado com dois Ig Nobel, a paródia da conceituado prêmio que homenageia pesquisas que, apesar de parecerem esdrúxulas, são aquelas que “primeiro fazem rir e depois, pensar”, como justificam os organizadores.
A láurea de Biologia vai para a descoberta de um inusitado inseto de cavernas que tem o sexo trocado – machos têm vaginas e fêmeas, pênis –, e a de Nutrição para um trabalho que identificou uma espécie rara de morcegos da Caatinga que desenvolveu uma preferência por sangue humano.
Os brasileiros se juntaram neste ano a pesquisadores do mundo inteiro que também foram laureados pelo Ig Nobel. Veja na galeria abaixo quem são osganhadores. Eles receberam o prêmio das mãos de genuínos vencedores do Prêmio Nobel em concorrida cerimônia no Teatro Sanders, na Universidade Harvard, nos Estados Unidos.
10 pesquisas esdrúxulas premiadas com o Ig Nobel 2017
Parecem brincadeira, mas são pesquisas sérias. A dieta do morceguinho-vampiro, por exemplo, trouxe à tona um cenário de desequilíbrio ambiental na região onde ele vive. O trabalho, publicado em dezembro do ano passado na revista Acta Chiropterologica por um trio da Universidade Federal de Pernambuco, foi o primeiro relato científico de sangue humano na alimentação da espécie Diphylla ecaudata.
O morcego de perna peluda era até então conhecido por se alimentar somente do sangue de aves. Se ele passou a avançar sobre humanos, é porque algo está errado com a oferta natural de alimentos.
O biólogo Enrico Bernard admite que o resultado do trabalho, que envolve coletar fezes do morcego e fazer a análise de DNA das suas presas, é engraçado. Ele mesmo diz que ficou gargalhando o dia inteiro quando soube. “Perguntei qual era a categoria e me disseram: Nutrição. Ri mais ainda”, contou ao Estado. “Mas é uma descoberta que traz uma reflexão”, pondera.
“Esse animal só deveria consumir sangue de aves. E não encontramos DNA de nenhuma ave nativa, só de galinha, e de gente. É um sinal claro de defaunação e antropização da região”, explica.
As coletas foram feitas no Parque Nacional do Catimbau, a 300 km de Recife. Sendo uma unidade de conservação, não deveria ter gente vivendo dentro dele. “Mas a implementação do parque nunca foi concluída e tem centenas de pessoas ali. Pequenos produtores, que criam animais domésticos, o que levou a uma perda da fauna local”, alerta.
Com bom humor, Bernard lembra que já houve o caso do físico Andre Geim, que após ganhar um Ig Nobel por fazer um sapo levitar, venceu depois o próprio Nobel, em 2010. E diz que agora vai acrescentar na assinatura de seu e-mail que ele é um “orgulhoso ganhador do Ig Nobel”. “Neste momento de crise financeira da ciência brasileira, estamos mesmo precisando de bom-humor. Dois prêmios neste ano. Estamos lavando a égua”, brinca.
O trio (Bernard, Fernanda Ito e Rodrigo Torres) enviou um videozinho aceitando o prêmio para ser apresentado na cerimônia. Veja abaixo.
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Enrico Bernard, Fernanda Ito e Rodrigo Torres, da Universidade Federal de Pernambuco, mandaram um vídeo para a cerimônia do Ig Nobel de 2017 aceitando o prêmio de nutrição pela pesquisa que fez o primeiro relato científico de sangue humano na dieta do morcego de perna peluda
Sexo trocado
A segunda láurea brazuca vai para o ecólogo Rodrigo Ferreira, da Universidade Federal de Lavras, que descobriu quatro espécies de inseto da ordem Psocodea, que vivem em caverna, cuja fêmea tem pênis e o macho tem vagina, algo que parece impensável em termos de biologia. O trabalho foi publicado na revista Current Biology em 2014.
Para a pergunta imediata – “mas como vocês sabem que quem tem a vagina não é a fêmea e quem tem pênis é que é o macho?” –, o pesquisador explica com toda a paciência do mundo:“Em biologia, e vale lembrar que várias espécies não têm genitália, se convencionou definir o gênero pelo tamanho do gameta (óvulos e espermatozoides). As fêmeas produzem os gametas maiores e os machos, os menores. É isso que separa o gênero, por isso sabemos”.
Ah, tá. Mas e como fica o sexo, então? “É a fêmea, com o órgão erétil, que penetra a vagina do macho e ele pressiona o esperma para dentro do pênis dela”, conta Ferreira. E isso, ela faz, segundo o pesquisador, por realmente um longo tempo, de 40 a 70 horas.
Em vídeo enviado à cerimônia, os pesquisadores que também participaram do trabalham brincam que todo dicionário do mundo define pênis como uma estrutura masculina. "Nossa descoberta deixou bilhões de dicionários desatualizados", afirmam.
A situação tão única e diferente suscitou uma discussão sobre evolução sexual. Da forma como conhecemos na imensa maioria da natureza, é a fêmea que seleciona, e uma das coisas que ela leva em conta é o órgão reprodutivo dos machos. “Houve uma inversão da seleção sexual aqui, temos os machos selecionando. Por que será que houve essa inversão? Que tipo de processo pode ter levado a isso”, questiona o pesquisador.
Ele está agora no Japão com os outros pesquisadores ganhadores justamente tentando entender isso.
Até hoje apenas dois outros brasileiros tinha ganhando o Ig Nobel. É o pesquisador da USP Astolfo Araújo, e seu colega José Carlos Marcelino, do Departamento do Patrimônio Histórico de São Paulo, que descobriram como tatus bagunçam um sítio arqueológico. Isso pode causar a maior confusão se uma peça arqueológica mais antiga, que, portanto, estaria mais ao fundo no solo, acabar parando mais no alto, dando uma ideia errada sobre sua real idade.
O Ig Nobel é promovido pela revista humorística de ciência Annals of Improbable Research e chegou em 2017 a sua 27ª edição.