A descoberta dos microRNAs por Victor Ambros e Gary Ruvkun foi crucial para a compreensão de como funciona regulação genética e, consequentemente, de como ocorre a formação de diferentes tipos de células e tecidos do organismo. A pesquisa, premiada com o Nobel de Medicina nesta segunda-feira, 7, é importante para a compreensão do surgimento de tumores cancerígenos e abre caminho para o estudo de novos tratamentos e métodos de diagnóstico.
“Temos observado que por trás de doenças crônicas, como câncer e infecções, podemos encontrar uma desregulação no funcionamento destes microRNAs”, afirma o médico e pesquisador da Ciência Pioneira, do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, Bruno Solano.
“A descoberta dos microRNAs é um grande avanço na Medicina, porque abre portas para desenvolver métodos de diagnóstico mais precisos e de novas terapias para uma série de doenças”, continua Solano, também pesquisador da Fiocruz e membro da Academia Brasileira de Ciências.
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Estudo, que ganhou prêmio de Medicina 2024, abre caminho para melhorar tratamento contra o câncer
Os cientistas descobriram um mecanismo regulatório crucial usado pelas células no controle da atividade genética. A informação genética flui do DNA para o RNA mensageiro (mRNA), por meio de um processo chamado de transcrição, alcançando o maquinário celular para a produção de proteínas.
Dentro das células, o mRNA é traduzido de forma que as proteínas sejam produzidas de acordo com as instruções genéticas originalmente armazenadas no DNA. Desde meados do século 20, algumas das mais fundamentais descobertas científicas detalharam esse processo.
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Nossos órgãos e tecidos consistem em diversos tipos diferentes de células; todas elas com informação genética idêntica armazenada em seu DNA. No entanto, cada célula expressa um grupo específico de proteínas, apresentando características muito distintas.
Como isso é possível? A resposta está na precisa regulação da atividade genética de forma que apenas um grupo específico de genes seja ativado para cada tipo de célula a ser formada.
Esse mecanismo permite, por exemplo, que células musculares, do intestino, do cérebro, entre tantas outras, exerçam suas funções específicas. Além disso, a atividade genética precisa ser o tempo todo muito bem ajustada para adaptar as funções celulares às mudanças contínuas que acontecem em nossos corpos e também no meio ambiente. Sem esse ajuste fino constante, doenças graves poderiam surgir.
“Os miRNAs revelaram um novo mecanismo de regulação pós-transcricional, onde pequenos RNAs silenciadores atuam no controle da expressão genética”, explicou Solano. “Isso abriu novas portas para o entendimento de processos biológicos fundamentais e patologias, como o câncer, doenças neurodegenerativas e outras condições em que se observa uma regulação gênica desordenada.”
A regulação anormal dos microRNAs pode contribuir para o desenvolvimento do câncer e mutações em genes que causam problemas como perda de audição congênita e problemas na visão. Mutações em uma das proteínas necessárias à produção dos micro RNAs resultam em DICER1, uma síndrome rara e muito grave, ligada a tumores cancerígenos em diferentes órgãos e tecidos.
“A maioria das terapias que temos no momento são voltadas para proteínas nas células”, disse à agência de notícias Associated Press Claire Fletcher, especialista em Oncologia da Imperial College de Londres. “Se pudermos intervir no nível de microRNA, isso abre novo caminho para desenvolver medicamentos e controlar a atividade de genes cujos níveis podem ser alterados em doenças.”
Além de desenvolver novos tratamentos, a pesquisadora afirma que a descoberta ajuda na identificação de biomarcadores de doenças, o que contribui para melhorar os diagnósticos.
Diretor-presidente do Instituto Serrapilheira, o biólogo geneticista Hugo Aguilaniu conheceu de perto o trabalho de Gary Ruvkun em 2010, quando ainda trabalhava na École Normale Supérieure de Lyon, na França, no Laboratório de Biologia Molecular das Células.
“Eu e minha equipe estudávamos a base molecular do processo de envelhecimento usando como modelo animal o C. elegans, um tipo de verme. Foi nessa época que conheci o Gary: não só a maior parte do trabalho dele também foi feita usando o C. elegans como ele também pesquisou o envelhecimento, embora sua maior contribuição, inovação e originalidade tenha sido no campo do miRNA”, contou Aguilaniu.
“Quando eu entrei no campo do envelhecimento, dois grandes nomes se destacavam: o da Cynthia Kenyon, que atualmente está na Calico, na Califórnia, e do Gary Ruvkun. E isso é o mais interessante nele: sua capacidade de atuar em duas áreas diferentes e combiná-las. Hoje sabemos o impacto do miRNA no envelhecimento, mas na época não conhecíamos essa relação. Sempre me surpreendeu o fato de ele conseguir equilibrar duas áreas de estudo tão distintas, enquanto a maioria dos cientistas geralmente se dedica integralmente a entender uma pequena parte do seu campo.”