Novo estudo pesquisa trocas moleculares para entender envelhecimento


Por meio de experimentos com vermes, cientistas demonstram que, quando a transferência de RNA entre células de diferentes tecidos está desregulada, longevidade do organismo cai

Por Maria Fernanda Ziegler

AGÊNCIA FAPESP – Uma das formas pelas quais células de diferentes tecidos se comunicam é por meio da troca de moléculas de RNA. Em experimentos com vermes da espécie Caenorhabditis elegans, pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) observaram que, quando essa via de comunicação está desregulada, a longevidade do organismo é reduzida. O achado, divulgado na revista científica Gene, traz uma nova compreensão sobre o processo de envelhecimento e as doenças associadas.

“Estudos anteriores já haviam demonstrado que alguns tipos de RNA podem ser transferidos de uma célula para outra, mediando uma comunicação intertecidual – assim como ocorre com proteínas e metabólitos, por exemplo. Isso é considerado um mecanismo de sinalização entre órgãos ou entre células vizinhas e participa de processos de várias doenças (fisiopatologia) e do funcionamento normal do organismo. O que não estava claro até agora e conseguimos provar foi que alterações no padrão dessa ‘conversa’ que ocorre por meio das moléculas de RNA podem afetar o envelhecimento”, afirma o professor do Instituto de Biologia da Unicamp Marcelo Mori, coautor do artigo.

O trabalho foi feito no âmbito do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC) – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) sediado na Unicamp. A investigação também contou com financiamento por meio de um projeto coordenado por Mori.

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“Esse mecanismo de comunicação precisa estar bem ajustado para conferir ao organismo um tempo de vida adequado. Observamos no estudo que, se porventura algum tecido aumenta a sua capacidade de absorver alguns tipos de RNA do meio extracelular (de fora da célula), isso acaba tendo um impacto na longevidade do organismo”, diz.

Segundo Mori, foi possível demonstrar que a redução no tempo de vida ocorreu não apenas pela perturbação na comunicação via RNA entre tecidos de um mesmo organismo, mas também pelo aumento da capacidade de captação de RNAs oriundos do ambiente – provenientes de bactérias da microbiota, por exemplo.

Os pesquisadores criaram a alcunha de InExS (sigla em inglês para desequilíbrio de RNA sistêmico intercelular/extracelular) para se referir à desregulação na transferência de RNAs entre tecidos e também com o meio exógeno.

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Vermes da espécie 'C. elegans' foram o modelo experimental utilizado na pesquisa Foto: Thiago L. Knittel via Agência Fapesp

Quebrando as regras

O pesquisador conta que a investigação sobre o mecanismo de transporte de RNA entre células foi inspirada pela descoberta do fenômeno de RNA de interferência (RNAi), que rendeu o prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina aos cientistas norte-americanos Andrew Fire e Craig Mello em 2006. Em seus experimentos, eles conseguiram, usando o RNA de interferência, “desligar” genes de forma precisa.

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Ao injetar um RNA dupla fita no C. elegans, os vencedores do Nobel conseguiam silenciar genes. “E observaram que o mecanismo de silenciamento afetava genes em outros tecidos, não apenas onde houve a aplicação, e era transmitido para gerações seguintes”, relata Mori.

Além de possibilitar a elucidação dos mecanismos pelos quais ocorre a transferência de RNAs entre células de um organismo e entre o organismo e o ambiente, a descoberta do RNAi relativizou um dogma central da biologia molecular. Até então, acreditava-se que o fluxo de informações do código genético seria uma via de mão única, partindo do DNA, passando pelo RNA e culminando em proteínas.

No estudo ganhador do Nobel, descobriu-se que moléculas de RNA dupla fita conseguem impedir esse processo que vai do DNA à proteína. O RNAi destrói o RNA mensageiro, silenciando genes específicos sem precisar alterar a sequência do DNA. Ficou claro então que o RNA também pode ter uma função regulatória sobre o genoma. Vale lembrar que o genoma humano consiste em aproximadamente 30 mil genes. No entanto, apenas uma pequena fração deles é usada em cada célula para sintetizar proteínas. Grande parte exerce papel regulatório (afetando a expressão de outros genes).

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Equilíbrio é tudo

“Queríamos entender como esse processo poderia interferir nas funções fisiológicas importantes relacionadas ao envelhecimento. Em C. elegans, essa transferência de RNA entre células foi caracterizada por uma via que envolve proteínas denominadas SID (responsáveis por diferentes estágios de absorção e exportação de RNAs). Observamos que existia um padrão de expressão gênica dessa via em tecidos específicos, que mudava ao longo do envelhecimento. O RNA mensageiro que codifica a proteína SID-1 (fundamental para fazer a internalização do RNA para dentro das células), por exemplo, aumentava em alguns tecidos, enquanto diminuía em outros”, diz Mori.

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Para entender melhor o papel dos RNAs como moléculas sinalizadoras intertecidos, os pesquisadores realizaram experimentos em que a função da proteína SID-1 foi modificada em tecidos específicos de C. elegans, como células neuronais, do intestino e musculares. Para isso, eles manipularam a expressão da proteína nesses tecidos.

“Observamos que os mutantes com perda de função da SID-1 eram tão saudáveis quanto os vermes do tipo selvagem. No entanto, a superexpressão de SID-1 no intestino, músculo ou neurônios tornava a vida dos vermes mais curta. A redução do tempo de vida também foi observada pela superexpressão de outras proteínas da via de transporte de RNAs, como SID-2 e SID-5″, diz.

O pesquisador explica que a desregulação pode estar justamente na distribuição do RNA para os tecidos. “Para desregular a distribuição de RNAs no corpo dos vermes, aumentamos a expressão de SID-1 em tecidos específicos (intestino, músculo ou neurônios). Com isso, observamos que a canalização para um órgão específico leva à redução da longevidade”, conta.

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“Mostramos também que esse desbalanço na transferência de RNAs acarreta a perda de função da via de produção de microRNAs (pequenas moléculas de RNA com função regulatória). É como se o fato de um número maior de RNAs transportado para esses tecidos gerasse uma espécie de competição e a produção de microRNAs acabasse perdendo a disputa. Já havia sido demonstrado que a perda da função na produção de microRNAs leva a uma diminuição do tempo de vida”, completa.

O grupo da Unicamp também investigou a relação da transferência de RNAs exógenos, ou seja, entre o ambiente e o organismo. Como nos experimentos anteriores, a superexpressão de SID-2, que capta RNAs do ambiente pelo intestino, e o excesso de RNAs produzidos por bactérias que servem como fonte alimentar e microbiota para os vermes resultaram no encurtamento do tempo de vida.

“Acreditamos que os RNAs exógenos podem ser usados pelos vermes para monitorar os microrganismos do ambiente, mas, quando em excesso e sendo captados pelos tecidos, podem levar a um efeito deletério. Quando forçamos as bactérias, em laboratório, a expressar mais RNAs dupla fita, houve uma redução no tempo de vida dos vermes. Esse processo que envolve uma transferência excessiva de RNA interfere na homeostase e na produção de RNAs endógenos, acelerando o envelhecimento”, completa.

O estudo Tissue-specific overexpression of systemic RNA interference components limits lifespan in C. elegans pode ser lido neste link.

AGÊNCIA FAPESP – Uma das formas pelas quais células de diferentes tecidos se comunicam é por meio da troca de moléculas de RNA. Em experimentos com vermes da espécie Caenorhabditis elegans, pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) observaram que, quando essa via de comunicação está desregulada, a longevidade do organismo é reduzida. O achado, divulgado na revista científica Gene, traz uma nova compreensão sobre o processo de envelhecimento e as doenças associadas.

“Estudos anteriores já haviam demonstrado que alguns tipos de RNA podem ser transferidos de uma célula para outra, mediando uma comunicação intertecidual – assim como ocorre com proteínas e metabólitos, por exemplo. Isso é considerado um mecanismo de sinalização entre órgãos ou entre células vizinhas e participa de processos de várias doenças (fisiopatologia) e do funcionamento normal do organismo. O que não estava claro até agora e conseguimos provar foi que alterações no padrão dessa ‘conversa’ que ocorre por meio das moléculas de RNA podem afetar o envelhecimento”, afirma o professor do Instituto de Biologia da Unicamp Marcelo Mori, coautor do artigo.

O trabalho foi feito no âmbito do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC) – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) sediado na Unicamp. A investigação também contou com financiamento por meio de um projeto coordenado por Mori.

“Esse mecanismo de comunicação precisa estar bem ajustado para conferir ao organismo um tempo de vida adequado. Observamos no estudo que, se porventura algum tecido aumenta a sua capacidade de absorver alguns tipos de RNA do meio extracelular (de fora da célula), isso acaba tendo um impacto na longevidade do organismo”, diz.

Segundo Mori, foi possível demonstrar que a redução no tempo de vida ocorreu não apenas pela perturbação na comunicação via RNA entre tecidos de um mesmo organismo, mas também pelo aumento da capacidade de captação de RNAs oriundos do ambiente – provenientes de bactérias da microbiota, por exemplo.

Os pesquisadores criaram a alcunha de InExS (sigla em inglês para desequilíbrio de RNA sistêmico intercelular/extracelular) para se referir à desregulação na transferência de RNAs entre tecidos e também com o meio exógeno.

Vermes da espécie 'C. elegans' foram o modelo experimental utilizado na pesquisa Foto: Thiago L. Knittel via Agência Fapesp

Quebrando as regras

O pesquisador conta que a investigação sobre o mecanismo de transporte de RNA entre células foi inspirada pela descoberta do fenômeno de RNA de interferência (RNAi), que rendeu o prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina aos cientistas norte-americanos Andrew Fire e Craig Mello em 2006. Em seus experimentos, eles conseguiram, usando o RNA de interferência, “desligar” genes de forma precisa.

Ao injetar um RNA dupla fita no C. elegans, os vencedores do Nobel conseguiam silenciar genes. “E observaram que o mecanismo de silenciamento afetava genes em outros tecidos, não apenas onde houve a aplicação, e era transmitido para gerações seguintes”, relata Mori.

Além de possibilitar a elucidação dos mecanismos pelos quais ocorre a transferência de RNAs entre células de um organismo e entre o organismo e o ambiente, a descoberta do RNAi relativizou um dogma central da biologia molecular. Até então, acreditava-se que o fluxo de informações do código genético seria uma via de mão única, partindo do DNA, passando pelo RNA e culminando em proteínas.

No estudo ganhador do Nobel, descobriu-se que moléculas de RNA dupla fita conseguem impedir esse processo que vai do DNA à proteína. O RNAi destrói o RNA mensageiro, silenciando genes específicos sem precisar alterar a sequência do DNA. Ficou claro então que o RNA também pode ter uma função regulatória sobre o genoma. Vale lembrar que o genoma humano consiste em aproximadamente 30 mil genes. No entanto, apenas uma pequena fração deles é usada em cada célula para sintetizar proteínas. Grande parte exerce papel regulatório (afetando a expressão de outros genes).

Equilíbrio é tudo

“Queríamos entender como esse processo poderia interferir nas funções fisiológicas importantes relacionadas ao envelhecimento. Em C. elegans, essa transferência de RNA entre células foi caracterizada por uma via que envolve proteínas denominadas SID (responsáveis por diferentes estágios de absorção e exportação de RNAs). Observamos que existia um padrão de expressão gênica dessa via em tecidos específicos, que mudava ao longo do envelhecimento. O RNA mensageiro que codifica a proteína SID-1 (fundamental para fazer a internalização do RNA para dentro das células), por exemplo, aumentava em alguns tecidos, enquanto diminuía em outros”, diz Mori.

Para entender melhor o papel dos RNAs como moléculas sinalizadoras intertecidos, os pesquisadores realizaram experimentos em que a função da proteína SID-1 foi modificada em tecidos específicos de C. elegans, como células neuronais, do intestino e musculares. Para isso, eles manipularam a expressão da proteína nesses tecidos.

“Observamos que os mutantes com perda de função da SID-1 eram tão saudáveis quanto os vermes do tipo selvagem. No entanto, a superexpressão de SID-1 no intestino, músculo ou neurônios tornava a vida dos vermes mais curta. A redução do tempo de vida também foi observada pela superexpressão de outras proteínas da via de transporte de RNAs, como SID-2 e SID-5″, diz.

O pesquisador explica que a desregulação pode estar justamente na distribuição do RNA para os tecidos. “Para desregular a distribuição de RNAs no corpo dos vermes, aumentamos a expressão de SID-1 em tecidos específicos (intestino, músculo ou neurônios). Com isso, observamos que a canalização para um órgão específico leva à redução da longevidade”, conta.

“Mostramos também que esse desbalanço na transferência de RNAs acarreta a perda de função da via de produção de microRNAs (pequenas moléculas de RNA com função regulatória). É como se o fato de um número maior de RNAs transportado para esses tecidos gerasse uma espécie de competição e a produção de microRNAs acabasse perdendo a disputa. Já havia sido demonstrado que a perda da função na produção de microRNAs leva a uma diminuição do tempo de vida”, completa.

O grupo da Unicamp também investigou a relação da transferência de RNAs exógenos, ou seja, entre o ambiente e o organismo. Como nos experimentos anteriores, a superexpressão de SID-2, que capta RNAs do ambiente pelo intestino, e o excesso de RNAs produzidos por bactérias que servem como fonte alimentar e microbiota para os vermes resultaram no encurtamento do tempo de vida.

“Acreditamos que os RNAs exógenos podem ser usados pelos vermes para monitorar os microrganismos do ambiente, mas, quando em excesso e sendo captados pelos tecidos, podem levar a um efeito deletério. Quando forçamos as bactérias, em laboratório, a expressar mais RNAs dupla fita, houve uma redução no tempo de vida dos vermes. Esse processo que envolve uma transferência excessiva de RNA interfere na homeostase e na produção de RNAs endógenos, acelerando o envelhecimento”, completa.

O estudo Tissue-specific overexpression of systemic RNA interference components limits lifespan in C. elegans pode ser lido neste link.

AGÊNCIA FAPESP – Uma das formas pelas quais células de diferentes tecidos se comunicam é por meio da troca de moléculas de RNA. Em experimentos com vermes da espécie Caenorhabditis elegans, pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) observaram que, quando essa via de comunicação está desregulada, a longevidade do organismo é reduzida. O achado, divulgado na revista científica Gene, traz uma nova compreensão sobre o processo de envelhecimento e as doenças associadas.

“Estudos anteriores já haviam demonstrado que alguns tipos de RNA podem ser transferidos de uma célula para outra, mediando uma comunicação intertecidual – assim como ocorre com proteínas e metabólitos, por exemplo. Isso é considerado um mecanismo de sinalização entre órgãos ou entre células vizinhas e participa de processos de várias doenças (fisiopatologia) e do funcionamento normal do organismo. O que não estava claro até agora e conseguimos provar foi que alterações no padrão dessa ‘conversa’ que ocorre por meio das moléculas de RNA podem afetar o envelhecimento”, afirma o professor do Instituto de Biologia da Unicamp Marcelo Mori, coautor do artigo.

O trabalho foi feito no âmbito do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC) – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) sediado na Unicamp. A investigação também contou com financiamento por meio de um projeto coordenado por Mori.

“Esse mecanismo de comunicação precisa estar bem ajustado para conferir ao organismo um tempo de vida adequado. Observamos no estudo que, se porventura algum tecido aumenta a sua capacidade de absorver alguns tipos de RNA do meio extracelular (de fora da célula), isso acaba tendo um impacto na longevidade do organismo”, diz.

Segundo Mori, foi possível demonstrar que a redução no tempo de vida ocorreu não apenas pela perturbação na comunicação via RNA entre tecidos de um mesmo organismo, mas também pelo aumento da capacidade de captação de RNAs oriundos do ambiente – provenientes de bactérias da microbiota, por exemplo.

Os pesquisadores criaram a alcunha de InExS (sigla em inglês para desequilíbrio de RNA sistêmico intercelular/extracelular) para se referir à desregulação na transferência de RNAs entre tecidos e também com o meio exógeno.

Vermes da espécie 'C. elegans' foram o modelo experimental utilizado na pesquisa Foto: Thiago L. Knittel via Agência Fapesp

Quebrando as regras

O pesquisador conta que a investigação sobre o mecanismo de transporte de RNA entre células foi inspirada pela descoberta do fenômeno de RNA de interferência (RNAi), que rendeu o prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina aos cientistas norte-americanos Andrew Fire e Craig Mello em 2006. Em seus experimentos, eles conseguiram, usando o RNA de interferência, “desligar” genes de forma precisa.

Ao injetar um RNA dupla fita no C. elegans, os vencedores do Nobel conseguiam silenciar genes. “E observaram que o mecanismo de silenciamento afetava genes em outros tecidos, não apenas onde houve a aplicação, e era transmitido para gerações seguintes”, relata Mori.

Além de possibilitar a elucidação dos mecanismos pelos quais ocorre a transferência de RNAs entre células de um organismo e entre o organismo e o ambiente, a descoberta do RNAi relativizou um dogma central da biologia molecular. Até então, acreditava-se que o fluxo de informações do código genético seria uma via de mão única, partindo do DNA, passando pelo RNA e culminando em proteínas.

No estudo ganhador do Nobel, descobriu-se que moléculas de RNA dupla fita conseguem impedir esse processo que vai do DNA à proteína. O RNAi destrói o RNA mensageiro, silenciando genes específicos sem precisar alterar a sequência do DNA. Ficou claro então que o RNA também pode ter uma função regulatória sobre o genoma. Vale lembrar que o genoma humano consiste em aproximadamente 30 mil genes. No entanto, apenas uma pequena fração deles é usada em cada célula para sintetizar proteínas. Grande parte exerce papel regulatório (afetando a expressão de outros genes).

Equilíbrio é tudo

“Queríamos entender como esse processo poderia interferir nas funções fisiológicas importantes relacionadas ao envelhecimento. Em C. elegans, essa transferência de RNA entre células foi caracterizada por uma via que envolve proteínas denominadas SID (responsáveis por diferentes estágios de absorção e exportação de RNAs). Observamos que existia um padrão de expressão gênica dessa via em tecidos específicos, que mudava ao longo do envelhecimento. O RNA mensageiro que codifica a proteína SID-1 (fundamental para fazer a internalização do RNA para dentro das células), por exemplo, aumentava em alguns tecidos, enquanto diminuía em outros”, diz Mori.

Para entender melhor o papel dos RNAs como moléculas sinalizadoras intertecidos, os pesquisadores realizaram experimentos em que a função da proteína SID-1 foi modificada em tecidos específicos de C. elegans, como células neuronais, do intestino e musculares. Para isso, eles manipularam a expressão da proteína nesses tecidos.

“Observamos que os mutantes com perda de função da SID-1 eram tão saudáveis quanto os vermes do tipo selvagem. No entanto, a superexpressão de SID-1 no intestino, músculo ou neurônios tornava a vida dos vermes mais curta. A redução do tempo de vida também foi observada pela superexpressão de outras proteínas da via de transporte de RNAs, como SID-2 e SID-5″, diz.

O pesquisador explica que a desregulação pode estar justamente na distribuição do RNA para os tecidos. “Para desregular a distribuição de RNAs no corpo dos vermes, aumentamos a expressão de SID-1 em tecidos específicos (intestino, músculo ou neurônios). Com isso, observamos que a canalização para um órgão específico leva à redução da longevidade”, conta.

“Mostramos também que esse desbalanço na transferência de RNAs acarreta a perda de função da via de produção de microRNAs (pequenas moléculas de RNA com função regulatória). É como se o fato de um número maior de RNAs transportado para esses tecidos gerasse uma espécie de competição e a produção de microRNAs acabasse perdendo a disputa. Já havia sido demonstrado que a perda da função na produção de microRNAs leva a uma diminuição do tempo de vida”, completa.

O grupo da Unicamp também investigou a relação da transferência de RNAs exógenos, ou seja, entre o ambiente e o organismo. Como nos experimentos anteriores, a superexpressão de SID-2, que capta RNAs do ambiente pelo intestino, e o excesso de RNAs produzidos por bactérias que servem como fonte alimentar e microbiota para os vermes resultaram no encurtamento do tempo de vida.

“Acreditamos que os RNAs exógenos podem ser usados pelos vermes para monitorar os microrganismos do ambiente, mas, quando em excesso e sendo captados pelos tecidos, podem levar a um efeito deletério. Quando forçamos as bactérias, em laboratório, a expressar mais RNAs dupla fita, houve uma redução no tempo de vida dos vermes. Esse processo que envolve uma transferência excessiva de RNA interfere na homeostase e na produção de RNAs endógenos, acelerando o envelhecimento”, completa.

O estudo Tissue-specific overexpression of systemic RNA interference components limits lifespan in C. elegans pode ser lido neste link.

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