THE NEW YORK TIMES - Imagine o núcleo interno da Terra – o centro denso do nosso planeta – como uma pesada bailarina de metal. Este dançarino rico em ferro é capaz de fazer piruetas em velocidades em constante mudança e pode estar à beira de uma grande transformação.
Os sismólogos relataram na segunda-feira, 23, na revista Nature Geoscience, que, após pausas breves, mas peculiares, o núcleo interno da Terra muda a forma como gira – em relação ao movimento da superfície da Terra. Eles constataram que isso acontece talvez uma vez a cada poucas décadas e, neste momento, uma dessas inversões pode estar em andamento.
O acontecimento pode soar como uma configuração para um filme de grande sucesso de destruição mundial. Mas não se preocupe: precisamente nada apocalíptico resultará desse ciclo de rotação planetária, que pode estar acontecendo há eras.
Os pesquisadores que propõem esse modelo especulativo visam, em vez disso, a avançar na compreensão do santuário mais íntimo da Terra e sua relação com o resto do mundo.
O que se sabe sobre o núcleo da Terra?
O núcleo interno da Terra é como “um planeta dentro de um planeta, então como ele se move é obviamente muito importante”, disse Xiaodong Song, sismólogo da Universidade de Pequim, na China, e autor do estudo.
Em 1936, a sismóloga dinamarquesa Inge Lehmann descobriu que o núcleo externo líquido da Terra envolve um mármore sólido de metal – e isso enganou os cientistas desde então. “É estranho que haja uma bola de ferro sólida flutuando no meio da Terra”, disse John Vidale, sismólogo da Universidade do Sul da Califórnia (EUA), que não participou do estudo.
Os cientistas acham que o núcleo se cristalizou a partir de uma sopa de metal derretido em algum ponto do passado não muito distante da Terra, depois que o inferno interno do planeta esfriou o suficiente.
O núcleo interno não pode ser amostrado diretamente, mas ondas sísmicas energéticas emanadas de terremotos potentes e testes de armas nucleares da era da Guerra Fria se aventuraram por esse território, iluminando algumas de suas propriedades.
Os cientistas suspeitam que essa bola composta principalmente de ferro e níquel tenha 1.520 milhas de comprimento e seja tão quente quanto a superfície do sol.
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Cabo de guerra
Mas essas ondas também criaram um enigma. Se o núcleo fosse inerte, as viagens das ondas de mergulho do núcleo provenientes de terremotos e explosões nucleares quase idênticos nunca mudariam – mas, ao longo do tempo, elas mudam.
Uma explicação: o núcleo interno está girando, desviando essas ondas. Em meados da década de 1990, Song foi um dos primeiros cientistas a sugerir que o núcleo interno pode estar girando a uma velocidade diferente da superfície da Terra. Desde então, os sismólogos encontraram evidências de que a rotação do núcleo interno pode acelerar e desacelerar.
O que está acontecendo? Uma ideia é que duas forças titânicas estão lutando pelo controle do coração do mundo. O campo magnético da Terra, gerado por correntes giratórias de ferro no núcleo externo líquido, está puxando o núcleo interno, fazendo-o girar.
Esse impulso é combatido pelo manto, a camada mucilaginosa acima do núcleo externo e abaixo da crosta terrestre, cujo imenso campo gravitacional agarra o núcleo interno e retarda sua rotação.
Ao estudar ondas sísmicas de mergulho de núcleo registradas desde a década de 1960 até os dias atuais, Song e Yi Yang, outro sismólogo da Universidade de Pequim e coautor do estudo, postulam que esse tremendo cabo de guerra faz com que o núcleo interno gire para frente e para trás em um ciclo de aproximadamente 70 anos.
Mudança na rotação
No início dos anos 1970, em relação a alguém na superfície da Terra, o núcleo interno não estava girando. A partir de então, o núcleo interno gradualmente girou mais rápido para o leste, eventualmente ultrapassando a velocidade de rotação da superfície da Terra. Posteriormente, a rotação do núcleo interno desacelerou até que sua rotação parecia ter parado em algum momento entre 2009 e 2011.
O núcleo interno agora está começando a girar gradualmente para o oeste em relação à superfície da Terra. Ele provavelmente irá acelerar e desacelerar mais uma vez, atingindo outra aparente paralisação na década de 2040 e completando seu último ciclo de rotação leste-oeste.
Esse ritmo de 70 anos, se existir, pode ter um efeito tangível em partes das vísceras mais profundas da Terra. Mas pode ser também apenas capaz de provocar uma turbulência comparativamente menor perto da superfície - talvez causando mudanças sutis no campo magnético do planeta, ou mesmo ajustando muito ligeiramente a duração de um dia, que geralmente aumenta e diminui em uma fração de um milissegundo a cada seis anos.
Este é apenas um dos vários modelos concorrentes que explicam as viagens erráticas das ondas que atingem o núcleo. Também é possível que a camada mais interna da Terra esteja oscilando. Por outro lado, o núcleo ferroso do planeta pode ter uma superfície metamorfoseante, torcendo quaisquer ondas sísmicas que o perfurem.
“Não importa qual modelo você goste, há alguns dados que discordam dele”, disse Vidale. Devido à sua inacessibilidade, este reino abissal pode escapar para sempre à explicação. “É certamente possível que nunca descubramos”, disse. Mas, acrescentou, “sou um otimista. As peças vão se encaixar algum dia.”