A aranha da bananeira ou armadeira (Phoneutria nigriventer) é relativamente comum no Brasil. Seu corpo tem cerca de cinco centímetros e suas pernas chegam a 15 centímetros. Toda ela é coberta por um pelo grosso, de cor amarronzada. A picada provoca vários sintomas graves, como aumento da pulsação, da pressão sanguínea, alteração da respiração, dores excruciantes e, em alguns casos, morte. Nos homens, o veneno pode provocar também uma ereção que dura algumas horas e é extremamente dolorosa.
E, se esse veneno pudesse, de alguma forma, ser usado para combater a disfunção erétil? Foi essa pergunta que cientistas da Fundação Ezequiel Dias (Funed) se fizeram há duas décadas, quando identificaram a toxina, dando origem a uma importante linha de pesquisa.
Pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), liderados pela bioquímica Maria Elena de Lima, passaram a estudar a toxina, tentando entender, do ponto de vista farmacológico, os mecanismos que levam ao priapismo nos homens picados pela aranha.
Ao longo de quase 20 anos de trabalho, os cientistas conseguiram desenvolver uma molécula sintética, a BZ371A, com propriedades promissoras para o tratamento da impotência e sem os efeitos negativos da toxina. O composto está sendo testado clinicamente em seres humanos e a expectativa é que a nova droga 100% nacional chegue ao mercado até 2027.
“É uma pesquisa inspirada pela nossa biodiversidade, que começa com o estudo do veneno de uma aranha e está perto de gerar um possível medicamento”, diz Maria Elena de Lima, que é professora da UFMG e pesquisadora da Santa Casa de Belo Horizonte. “Nosso trabalho, que é de ciência básica, busca identificar atividades biológicas de interesse nos venenos e detectar potenciais modelos de fármacos para uma ampla gama de doenças.”
Depois de testada com sucesso em animais, a molécula foi patenteada pela UFMG. A patente foi vendida para a Biozeus, empresa brasileira de biotecnologia, responsável por fazer a ponte entre a pesquisa desenvolvida na universidade e a indústria farmacêutica.
O gel de aplicação tópica já foi aprovado em fase 1 de testes clínicos com seres humanos. Essa fase da pesquisa comprovou que o composto não é tóxico. A segunda etapa de testes clínicos em humanos já foi aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
O objetivo da fase 2 é testar a eficácia do novo remédio, que será testado em homens que desenvolveram disfunção erétil após cirurgia de retirada da próstata. Em um teste piloto já realizado, cientistas constataram que a aplicação tópica do BZ371A resulta na vasodilatação e no aumento do fluxo sanguíneo no pênis.
Na etapa seguinte, a fase 3, os testes são feitos em um número significativo de pessoas. Somente com a conclusão da fase 3 o fármaco pode ser validado como medicamento.
A ideia inicial dos desenvolvedores é que o novo fármaco atenda homens com disfunção erétil que, por algum motivo, não possam fazer uso dos medicamentos hoje disponíveis no mercado. Os remédios de uso oral funcionam para 70% dos pacientes.
Outros 30%, sobretudo hipertensos ou com diabetes grave, têm alguma contraindicação por causa de efeitos colaterais como hipotensão, desmaio e dor de cabeça. Os remédios também não são eficientes naqueles pacientes que desenvolveram a disfunção erétil em razão da retirada da próstata.
Diretor-executivo da Biozeus, o médico Paulo Lacativa diz que, em razão dos estigmas que cercam a questão sexual, muitos homens optam por protelar a cirurgia de retirada da próstata ou mesmo não fazê-la por medo da disfunção erétil. “A medicação deve favorecer o tratamento do câncer de próstata”, acredita Lacativa.
Os pesquisadores destacam ainda as vantagens de um medicamento de uso tópico. “Até o momento, os testes demonstraram que o composto funciona com a aplicação de uma quantidade mínima e sem nenhuma toxicidade, já que praticamente não é detectado na corrente sanguínea”, ressalta Maria Elena.
“A grande vantagem é que a aprovação de medicamentos tópicos costuma ser bem mais rápida em razão da menor possibilidade de apresentarem efeitos adversos.”
No estudo de fase 1, a segurança da aplicação tópica do novo medicamento também foi testada em mulheres, abrindo a possibilidade para o desenvolvimento de uma medicação para o tratamento da disfunção sexual feminina. Um pedido de autorização para um estudo de fase 2 apenas em mulheres já foi encaminhado à Anvisa.
Segundo Paulo Lacativa, 23% das mulheres sofrem de transtorno de excitação, que seria o equivalente feminino da disfunção erétil: o corpo não responde aos estímulos sexuais. “O aumento do fluxo sanguíneo local (com a aplicação do gel) e da vascularização em mulheres foi comprovado em estudos anteriores e pode ser uma oportunidade a ser explorada pela Biozeus num futuro próximo”, conta.
O diretor-executivo da Biozeus está tão confiante na aprovação que já batizou seus novos produtos. O gel destinado aos homens se chama Herox; já o produto para as mulheres, Aphra.
“Será a primeira vez que uma descoberta da universidade brasileira resulta em uma medicação desenvolvida para todo o mundo”, frisa Lacativa. “Acreditamos que esse caso bem sucedido, conduzido por brasileiros, no Brasil, e com repercussão mundial, pode ser capaz de mudar todo o ecossistema de inovação em fármacos no País.”
Maria Elena ressalta a importância da preservação da biodiversidade do País. “O trabalho ajuda a demonstrar por que a nossa fauna deve ser preservada: ela é uma fonte inesgotável de moléculas bioativas e não conhecemos nem 1% desse potencial.”