Goste de astronomia ou não, é muito provável que você já tenha lido alguma coisa sobre a "Super Lua". Todo ano a história é a mesma: agências de notícias divulgam matérias sobre o assunto, que logo se espalham pelas redes sociais e sites de todo o mundo.
Eu já escrevi sobre a "Super Lua" aqui no Telescópio na minha coluna de estreia, no final de 2016. De lá pra cá, já tivemos mais 5 "Super Luas" em apenas 14 meses! Não preciso frisar que este não é um fenômeno especial, nem raro. O fato dele se repetir todos os anos acaba tornando-o desinteressante.
Mas, se as "Super Luas" são comuns, por que continuam a povoar nossas timelines? Acontece que algumas delas acabam apresentando alguma curiosidade ou coincidência que as diferenciam das demais. É exatamente o caso da Lua Cheia da próxima quarta.
Até a NASA tem falado disso, chamando a Lua Cheia da próxima quarta-feira, 31 de Janeiro, de "Super Lua Azul Sangrenta". Mas apesar do nome pomposo, será uma Lua Cheia bastante comum e acinzentada, pelo menos para nós brasileiros.
Mais perto que o normal
Vamos começar com o termo "Super Lua". Para ser bastante breve, é apenas uma coincidência da data da Lua Cheia com a passagem da Lua pelo perigeu, o ponto mais próximo da órbita de Lua em torno da Terra. Por algum motivo, essa ocorrência alcançou o status de atração astronômica nos últimos anos.
A "Super Lua" pode ser até 30% mais brilhante que uma Lua Cheia afastada da Terra, mas a diferença é quase imperceptível para um observador desavisado. Tampouco ela aparece maior no céu; o acréscimo em tamanho só é percebido quando comparamos fotografias tiradas com a Lua Cheia a diferentes distâncias da Terra.
Por isso, é comum ver os astrônomos torcer o nariz quando o tópico da "Super Lua" é apresentado. Trata-se de mais uma Lua Cheia, apenas um pouco mais perto do que o normal. Para saber mais detalhes sobre a "Super Lua", recomendo a leitura do post inaugural deste blog.
Sangue no céu
O termo "Lua de Sangue" também não faz muito sucesso nos círculos astronômicos, mas pelo menos faz referência a um evento claramente perceptível: a coloração avermelhada que a Lua adquire durante um eclipse lunar total.
O fato da Lua ficar avermelhada durante um eclipse é conhecido há milênios, e provocava verdadeiro terror em nossos antepassados. Praticamente todas as culturas do mundo têm relatos dos rituais executados durante os eclipses lunares.
Os incas, por exemplo, acreditavam que um jaguar cósmico estava devorando a Lua, e faziam uma algazarra para espantar o suposto felino. A explicação científica é menos dramática, mas ainda impressionante.
No eclipse, a Lua atravessa a enorme sombra que a Terra projeta no espaço. Mas mesmo no auge da sombra, a Lua ainda recebe um pouco da luz do Sol, desviada pela atmosfera terrestre, que atua como se fosse uma lente. A refração é maior para os comprimentos de onda mais longos, que na luz visível corresponde aos tons de vermelho. Daí a coloração encarnada que Lua atinge em seus eclipses totais.
Por razões desconhecidas, a referência ao sangue ficou mais popular no século atual, e agora qualquer eclipse lunar total carrega essa referência. Notas de imprensa publicadas pelas agências de notícias e até mesmo pela NASA, que a maioria das pessoas considera a autoridade suprema em assuntos espaciais, colaboram para disseminar esse apelido que desagrada boa parte dos astrônomos que tenho contato.
Um "Super" Eclipse
O fato é que em 31 de Janeiro teremos sim uma Lua de San ... ops, um Eclipse Lunar Total. Porém, o eclipse não poderá ser visto do Brasil, pois quando a Lua começar a entrar na sombra da Terra já vai ser dia claro aqui. O auge é as 11:29 da manhã de 31/1, quando a única coisa visível no céu será o Sol, isso se as nuvens deixarem!
Se você estava fazendo planos especiais para este dia, não fique triste. Poderemos presenciar um eclipse lunar daqui a 6 meses, em 27 de Julho, quando a Lua já vai aparecer nos céus brasileiros totalmente avermelhada.
Não será uma "Super Lua", mas não fique chateado, não faz diferença nenhuma. O fato do eclipse acontecer durante uma "Super Lua" não significa nada. A diferença de brilho ou tamanho é imperceptível a olho nu.
Do outro lado do espectro
Mas a história não termina aqui. A Lua Cheia da quarta ainda tem mais um adjetivo colorido: será uma "Lua Azul". Que confusão! Como pode algo ser azul e vermelho ao mesmo tempo?!?
Se você está esperando uma Lua de cor azulada no céu, prepare-se para outra decepção. Obviamente, a Lua não vai mudar de cor. O termo "Lua Azul" tem raiz na lnglaterra Medieval, e faz referência a acontecimentos pouco prováveis. Até hoje, a expressão "Once in a Blue Moon" é usada na língua inglesa para indicar eventos raros.
Nas efemérides astronômicas, a referência mais antiga da "Lua Azul" faz menção à quarta Lua Cheia numa mesma estação, sugestão que apareceu no final do século XIX através da publicação norte-americana "Maine Farmers Almanac".
Normalmente, numa estação do ano ocorrem 3 Luas Cheias. Isso porquê uma estação do ano tem cerca de 3 meses de duração, e o período entre duas Luas Cheias, a chamada lunação, é de 29 dias e meio. Então, numa estação normalmente só "cabem" 3 Luas Cheias.
Porém, essa pequena diferença entre a lunação e a duração das estações do ano vai se acumulando ao longo dos anos, até o momento em que logo no início de uma estação já acontece uma Lua Cheia. Assim, acaba havendo tempo suficiente para que no final da mesma estação aconteça mais uma Lua Cheia, a quarta numa mesma estação. Algo curioso, mas que nem é tão raro assim. Uma "Lua Azul Sazonal" acontece a cada 2 ou 3 anos, sem periodicidade exata.
referenceMas a "Lua Azul" da quarta é de uma outra espécie. Em 1946, a revista de astronomia Sky and Telescope publicou uma matéria com uma interpretação alternativa da definição do Almanaque dos Fazendeiros. O autor, James Pruett, entendeu que uma segunda Lua Cheia num mesmo mês do calendário também seria uma "Lua Azul".
Assim, sempre que temos duas Luas Cheias num mesmo mês, chamamos a segunda Lua Cheia de "Lua Azul". Tampouco é um acontecimento incomum, acontecendo a cada 2 ou 3 anos e às vezes até em anos consecutivos. Este ano, teremos duas "Luas Azuis de Calendário": uma na quarta 31/1 e a outra no último dia de março.
Raras coincidências
Embora seja apenas uma coincidência oriunda da construção do nosso calendário, existem alguns aspectos interessantes de "Lua Azul". De fato, algumas são mais raras que as outras. Por exemplo, a "Lua Azul" de 31 de março próximo será uma "Lua Azul Dupla", a segunda "Lua Azul" num mesmo ano, e isso só acontece de 4 a 5 vezes por século. A última foi em 1999 e a próxima será em 2037.
O tipo de "Lua Azul" mais raro é aquele em que coincide com o dia 31 de dezembro. Essa coincidência é chamada ciclo metônico, que dura aproximadamente 19 anos e é conhecido desde a antiguidade. Curiosamente, as "Luas Azuis" dos ciclos metônicos geralmente coincidem com eclipses lunares.
Na última "Lua Azul" metônica, em 2009, houve um eclipse parcial da Lua, e na próxima, em 2028, teremos um eclipse lunar total! Mas nenhuma das duas foi ou será uma "Super Lua". Não que isso faça diferença.
A Lua que inspira
Coincidências à parte, a Lua Azul é um tema astronômico popular, bastante explorado pela indústria cultural. No desenho animado dos Smurfs, por exemplo, o portal que liga a vila dos Smurfs a Nova York é aberto durante "Lua Azul".
Na música, existem muitos álbuns e canções com este nome. Uma das mais conhecidas é a balada composta por Richard Rogers e Lorenza Hart, e consagrada nas vozes de intérpretes imortais como Billie Holliday, Frank Sinatra e Elvis Presley. Uma das versões que mais gosto é a gravada por Cesar Camargo Mariano em seu álbum A Todas as Amizades, de 1983.
O mais intrigante de tudo é que a Lua pode sim parecer azul, mas por razões que não envolvem os calendários. Assim como os gases da atmosfera da Terra refratam a luz do Sol e deixam a Lua vermelha durante o eclipse, as partículas de poeira também podem atuar de maneira parecida e espalhar apenas a luz vermelha, deixando a Lua com aparência azulada.
É algo incomum, pois é necessário que as partículas tenham tamanho da ordem do comprimento de onda da luz vermelha (cerca de 0,7 mícrons), sem a presença de partículas menores.
Na história, há registros de ocorrência da Lua Azulada após incêndios florestais e erupções vulcânicas intensas como a de Krakatoa em 1883, St. Helens em 1980 e Pinatubo em 1991.
Apesar de tudo, eventos como uma "Super Lua Azul" são oportunidades excelentes para olhar para o céu e pensar no quanto que nossa cultura e história é influenciada pelo nosso vizinho mais próximo. De alguma maneira, estamos nos conectando com nossos antepassados, próximos e distantes, unidos pelo encantamento de uma singela noite de luar.