A 19ª vítima


Na volta pra casa de Letícia Vieira, 15, havia a chacina de Osasco

Por Vitor Hugo Brandalise

Chegam a passos miúdos e, um a um, vão fazendo o sinal da cruz. É um grupo de 17 pessoas, que se acomoda bem na frente do altar. Faz frio nesta noite de quarta-feira, e a igreja de Nossa Senhora da Lapa, na zona oeste de São Paulo, está quase vazia.

“Queridos irmãos e irmãs, a celebração de hoje, 2 de setembro de 2015, será pela alma de Letícia Vieira Hillenbrand da Silva. Que a graça de Deus esteja com vocês.”

É a missa de sétimo dia de Letícia, que tinha 15 anos quando morreu, em 26 de agosto. Não era o caso de o padre contar ali no púlpito as circunstâncias da morte, mas faz dias que aquele povo que veio rezar por ela, as 17 pessoas que só podiam ser família, não pensam em outra coisa. Baleada na barriga perto de casa, às nove da noite, numa rua da periferia de Osasco. Ficou por um fio no hospital e, sempre que esteve lúcida, disse à mãe que melhoraria. Mas não resistiu a uma infecção causada pela bala e morreu após 13 dias no hospital. Letícia então ficou conhecida assim: 19.ª vítima e única mulher morta na maior chacina da história de São Paulo, em Osasco e Barueri, em 13 de agosto.

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 Foto: ARQUIVO PESSOAL

Agora é hora de rezar por ela. “Vamos, primeiro, pedir perdão pelos nossos pecados”, prossegue o padre. Outras 40 pessoas ocupam a igreja, entre amigos da garota e fiéis que vieram à missa das sete na Lapa - “longe, mas era a que abria depois do expediente”, explicou um parente de Letícia. Não havia mais ninguém da imprensa ali. Às vezes se faz um cercadinho para jornalistas nas laterais da igreja, mas não nesse caso.

Na fileira da frente estão mãe, pai, uma tia. Não dão entrevistas, têm medo. É compreensível: nessa semana, testemunhas que depuseram contra PMs suspeitos da chacina tiveram suas identidades expostas e foram ameaçadas de morte. “Ainda ninguém sabe qual é a raiz disso, então ninguém vai falar. A Letícia morreu, mas queremos que nossa vida siga”, disse o parente. 

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Uma pasta de plástico rosa com fotos da garota circula pela igreja, homenagem dos pais à vida que ela teve. Letícia no balé, segurando as sapatilhas com o sorriso branco e aberto que, segundo uma amiga, “não tirava da cara”. Veste-se de princesa numa peça de teatro, com uma longa trança nos cabelos pretos. Apoia-se em uma cadeira de vime, com uma coroa de flores brancas na cabeça, mandando um beijo para a câmera. Certa vez, a mãe contratou um fotógrafo para fazer esse book. Empenhava-se em registrar os momentos da filha única.

Até o dia 13 de agosto, Letícia estudava na Escola Estadual Aureliano Leite, na Vila Menk, em Osasco - a quatro quadras da rua onde foi baleada. Era aluna do primeiro ano e começava a pensar no que faria depois. Queria ser professora. “Ela falava em comprar um apartamento e morar sozinha”, contou Letícia Souza, sua xará e colega de classe. “Mas antes ela queria ir pra Disney.”

Em janeiro, Letícia conseguiu autorização da mãe para ir a shows. “Ela ficou tão feliz. Samba e sertanejo era com ela”, contou a amiga. “Falou em aprender a tocar um instrumento. Mas não deu tempo.”

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Na noite da chacina, a adolescente voltava pra casa após visitar uma colega, quando um carro desceu a rua disparando a esmo. Baleou a Letícia e uma outra mulher (no pé), ambas na calçada. Socorrida por um rapaz, pediu que ligasse a uma amiga da família, que correu acudir. Encontrou a garota acordada. “Ela disse que o tiro ardia, mas que logo passaria”, contou essa amiga, que pediu anonimato. “Isso é que dói: ela nunca acreditou que iria morrer.”

Letícia foi levada a um posto de saúde. “Quando chegamos vi oito pessoas mortas. Aí entendi que era chacina”, lembrou a amiga. Às 23h daquele dia, Letícia deu entrada no Hospital Regional de Osasco, com o fígado e o intestino perfurados e a bala alojada na medula. A mãe, agora sentada na primeira fileira da igreja da Lapa, passou o tempo que pôde com a filha na UTI. 

“A essa altura, com certeza, Letícia está diante de Deus fazendo a prestação de contas da sua missão aqui nesta terra”, avança o padre, pouco antes de chegar à bênção final. Não fez menção à prestação de contas dos assassinos da Letícia. Que, por enquanto, é a seguinte: um policial da Rota foi preso e outros 18 PMs e quatro guardas civis são suspeitos. A hipótese é que a chacina tenha sido por vingança pela morte de um PM em Barueri. Em crimes desse tipo, segundo a polícia civil, tiros aleatórios como o que matou Letícia servem para “atemorizar”. Passados 24 dias da chacina, aqui nesta terra, é assim que as coisas estão.

Chegam a passos miúdos e, um a um, vão fazendo o sinal da cruz. É um grupo de 17 pessoas, que se acomoda bem na frente do altar. Faz frio nesta noite de quarta-feira, e a igreja de Nossa Senhora da Lapa, na zona oeste de São Paulo, está quase vazia.

“Queridos irmãos e irmãs, a celebração de hoje, 2 de setembro de 2015, será pela alma de Letícia Vieira Hillenbrand da Silva. Que a graça de Deus esteja com vocês.”

É a missa de sétimo dia de Letícia, que tinha 15 anos quando morreu, em 26 de agosto. Não era o caso de o padre contar ali no púlpito as circunstâncias da morte, mas faz dias que aquele povo que veio rezar por ela, as 17 pessoas que só podiam ser família, não pensam em outra coisa. Baleada na barriga perto de casa, às nove da noite, numa rua da periferia de Osasco. Ficou por um fio no hospital e, sempre que esteve lúcida, disse à mãe que melhoraria. Mas não resistiu a uma infecção causada pela bala e morreu após 13 dias no hospital. Letícia então ficou conhecida assim: 19.ª vítima e única mulher morta na maior chacina da história de São Paulo, em Osasco e Barueri, em 13 de agosto.

 Foto: ARQUIVO PESSOAL

Agora é hora de rezar por ela. “Vamos, primeiro, pedir perdão pelos nossos pecados”, prossegue o padre. Outras 40 pessoas ocupam a igreja, entre amigos da garota e fiéis que vieram à missa das sete na Lapa - “longe, mas era a que abria depois do expediente”, explicou um parente de Letícia. Não havia mais ninguém da imprensa ali. Às vezes se faz um cercadinho para jornalistas nas laterais da igreja, mas não nesse caso.

Na fileira da frente estão mãe, pai, uma tia. Não dão entrevistas, têm medo. É compreensível: nessa semana, testemunhas que depuseram contra PMs suspeitos da chacina tiveram suas identidades expostas e foram ameaçadas de morte. “Ainda ninguém sabe qual é a raiz disso, então ninguém vai falar. A Letícia morreu, mas queremos que nossa vida siga”, disse o parente. 

Uma pasta de plástico rosa com fotos da garota circula pela igreja, homenagem dos pais à vida que ela teve. Letícia no balé, segurando as sapatilhas com o sorriso branco e aberto que, segundo uma amiga, “não tirava da cara”. Veste-se de princesa numa peça de teatro, com uma longa trança nos cabelos pretos. Apoia-se em uma cadeira de vime, com uma coroa de flores brancas na cabeça, mandando um beijo para a câmera. Certa vez, a mãe contratou um fotógrafo para fazer esse book. Empenhava-se em registrar os momentos da filha única.

Até o dia 13 de agosto, Letícia estudava na Escola Estadual Aureliano Leite, na Vila Menk, em Osasco - a quatro quadras da rua onde foi baleada. Era aluna do primeiro ano e começava a pensar no que faria depois. Queria ser professora. “Ela falava em comprar um apartamento e morar sozinha”, contou Letícia Souza, sua xará e colega de classe. “Mas antes ela queria ir pra Disney.”

Em janeiro, Letícia conseguiu autorização da mãe para ir a shows. “Ela ficou tão feliz. Samba e sertanejo era com ela”, contou a amiga. “Falou em aprender a tocar um instrumento. Mas não deu tempo.”

Na noite da chacina, a adolescente voltava pra casa após visitar uma colega, quando um carro desceu a rua disparando a esmo. Baleou a Letícia e uma outra mulher (no pé), ambas na calçada. Socorrida por um rapaz, pediu que ligasse a uma amiga da família, que correu acudir. Encontrou a garota acordada. “Ela disse que o tiro ardia, mas que logo passaria”, contou essa amiga, que pediu anonimato. “Isso é que dói: ela nunca acreditou que iria morrer.”

Letícia foi levada a um posto de saúde. “Quando chegamos vi oito pessoas mortas. Aí entendi que era chacina”, lembrou a amiga. Às 23h daquele dia, Letícia deu entrada no Hospital Regional de Osasco, com o fígado e o intestino perfurados e a bala alojada na medula. A mãe, agora sentada na primeira fileira da igreja da Lapa, passou o tempo que pôde com a filha na UTI. 

“A essa altura, com certeza, Letícia está diante de Deus fazendo a prestação de contas da sua missão aqui nesta terra”, avança o padre, pouco antes de chegar à bênção final. Não fez menção à prestação de contas dos assassinos da Letícia. Que, por enquanto, é a seguinte: um policial da Rota foi preso e outros 18 PMs e quatro guardas civis são suspeitos. A hipótese é que a chacina tenha sido por vingança pela morte de um PM em Barueri. Em crimes desse tipo, segundo a polícia civil, tiros aleatórios como o que matou Letícia servem para “atemorizar”. Passados 24 dias da chacina, aqui nesta terra, é assim que as coisas estão.

Chegam a passos miúdos e, um a um, vão fazendo o sinal da cruz. É um grupo de 17 pessoas, que se acomoda bem na frente do altar. Faz frio nesta noite de quarta-feira, e a igreja de Nossa Senhora da Lapa, na zona oeste de São Paulo, está quase vazia.

“Queridos irmãos e irmãs, a celebração de hoje, 2 de setembro de 2015, será pela alma de Letícia Vieira Hillenbrand da Silva. Que a graça de Deus esteja com vocês.”

É a missa de sétimo dia de Letícia, que tinha 15 anos quando morreu, em 26 de agosto. Não era o caso de o padre contar ali no púlpito as circunstâncias da morte, mas faz dias que aquele povo que veio rezar por ela, as 17 pessoas que só podiam ser família, não pensam em outra coisa. Baleada na barriga perto de casa, às nove da noite, numa rua da periferia de Osasco. Ficou por um fio no hospital e, sempre que esteve lúcida, disse à mãe que melhoraria. Mas não resistiu a uma infecção causada pela bala e morreu após 13 dias no hospital. Letícia então ficou conhecida assim: 19.ª vítima e única mulher morta na maior chacina da história de São Paulo, em Osasco e Barueri, em 13 de agosto.

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Agora é hora de rezar por ela. “Vamos, primeiro, pedir perdão pelos nossos pecados”, prossegue o padre. Outras 40 pessoas ocupam a igreja, entre amigos da garota e fiéis que vieram à missa das sete na Lapa - “longe, mas era a que abria depois do expediente”, explicou um parente de Letícia. Não havia mais ninguém da imprensa ali. Às vezes se faz um cercadinho para jornalistas nas laterais da igreja, mas não nesse caso.

Na fileira da frente estão mãe, pai, uma tia. Não dão entrevistas, têm medo. É compreensível: nessa semana, testemunhas que depuseram contra PMs suspeitos da chacina tiveram suas identidades expostas e foram ameaçadas de morte. “Ainda ninguém sabe qual é a raiz disso, então ninguém vai falar. A Letícia morreu, mas queremos que nossa vida siga”, disse o parente. 

Uma pasta de plástico rosa com fotos da garota circula pela igreja, homenagem dos pais à vida que ela teve. Letícia no balé, segurando as sapatilhas com o sorriso branco e aberto que, segundo uma amiga, “não tirava da cara”. Veste-se de princesa numa peça de teatro, com uma longa trança nos cabelos pretos. Apoia-se em uma cadeira de vime, com uma coroa de flores brancas na cabeça, mandando um beijo para a câmera. Certa vez, a mãe contratou um fotógrafo para fazer esse book. Empenhava-se em registrar os momentos da filha única.

Até o dia 13 de agosto, Letícia estudava na Escola Estadual Aureliano Leite, na Vila Menk, em Osasco - a quatro quadras da rua onde foi baleada. Era aluna do primeiro ano e começava a pensar no que faria depois. Queria ser professora. “Ela falava em comprar um apartamento e morar sozinha”, contou Letícia Souza, sua xará e colega de classe. “Mas antes ela queria ir pra Disney.”

Em janeiro, Letícia conseguiu autorização da mãe para ir a shows. “Ela ficou tão feliz. Samba e sertanejo era com ela”, contou a amiga. “Falou em aprender a tocar um instrumento. Mas não deu tempo.”

Na noite da chacina, a adolescente voltava pra casa após visitar uma colega, quando um carro desceu a rua disparando a esmo. Baleou a Letícia e uma outra mulher (no pé), ambas na calçada. Socorrida por um rapaz, pediu que ligasse a uma amiga da família, que correu acudir. Encontrou a garota acordada. “Ela disse que o tiro ardia, mas que logo passaria”, contou essa amiga, que pediu anonimato. “Isso é que dói: ela nunca acreditou que iria morrer.”

Letícia foi levada a um posto de saúde. “Quando chegamos vi oito pessoas mortas. Aí entendi que era chacina”, lembrou a amiga. Às 23h daquele dia, Letícia deu entrada no Hospital Regional de Osasco, com o fígado e o intestino perfurados e a bala alojada na medula. A mãe, agora sentada na primeira fileira da igreja da Lapa, passou o tempo que pôde com a filha na UTI. 

“A essa altura, com certeza, Letícia está diante de Deus fazendo a prestação de contas da sua missão aqui nesta terra”, avança o padre, pouco antes de chegar à bênção final. Não fez menção à prestação de contas dos assassinos da Letícia. Que, por enquanto, é a seguinte: um policial da Rota foi preso e outros 18 PMs e quatro guardas civis são suspeitos. A hipótese é que a chacina tenha sido por vingança pela morte de um PM em Barueri. Em crimes desse tipo, segundo a polícia civil, tiros aleatórios como o que matou Letícia servem para “atemorizar”. Passados 24 dias da chacina, aqui nesta terra, é assim que as coisas estão.

Chegam a passos miúdos e, um a um, vão fazendo o sinal da cruz. É um grupo de 17 pessoas, que se acomoda bem na frente do altar. Faz frio nesta noite de quarta-feira, e a igreja de Nossa Senhora da Lapa, na zona oeste de São Paulo, está quase vazia.

“Queridos irmãos e irmãs, a celebração de hoje, 2 de setembro de 2015, será pela alma de Letícia Vieira Hillenbrand da Silva. Que a graça de Deus esteja com vocês.”

É a missa de sétimo dia de Letícia, que tinha 15 anos quando morreu, em 26 de agosto. Não era o caso de o padre contar ali no púlpito as circunstâncias da morte, mas faz dias que aquele povo que veio rezar por ela, as 17 pessoas que só podiam ser família, não pensam em outra coisa. Baleada na barriga perto de casa, às nove da noite, numa rua da periferia de Osasco. Ficou por um fio no hospital e, sempre que esteve lúcida, disse à mãe que melhoraria. Mas não resistiu a uma infecção causada pela bala e morreu após 13 dias no hospital. Letícia então ficou conhecida assim: 19.ª vítima e única mulher morta na maior chacina da história de São Paulo, em Osasco e Barueri, em 13 de agosto.

 Foto: ARQUIVO PESSOAL

Agora é hora de rezar por ela. “Vamos, primeiro, pedir perdão pelos nossos pecados”, prossegue o padre. Outras 40 pessoas ocupam a igreja, entre amigos da garota e fiéis que vieram à missa das sete na Lapa - “longe, mas era a que abria depois do expediente”, explicou um parente de Letícia. Não havia mais ninguém da imprensa ali. Às vezes se faz um cercadinho para jornalistas nas laterais da igreja, mas não nesse caso.

Na fileira da frente estão mãe, pai, uma tia. Não dão entrevistas, têm medo. É compreensível: nessa semana, testemunhas que depuseram contra PMs suspeitos da chacina tiveram suas identidades expostas e foram ameaçadas de morte. “Ainda ninguém sabe qual é a raiz disso, então ninguém vai falar. A Letícia morreu, mas queremos que nossa vida siga”, disse o parente. 

Uma pasta de plástico rosa com fotos da garota circula pela igreja, homenagem dos pais à vida que ela teve. Letícia no balé, segurando as sapatilhas com o sorriso branco e aberto que, segundo uma amiga, “não tirava da cara”. Veste-se de princesa numa peça de teatro, com uma longa trança nos cabelos pretos. Apoia-se em uma cadeira de vime, com uma coroa de flores brancas na cabeça, mandando um beijo para a câmera. Certa vez, a mãe contratou um fotógrafo para fazer esse book. Empenhava-se em registrar os momentos da filha única.

Até o dia 13 de agosto, Letícia estudava na Escola Estadual Aureliano Leite, na Vila Menk, em Osasco - a quatro quadras da rua onde foi baleada. Era aluna do primeiro ano e começava a pensar no que faria depois. Queria ser professora. “Ela falava em comprar um apartamento e morar sozinha”, contou Letícia Souza, sua xará e colega de classe. “Mas antes ela queria ir pra Disney.”

Em janeiro, Letícia conseguiu autorização da mãe para ir a shows. “Ela ficou tão feliz. Samba e sertanejo era com ela”, contou a amiga. “Falou em aprender a tocar um instrumento. Mas não deu tempo.”

Na noite da chacina, a adolescente voltava pra casa após visitar uma colega, quando um carro desceu a rua disparando a esmo. Baleou a Letícia e uma outra mulher (no pé), ambas na calçada. Socorrida por um rapaz, pediu que ligasse a uma amiga da família, que correu acudir. Encontrou a garota acordada. “Ela disse que o tiro ardia, mas que logo passaria”, contou essa amiga, que pediu anonimato. “Isso é que dói: ela nunca acreditou que iria morrer.”

Letícia foi levada a um posto de saúde. “Quando chegamos vi oito pessoas mortas. Aí entendi que era chacina”, lembrou a amiga. Às 23h daquele dia, Letícia deu entrada no Hospital Regional de Osasco, com o fígado e o intestino perfurados e a bala alojada na medula. A mãe, agora sentada na primeira fileira da igreja da Lapa, passou o tempo que pôde com a filha na UTI. 

“A essa altura, com certeza, Letícia está diante de Deus fazendo a prestação de contas da sua missão aqui nesta terra”, avança o padre, pouco antes de chegar à bênção final. Não fez menção à prestação de contas dos assassinos da Letícia. Que, por enquanto, é a seguinte: um policial da Rota foi preso e outros 18 PMs e quatro guardas civis são suspeitos. A hipótese é que a chacina tenha sido por vingança pela morte de um PM em Barueri. Em crimes desse tipo, segundo a polícia civil, tiros aleatórios como o que matou Letícia servem para “atemorizar”. Passados 24 dias da chacina, aqui nesta terra, é assim que as coisas estão.

Chegam a passos miúdos e, um a um, vão fazendo o sinal da cruz. É um grupo de 17 pessoas, que se acomoda bem na frente do altar. Faz frio nesta noite de quarta-feira, e a igreja de Nossa Senhora da Lapa, na zona oeste de São Paulo, está quase vazia.

“Queridos irmãos e irmãs, a celebração de hoje, 2 de setembro de 2015, será pela alma de Letícia Vieira Hillenbrand da Silva. Que a graça de Deus esteja com vocês.”

É a missa de sétimo dia de Letícia, que tinha 15 anos quando morreu, em 26 de agosto. Não era o caso de o padre contar ali no púlpito as circunstâncias da morte, mas faz dias que aquele povo que veio rezar por ela, as 17 pessoas que só podiam ser família, não pensam em outra coisa. Baleada na barriga perto de casa, às nove da noite, numa rua da periferia de Osasco. Ficou por um fio no hospital e, sempre que esteve lúcida, disse à mãe que melhoraria. Mas não resistiu a uma infecção causada pela bala e morreu após 13 dias no hospital. Letícia então ficou conhecida assim: 19.ª vítima e única mulher morta na maior chacina da história de São Paulo, em Osasco e Barueri, em 13 de agosto.

 Foto: ARQUIVO PESSOAL

Agora é hora de rezar por ela. “Vamos, primeiro, pedir perdão pelos nossos pecados”, prossegue o padre. Outras 40 pessoas ocupam a igreja, entre amigos da garota e fiéis que vieram à missa das sete na Lapa - “longe, mas era a que abria depois do expediente”, explicou um parente de Letícia. Não havia mais ninguém da imprensa ali. Às vezes se faz um cercadinho para jornalistas nas laterais da igreja, mas não nesse caso.

Na fileira da frente estão mãe, pai, uma tia. Não dão entrevistas, têm medo. É compreensível: nessa semana, testemunhas que depuseram contra PMs suspeitos da chacina tiveram suas identidades expostas e foram ameaçadas de morte. “Ainda ninguém sabe qual é a raiz disso, então ninguém vai falar. A Letícia morreu, mas queremos que nossa vida siga”, disse o parente. 

Uma pasta de plástico rosa com fotos da garota circula pela igreja, homenagem dos pais à vida que ela teve. Letícia no balé, segurando as sapatilhas com o sorriso branco e aberto que, segundo uma amiga, “não tirava da cara”. Veste-se de princesa numa peça de teatro, com uma longa trança nos cabelos pretos. Apoia-se em uma cadeira de vime, com uma coroa de flores brancas na cabeça, mandando um beijo para a câmera. Certa vez, a mãe contratou um fotógrafo para fazer esse book. Empenhava-se em registrar os momentos da filha única.

Até o dia 13 de agosto, Letícia estudava na Escola Estadual Aureliano Leite, na Vila Menk, em Osasco - a quatro quadras da rua onde foi baleada. Era aluna do primeiro ano e começava a pensar no que faria depois. Queria ser professora. “Ela falava em comprar um apartamento e morar sozinha”, contou Letícia Souza, sua xará e colega de classe. “Mas antes ela queria ir pra Disney.”

Em janeiro, Letícia conseguiu autorização da mãe para ir a shows. “Ela ficou tão feliz. Samba e sertanejo era com ela”, contou a amiga. “Falou em aprender a tocar um instrumento. Mas não deu tempo.”

Na noite da chacina, a adolescente voltava pra casa após visitar uma colega, quando um carro desceu a rua disparando a esmo. Baleou a Letícia e uma outra mulher (no pé), ambas na calçada. Socorrida por um rapaz, pediu que ligasse a uma amiga da família, que correu acudir. Encontrou a garota acordada. “Ela disse que o tiro ardia, mas que logo passaria”, contou essa amiga, que pediu anonimato. “Isso é que dói: ela nunca acreditou que iria morrer.”

Letícia foi levada a um posto de saúde. “Quando chegamos vi oito pessoas mortas. Aí entendi que era chacina”, lembrou a amiga. Às 23h daquele dia, Letícia deu entrada no Hospital Regional de Osasco, com o fígado e o intestino perfurados e a bala alojada na medula. A mãe, agora sentada na primeira fileira da igreja da Lapa, passou o tempo que pôde com a filha na UTI. 

“A essa altura, com certeza, Letícia está diante de Deus fazendo a prestação de contas da sua missão aqui nesta terra”, avança o padre, pouco antes de chegar à bênção final. Não fez menção à prestação de contas dos assassinos da Letícia. Que, por enquanto, é a seguinte: um policial da Rota foi preso e outros 18 PMs e quatro guardas civis são suspeitos. A hipótese é que a chacina tenha sido por vingança pela morte de um PM em Barueri. Em crimes desse tipo, segundo a polícia civil, tiros aleatórios como o que matou Letícia servem para “atemorizar”. Passados 24 dias da chacina, aqui nesta terra, é assim que as coisas estão.

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