O jovem historiador judeu australiano Ben Urwand teve a ideia de escrever um livro sobre os gostos do cinéfilo Hitler com base nas fichas de suas atividades diárias: toda noite o Führer assistia à projeção privada de um ou dois filmes, avaliando-os sumariamente. Mas ao ler uma entrevista do roteirista Budd Schulberg em que este citava os encontros do produtor Louis Meyer, da MGM, com Georg Gyssling, cônsul alemão em Los Angeles, para discutir cortes nos seus filmes, Urwand mudou o foco da pesquisa.
O foco passou a ser a “colaboração” de Hollywood. Descobriu que a missão de Gyssling era monitorar os grandes estúdios: com livre acesso, assistia às produções em curso e requisitava cortes necessários. Os produtores acatavam para não terem seus produtos excluídos do gordo mercado alemão. A prática teve início quando Carl Laemmle, da Universal, concordou em aparar os “excessos” de Sem Novidade no Front (1930), que acabou proibido na Alemanha após os distúrbios causados pelas S.A. colocando ratos nas salas que o exibiam.
Para poderem interferir na produção de Hollywood, os nazistas se apoiavam numa cláusula do Código de Produção, pela aplicação da qual zelava o católico antissemita Joseph Breen, obrigando os estúdios à “representação justa das nações”. Indignando-se com a menor crítica ao nazismo, Hitler enviava censores para “limpar” os filmes americanos segundo a cláusula: liam os roteiros, acompanhavam as filmagens e pediam a supressão das cenas que “violavam a dignidade do povo alemão”, como a presença de judeus.
Os moguls tentavam fundir-se à elite americana, não queriam ser vistos como judeus, temiam o crescimento do antissemitismo nos EUA e atinham-se ao princípio do entretenimento da indústria, evitando politizá-la. Para não terem seus filmes proibidos na Alemanha, acomodaram-se à censura prévia alemã. Segundo Urwand, mesmo após a Noite dos Cristais, 20 filmes americanos foram alterados por oficiais alemães, tendo seus personagens judeus eliminados.
Foi Charles Chaplin, que não era judeu, quem ousou dar uma lição a Hitler e aos acovardados moguls, produzindo, com seu dinheiro, O Grande Ditador (1938-1940). A repercussão de seu engajamento foi tremenda. Jack Warner decidiu também se rebelar e produziu, secretamente, sem o acesso da imprensa e da censura alemã, o primeiro filme antinazista de um grande estúdio: Confissões de um Espião Nazista (1939). Não deixou de ser punido: os nazistas atiraram bombas nos cinemas que o exibiam, o público se afastou das salas, o filme fracassou nas bilheterias e a Warner perdeu o mercado alemão.
Contudo, a eclosão da guerra politizou o público. E os moguls, aconselhados por Roosevelt, liberaram o antinazismo reprimido que engasgava as gavetas dos roteiristas: a Fox lançou Quatro Filhos (1940) e Casei-me com um Nazista (1940); a MGM produziu Tempestades d'Alma (1940) e Escape (1940). Em 1941, os EUA entraram na guerra, e a Alemanha proibiu os filmes americanos. Os estúdios então produziram centenas de filmes antinazistas.
Thomas Doherty, autor de Hollywood and Hitler, estudo profundo sobre o tema publicado simultaneamente ao de Urwand, sem a mesma atenção das mídias, criticou o uso do termo “colaboração” no pacto de Hollywood com Hitler: seria uma difamação a Laemmle, Cohn, Mayer, Fox, Warner, moralmente incomparáveis a Pétain. De fato, a mera submissão lucrativa ao poder nazista não se adequa ao conceito de colaboração. Os magnatas de Hollywood não eram traidores da pátria nem entusiastas do nazismo, como os colaboracionistas franceses. Apropriando-se de um conceito de outro contexto, Urwand o torna impreciso. E só poderíamos falar em “colaboração” (na verdade, covardia e ganância) entre 1933 e 1938; a partir de 1939 a tese deixa de ser válida.
O sensacionalismo de Urwand manifestou-se até histericamente quando ele relatou ao The New York Times ter gritado dentro de um arquivo ao ler que Jack Warner viajou em 1945 num iate que teria pertencido a Hitler, durante uma missão de negócios após a guerra. Porque gritar ao saber disso? Toda a Alemanha havia pertencido a Hitler e a viagem incluía visitas a campos de concentração, para que os produtores entendessem o Holocausto e refletissem sobre o papel da indústria no pós-guerra.
Faltou a Urwand uma perspectiva mais equilibrada, que incluísse o antinazismo secreto das produções hollywoodianas dirigidas pelos cineastas da “Weimar no exílio” (Jean-Michel Palmier); o boicote de Hollywood a Leni Riefenstahl e aos filmes de propaganda nazista; etc. Ao lado da “colaboração” havia a “resistência” dos artistas engajados, que não se calavam sob o tacão da censura nazista, inventando novas formas de denúncia política em imagens.
O acento exclusivo na “colaboração” pode até reforçar, involuntariamente, certo antissemitismo. Levado por sua obsessão, Urwand deixa escapar, num ato falho, seu conceito de Hitler como “o indivíduo mais importante do século 20”. Poderíamos sugerir-lhe outros nomes em diversas áreas de atuação: Churchill, Roosevelt, Einstein, Sartre, Picasso, Chaplin, Hitchcock...
Os exageros de Urwand não invalidam sua pesquisa, como quer Mark Horowitz ao escrever na revista eletrônica Tablet: “Este não é simplesmente um livro idiota; é um livro profundamente problemático, e mesmo potencialmente perigoso.” David Mikics, que escreveu na mesma Tablet uma resenha entusiasmada do livro, viu-se obrigado a contestar Horowitz numa resposta correta. Mas Horowitz não estava 100% errado. O tom bombástico do livro de Urwand sacrificou a complexidade da questão pela busca do maior número de leitores, caindo no mesmo erro de que acusava os moguls...
A despeito de suas fraquezas teóricas, Urwand traz à luz documentos importantes e uma tese em parte verdadeira: até 1939 nenhum filme abertamente antinazista foi produzido pelos grandes estúdios. Horowitz não pode contestar esse fato e sua defesa dos produtores é pífia. A colaboração merece ser lido para o conhecimento das relações perigosas entre os empresários e o poder fascista, servindo de lição aos moguls do presente, que ainda insistem em apoiar, aqui e agora, projetos neofascistas de destruição.”.