A vida é dialética; as ideias estão em constante luta umas com as outras. Durante um tempo, a sociedade fica mais pra cá, arrojada, derrubando tradições. Depois, o pêndulo vai pra lá – pra tempos mais comportados. Depende do cansaço de uma filosofia para outra entrar atropelando.
Veja os loucos anos 1920: festas, uísque de milho, o nascimento do jazz, decotes - a mulher mais libertária. Cubismo, dadaísmo, surrealismo. Semana de Arte Moderna. Um sujeito progressista diria “agora é ladeira acima”.
Só que não: os anos 50 foram de caretice e Sucrilhos. Tinha tido o crack da bolsa em 29, a Segunda Guerra Mundial - e alguma coisa precisava mudar. Aí a sociedade foi para o lado contrário: mulheres felizes como donas de casa, homens de terno cinza. E 2,3 filhos brancos, todos cis. Vieram os anos 60, outra negação do período anterior: festas de monte, Beatles, Stones, Cream, Woodstock, os hippies – pra encaretar na década de 90, com yuppies ganhando dinheiro a rodo na bolsa e ouvindo Mariah Carey.
Digo tudo isso porque estamos prestes a outra virada: o fim da cultura woke. Quando o pensamento surgiu, tinha valor - uma espécie de despertar, de estar consciente sobre os temas sociais e políticos, especialmente o racismo. Porém, com o tempo, essa ideia nobre degringolou. Criticando a partir de seus celulares, os wokes entraram em combate contra tudo que fosse, na visão deles, ofensivo. Claro que desse movimento surgiram questões como a discussão de gênero, o empoderamento da mulher, o combate ao etarismo, o respeito – causas valiosas. Só que virou um patrulhamento estilo Big Brother (o do livro).
Pois bem: ninguém aguenta mais ser patrulhado. Principalmente se quem critica ainda não fez nada na vida. Ou se o comportamento é da boca pra fora – façam o que eu digo, não façam o que eu faço. Os wokes condenam sem direito de defesa, um retrocesso civilizatório que nos joga lá na inquisição da Idade Média. O que surgiu como causa nobre acabou gestando um oportunismo social, onde pessoas e empresas detectam uma possibilidade de lacrar – e, mesmo não tendo nenhuma simpatia pelas causas, pulam na briga porque ganham seguidores.
Para termos uma ideia da chatice que isso aqui se tornou, basta ver o projeto do novo Branca de Neve. Não vai ter anão porque não pode. Não vai ter maçã envenenada porque o agro reclama. Não vai ter Rainha Má porque maldade não existe no mundo woke. Também não existe mais gente feia: a Rainha (que não é mais má) pergunta: “espelho, espelho meu, existe alguém mais justa do que eu?”. Sério: minhas gônadas caíram no chão. Parece que essa ideia de jerico foi descontinuada - sem querer ofender os bichos, claro. Não quero ser cancelado pelos amigos dos jericos, jumentos, asnos e perissodáctilos em geral.
Mas, então, o que fica no lugar do politicamente correto? Porque há chances de vir o contrário da cultura woke: o esculhambo total, com cada um falando o que quer sem ser responsabilizado. Aí esqueça as conquistas dos negros, dos LGTBQIA+, dos mais velhos. Esqueça o respeito. Como é comum aos conservadores, eles vão passar o trator. Literalmente.
Não sei o que vai dar. Como Chacrinha, venho para confundir. Digo o seguinte: a comédia vai ser beneficiada e vai renascer com força. Hoje, um roteirista tem medo de fazer piada porque todo mundo se ofende com pouco. Eu topo o caminho do meio: vamos manter uma cultura de respeito, sem condenar ninguém – mas na comédia pode sair zoando. Estamos com saudade de rir.