A excêntrica relação de amor entre escritores e seus gatos


Com Poe, Balzac e Maupassant, livro reúne o melhor dos contos escritos no exterior sobre os felinos

Por Matheus Lopes Quirino

Na literatura, se houver rixa entre cães e gatos, o primeiro a latir perde. Charmosos, peludos, laranjas, negros, brancos, acinzentados, persas, siameses, vira-latas, os gatos conquistaram espaço em antologias. Escritores como Guimarães Rosa, Ernest Hemingway, W.H. Auden, Elsa Morante e Elisabeth Bishop posaram para fotógrafos segurando seus gatos. Icônicos, retratos de Truman Capote a Carson McCullers figuram a excentricidade desses donos que, dando colo e carinho aos quadrúpedes, exibiam-se fazendo caretas e gestos burlescos.

A escritora americana Patricia Highsmith com seu gato Foto: Gérard Rondeau/Britannica

A independência felina é um trunfo nesses relacionamentos. Entretanto, levar ao pé da letra essa condição é receita para ficção e não-ficção. É o caso de Zano, gato que só não levou o escritor e jornalista Otto Lara Resende a arrancar os bigodes pois ele não os deixava crescer. “Estão comendo muito gato neste Rio de Janeiro. Não é gato por lebre, não. Gato mesmo. Até siamês, como o Zano. Tão bonzinho, tão bonito – a hipótese é absurda. Verdadeira blasfêmia. Aos onze anos, não é bobo. Já conhece o novo endereço e volta. Claro que volta.”, escreveu em sua coluna na Folha de S.Paulo. O sumiço do gato voltou a ser assunto dias depois quando, ainda desaparecido, Otto queixou-se novamente no espaço, já tendo perdido as esperanças. Não sem agradecer as cartas de leitores preocupados com o bichano. 

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O companheirismo instiga reflexões profundas a historietas infantes. O gato é um ser observador. Metáfora do próprio autor, como escreveu William S. Burroughs: “Como todas as criaturas puras, os gatos são práticos”. O autor de Junky realiza uma viagem sentimental acerca de si, em O Gato Por Dentro, ele narra os encontros com gatos que marcaram sua vida, bem como verte a questionamentos filosóficos, apontando também as muitas semelhanças entre homens e felinos. 

É extensa a lista de autores que dedicaram escritos a pequenas criaturas que ronronam, tendo alguns deles se tornado clássicos como A Fase Felina de Maurice, de Edith Nesbit ou Tom Vieiro, de Mark Twain. Tema universal e versátil, discorrer sobre gatos e gatas é como falar da própria vida. Em O Grande Livro dos Gatos (Alfaguara), organizado por Ale Kalko, escritores de grande envergadura contam histórias para além dos próprios bichanos, discorrendo sobre as fantasias criadas através de séculos na Europa e nos Estados Unidos. 

Cânones da literatura, os contos selecionados são pinçados de outras reuniões, tornando o volume um guia atualizado e bem-cuidado. Entretanto, muito se escreveu a respeito de gatos em todo mundo, caindo o escriba muitas vezes na tentação da autoficção, principalmente quando abrange problemas de complexidade humana – mas também não perde comentando com leveza trivialidades do cotidiano. 

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“Para ela a morte não existe, como para nós, gente. Ela é mortal, mas não sabe, logo é imortal”, escreveu o poeta e ensaísta Ferreira Gullar, a respeito de Gatinha, sua escudeira felina, levada a ele pela cantora Adriana Calcanhoto, depois de muita recusa em arrumar uma nova mascote. Após a morte de seu Gatinho, animal já ancião, tendo vivido com o autor do Poema Sujo por 16 anos, Gullar se queixava publicamente da falta do gato, tendo dedicado a ele crônicas, poemas e até livro, Um Gato Chamado Gatinho, em parceria com a ilustradora Angela Lago. 

Ferreira Gullar o considerava um grande amigo. “Comia comida de gente”, escreveu, comentando hábitos mantidos em conjunto, como quando o gato o acordava pela manhã, tornando-se despertador oficial do escritor. Discretos, serenos, elegantes, os gatos muito têm a ver com seus donos. No caso dos escribas, cuja rotina silenciosa é necessária para a criação de suas obras, os felinos se encaixam bem neste estilo de vida, tornando-se imperceptíveis, a vaguear quase como sombras por entre estantes de livros, móveis e ambientes. 

A norte-americana Patricia Higsmith concordaria com o poeta. Uma mulher tão elegante, como avessa a holofotes, dona de uma prolífica obra, a autora de O Talentoso Ripley era uma admiradora de felinos, como escreveu em seu livro Os Gatos: “Gosto de gatos porque eles são elegantes e silenciosos, e têm efeito decorativo; uns leõezinhos razoavelmente dóceis”, defendendo também que eles dão menos trabalho do que os cães. 

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Demandando atenção e apego, a comparação aos cães foi uma sacada utilizada por João Guimarães Rosa, como quando Jânio Quadros esteve na casa do diplomata: “Por que tantos gatos? Geralmente as pessoas preferem cachorros”, perguntou o presidente. E o autor de Sagarana respondeu com astúcia: “Porque os gatos são muitos mais fiéis aos donos. Já os cachorros se parecem com certos diplomatas, abanam o rabo para qualquer autoridade...”. 

Inspiração de grandes talentos, a companhia desses seres é, no mínimo, motivadora para os que, regrados, os escribas se encastelam em busca do onírico, travando batalhas silenciosas com o próprio texto. Quando as ideias falham, surge rompendo o espectral silêncio um ser de olhos diabólicos, garras aterradoras e negro manto. Os gatos pretos, para além da literatura, carregam consigo o estigma do azar. 

Dando ou não má sorte, esses bichanos dividem opiniões. Superstição de séculos, a crendice nasceu na Idade das Trevas, período em que os bichinhos eram afeiçoados a pequenas criaturas malignas, habitantes de terreiros de bruxaria, emissários do próprio mal. E entre inquisições, fogueiras e tacapes, foi no século 15 que o papa Inocêncio VII decidiu incluir os animais na lista de inimigos da fé cristã. Perseguidos na Santa Sé, os gatos debandaram a outras freguesias.

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Como nesse Grande Livro dos Gatos, em que contos antológicos trazem a famosa figura do gato preto, como em Um Gato Brasileiro, de Arthur Conan Doyle, ou no conto homônimo de Edgard Allan Poe. Com requintes de crueldade, o autor divaga sobre a performance do humano cruel ao enforcar seu gato e os desdobramentos do assassinato, mas não sem pontuar “Nossa amizade durou, dessa maneira, muitos anos, durante os quais meu temperamento geral e meu caráter — graças à Diabólica Intemperança — experimentaram (envergonho-me de confessá-lo) alteração radical para pior. Tornava-me dia a dia mais caprichoso, mais irritável, mais indiferente aos sentimentos alheios.”

Um petisco fino em matéria de gatos e letras, a edição estrangeira é mais completa, nela somam-se aos contos poemas e ensaios sobre os bichanos. A reunião de contos de autores estrangeiros dá nova tradução a clássicos como O Gato de Botas, de Charles Perraut, republicando pérolas esquecidas, como Sobre os Gatos, do contista francês Guy de Maupassant.

Na literatura, se houver rixa entre cães e gatos, o primeiro a latir perde. Charmosos, peludos, laranjas, negros, brancos, acinzentados, persas, siameses, vira-latas, os gatos conquistaram espaço em antologias. Escritores como Guimarães Rosa, Ernest Hemingway, W.H. Auden, Elsa Morante e Elisabeth Bishop posaram para fotógrafos segurando seus gatos. Icônicos, retratos de Truman Capote a Carson McCullers figuram a excentricidade desses donos que, dando colo e carinho aos quadrúpedes, exibiam-se fazendo caretas e gestos burlescos.

A escritora americana Patricia Highsmith com seu gato Foto: Gérard Rondeau/Britannica

A independência felina é um trunfo nesses relacionamentos. Entretanto, levar ao pé da letra essa condição é receita para ficção e não-ficção. É o caso de Zano, gato que só não levou o escritor e jornalista Otto Lara Resende a arrancar os bigodes pois ele não os deixava crescer. “Estão comendo muito gato neste Rio de Janeiro. Não é gato por lebre, não. Gato mesmo. Até siamês, como o Zano. Tão bonzinho, tão bonito – a hipótese é absurda. Verdadeira blasfêmia. Aos onze anos, não é bobo. Já conhece o novo endereço e volta. Claro que volta.”, escreveu em sua coluna na Folha de S.Paulo. O sumiço do gato voltou a ser assunto dias depois quando, ainda desaparecido, Otto queixou-se novamente no espaço, já tendo perdido as esperanças. Não sem agradecer as cartas de leitores preocupados com o bichano. 

O companheirismo instiga reflexões profundas a historietas infantes. O gato é um ser observador. Metáfora do próprio autor, como escreveu William S. Burroughs: “Como todas as criaturas puras, os gatos são práticos”. O autor de Junky realiza uma viagem sentimental acerca de si, em O Gato Por Dentro, ele narra os encontros com gatos que marcaram sua vida, bem como verte a questionamentos filosóficos, apontando também as muitas semelhanças entre homens e felinos. 

É extensa a lista de autores que dedicaram escritos a pequenas criaturas que ronronam, tendo alguns deles se tornado clássicos como A Fase Felina de Maurice, de Edith Nesbit ou Tom Vieiro, de Mark Twain. Tema universal e versátil, discorrer sobre gatos e gatas é como falar da própria vida. Em O Grande Livro dos Gatos (Alfaguara), organizado por Ale Kalko, escritores de grande envergadura contam histórias para além dos próprios bichanos, discorrendo sobre as fantasias criadas através de séculos na Europa e nos Estados Unidos. 

Cânones da literatura, os contos selecionados são pinçados de outras reuniões, tornando o volume um guia atualizado e bem-cuidado. Entretanto, muito se escreveu a respeito de gatos em todo mundo, caindo o escriba muitas vezes na tentação da autoficção, principalmente quando abrange problemas de complexidade humana – mas também não perde comentando com leveza trivialidades do cotidiano. 

“Para ela a morte não existe, como para nós, gente. Ela é mortal, mas não sabe, logo é imortal”, escreveu o poeta e ensaísta Ferreira Gullar, a respeito de Gatinha, sua escudeira felina, levada a ele pela cantora Adriana Calcanhoto, depois de muita recusa em arrumar uma nova mascote. Após a morte de seu Gatinho, animal já ancião, tendo vivido com o autor do Poema Sujo por 16 anos, Gullar se queixava publicamente da falta do gato, tendo dedicado a ele crônicas, poemas e até livro, Um Gato Chamado Gatinho, em parceria com a ilustradora Angela Lago. 

Ferreira Gullar o considerava um grande amigo. “Comia comida de gente”, escreveu, comentando hábitos mantidos em conjunto, como quando o gato o acordava pela manhã, tornando-se despertador oficial do escritor. Discretos, serenos, elegantes, os gatos muito têm a ver com seus donos. No caso dos escribas, cuja rotina silenciosa é necessária para a criação de suas obras, os felinos se encaixam bem neste estilo de vida, tornando-se imperceptíveis, a vaguear quase como sombras por entre estantes de livros, móveis e ambientes. 

A norte-americana Patricia Higsmith concordaria com o poeta. Uma mulher tão elegante, como avessa a holofotes, dona de uma prolífica obra, a autora de O Talentoso Ripley era uma admiradora de felinos, como escreveu em seu livro Os Gatos: “Gosto de gatos porque eles são elegantes e silenciosos, e têm efeito decorativo; uns leõezinhos razoavelmente dóceis”, defendendo também que eles dão menos trabalho do que os cães. 

Demandando atenção e apego, a comparação aos cães foi uma sacada utilizada por João Guimarães Rosa, como quando Jânio Quadros esteve na casa do diplomata: “Por que tantos gatos? Geralmente as pessoas preferem cachorros”, perguntou o presidente. E o autor de Sagarana respondeu com astúcia: “Porque os gatos são muitos mais fiéis aos donos. Já os cachorros se parecem com certos diplomatas, abanam o rabo para qualquer autoridade...”. 

Inspiração de grandes talentos, a companhia desses seres é, no mínimo, motivadora para os que, regrados, os escribas se encastelam em busca do onírico, travando batalhas silenciosas com o próprio texto. Quando as ideias falham, surge rompendo o espectral silêncio um ser de olhos diabólicos, garras aterradoras e negro manto. Os gatos pretos, para além da literatura, carregam consigo o estigma do azar. 

Dando ou não má sorte, esses bichanos dividem opiniões. Superstição de séculos, a crendice nasceu na Idade das Trevas, período em que os bichinhos eram afeiçoados a pequenas criaturas malignas, habitantes de terreiros de bruxaria, emissários do próprio mal. E entre inquisições, fogueiras e tacapes, foi no século 15 que o papa Inocêncio VII decidiu incluir os animais na lista de inimigos da fé cristã. Perseguidos na Santa Sé, os gatos debandaram a outras freguesias.

Como nesse Grande Livro dos Gatos, em que contos antológicos trazem a famosa figura do gato preto, como em Um Gato Brasileiro, de Arthur Conan Doyle, ou no conto homônimo de Edgard Allan Poe. Com requintes de crueldade, o autor divaga sobre a performance do humano cruel ao enforcar seu gato e os desdobramentos do assassinato, mas não sem pontuar “Nossa amizade durou, dessa maneira, muitos anos, durante os quais meu temperamento geral e meu caráter — graças à Diabólica Intemperança — experimentaram (envergonho-me de confessá-lo) alteração radical para pior. Tornava-me dia a dia mais caprichoso, mais irritável, mais indiferente aos sentimentos alheios.”

Um petisco fino em matéria de gatos e letras, a edição estrangeira é mais completa, nela somam-se aos contos poemas e ensaios sobre os bichanos. A reunião de contos de autores estrangeiros dá nova tradução a clássicos como O Gato de Botas, de Charles Perraut, republicando pérolas esquecidas, como Sobre os Gatos, do contista francês Guy de Maupassant.

Na literatura, se houver rixa entre cães e gatos, o primeiro a latir perde. Charmosos, peludos, laranjas, negros, brancos, acinzentados, persas, siameses, vira-latas, os gatos conquistaram espaço em antologias. Escritores como Guimarães Rosa, Ernest Hemingway, W.H. Auden, Elsa Morante e Elisabeth Bishop posaram para fotógrafos segurando seus gatos. Icônicos, retratos de Truman Capote a Carson McCullers figuram a excentricidade desses donos que, dando colo e carinho aos quadrúpedes, exibiam-se fazendo caretas e gestos burlescos.

A escritora americana Patricia Highsmith com seu gato Foto: Gérard Rondeau/Britannica

A independência felina é um trunfo nesses relacionamentos. Entretanto, levar ao pé da letra essa condição é receita para ficção e não-ficção. É o caso de Zano, gato que só não levou o escritor e jornalista Otto Lara Resende a arrancar os bigodes pois ele não os deixava crescer. “Estão comendo muito gato neste Rio de Janeiro. Não é gato por lebre, não. Gato mesmo. Até siamês, como o Zano. Tão bonzinho, tão bonito – a hipótese é absurda. Verdadeira blasfêmia. Aos onze anos, não é bobo. Já conhece o novo endereço e volta. Claro que volta.”, escreveu em sua coluna na Folha de S.Paulo. O sumiço do gato voltou a ser assunto dias depois quando, ainda desaparecido, Otto queixou-se novamente no espaço, já tendo perdido as esperanças. Não sem agradecer as cartas de leitores preocupados com o bichano. 

O companheirismo instiga reflexões profundas a historietas infantes. O gato é um ser observador. Metáfora do próprio autor, como escreveu William S. Burroughs: “Como todas as criaturas puras, os gatos são práticos”. O autor de Junky realiza uma viagem sentimental acerca de si, em O Gato Por Dentro, ele narra os encontros com gatos que marcaram sua vida, bem como verte a questionamentos filosóficos, apontando também as muitas semelhanças entre homens e felinos. 

É extensa a lista de autores que dedicaram escritos a pequenas criaturas que ronronam, tendo alguns deles se tornado clássicos como A Fase Felina de Maurice, de Edith Nesbit ou Tom Vieiro, de Mark Twain. Tema universal e versátil, discorrer sobre gatos e gatas é como falar da própria vida. Em O Grande Livro dos Gatos (Alfaguara), organizado por Ale Kalko, escritores de grande envergadura contam histórias para além dos próprios bichanos, discorrendo sobre as fantasias criadas através de séculos na Europa e nos Estados Unidos. 

Cânones da literatura, os contos selecionados são pinçados de outras reuniões, tornando o volume um guia atualizado e bem-cuidado. Entretanto, muito se escreveu a respeito de gatos em todo mundo, caindo o escriba muitas vezes na tentação da autoficção, principalmente quando abrange problemas de complexidade humana – mas também não perde comentando com leveza trivialidades do cotidiano. 

“Para ela a morte não existe, como para nós, gente. Ela é mortal, mas não sabe, logo é imortal”, escreveu o poeta e ensaísta Ferreira Gullar, a respeito de Gatinha, sua escudeira felina, levada a ele pela cantora Adriana Calcanhoto, depois de muita recusa em arrumar uma nova mascote. Após a morte de seu Gatinho, animal já ancião, tendo vivido com o autor do Poema Sujo por 16 anos, Gullar se queixava publicamente da falta do gato, tendo dedicado a ele crônicas, poemas e até livro, Um Gato Chamado Gatinho, em parceria com a ilustradora Angela Lago. 

Ferreira Gullar o considerava um grande amigo. “Comia comida de gente”, escreveu, comentando hábitos mantidos em conjunto, como quando o gato o acordava pela manhã, tornando-se despertador oficial do escritor. Discretos, serenos, elegantes, os gatos muito têm a ver com seus donos. No caso dos escribas, cuja rotina silenciosa é necessária para a criação de suas obras, os felinos se encaixam bem neste estilo de vida, tornando-se imperceptíveis, a vaguear quase como sombras por entre estantes de livros, móveis e ambientes. 

A norte-americana Patricia Higsmith concordaria com o poeta. Uma mulher tão elegante, como avessa a holofotes, dona de uma prolífica obra, a autora de O Talentoso Ripley era uma admiradora de felinos, como escreveu em seu livro Os Gatos: “Gosto de gatos porque eles são elegantes e silenciosos, e têm efeito decorativo; uns leõezinhos razoavelmente dóceis”, defendendo também que eles dão menos trabalho do que os cães. 

Demandando atenção e apego, a comparação aos cães foi uma sacada utilizada por João Guimarães Rosa, como quando Jânio Quadros esteve na casa do diplomata: “Por que tantos gatos? Geralmente as pessoas preferem cachorros”, perguntou o presidente. E o autor de Sagarana respondeu com astúcia: “Porque os gatos são muitos mais fiéis aos donos. Já os cachorros se parecem com certos diplomatas, abanam o rabo para qualquer autoridade...”. 

Inspiração de grandes talentos, a companhia desses seres é, no mínimo, motivadora para os que, regrados, os escribas se encastelam em busca do onírico, travando batalhas silenciosas com o próprio texto. Quando as ideias falham, surge rompendo o espectral silêncio um ser de olhos diabólicos, garras aterradoras e negro manto. Os gatos pretos, para além da literatura, carregam consigo o estigma do azar. 

Dando ou não má sorte, esses bichanos dividem opiniões. Superstição de séculos, a crendice nasceu na Idade das Trevas, período em que os bichinhos eram afeiçoados a pequenas criaturas malignas, habitantes de terreiros de bruxaria, emissários do próprio mal. E entre inquisições, fogueiras e tacapes, foi no século 15 que o papa Inocêncio VII decidiu incluir os animais na lista de inimigos da fé cristã. Perseguidos na Santa Sé, os gatos debandaram a outras freguesias.

Como nesse Grande Livro dos Gatos, em que contos antológicos trazem a famosa figura do gato preto, como em Um Gato Brasileiro, de Arthur Conan Doyle, ou no conto homônimo de Edgard Allan Poe. Com requintes de crueldade, o autor divaga sobre a performance do humano cruel ao enforcar seu gato e os desdobramentos do assassinato, mas não sem pontuar “Nossa amizade durou, dessa maneira, muitos anos, durante os quais meu temperamento geral e meu caráter — graças à Diabólica Intemperança — experimentaram (envergonho-me de confessá-lo) alteração radical para pior. Tornava-me dia a dia mais caprichoso, mais irritável, mais indiferente aos sentimentos alheios.”

Um petisco fino em matéria de gatos e letras, a edição estrangeira é mais completa, nela somam-se aos contos poemas e ensaios sobre os bichanos. A reunião de contos de autores estrangeiros dá nova tradução a clássicos como O Gato de Botas, de Charles Perraut, republicando pérolas esquecidas, como Sobre os Gatos, do contista francês Guy de Maupassant.

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