Ainda faltam 48 dias para 2022 terminar, mas o dicionário de língua inglesa Collins já escolheu a sua Palavra do Ano: “permacrisis”. Válida, sem dúvida, para todo o planeta, permacrise (ou crise permanente) define com rentura qualquer período duradouro de instabilidade, insegurança e ocorrências catastróficas como guerras e crises em geral (financeira, climática, sanitária etc.), como este em que nos atolamos.
Outras palavras deverão surgir nas próximas semanas, selecionadas por lexicógrafos da habitual concorrência (os dicionários Merrian-Webster e Oxford) e publicações de massa como a revista Time. Aguardemos.
Na temporada passada, o Collins cravou “NFT”, sigla em inglês de token criptográfico não fungível (isto é, não intercambiável, único), algo que ainda é grego para a maioria dos brasileiros. Mais empatia despertaram, em anos anteriores, as escolhas de “matrix”, “tsunami”, “austeridade”, “vacina”, “saúde”, “máscara”, “pragmatismo”, “pandemia”, “xenofobia”, “emoji”, “selfie”, “post-truth” (pós-verdade) – além da própria “empatia”.
Pensei que escolher a palavra do ano fosse recreação mais antiga, do início ou meados do século passado, frivolidade cultural da mídia americana. Nada disso; é coisa mais recente. Os alemães, pioneiros nesse gênero de pleito, apresentaram sua primeira “Wort des Jahre” em 1972. E os americanos foram atrás.
Em 1995, venceu “web”, que dispensa tradução, seguida, nos quatro anos seguintes, de expressões derivadas da informática e da web: o prefixo “e-”, “bug” (do milênio), " Y2K”. Até que, na aurora deste século, a derrubada das torres gêmeas e a invasão do Iraque contribuíram com “9-11″ (aqui, “11-9″) e “WMD” (acrônimo, em inglês, de armas de destruição em massa).
A crise econômica de 2008 trouxe à baila duas pérolas do jargão financeiro, “subprime” e “bailout”, que entre nós fizeram menos sucesso que a “marolinha” sacada (e arrefecida) por Lula. Por falar em Lula, uma das concorrentes de “permacrise”, na disputa deste ano, foi “lawfare”, o vale-tudo jurídico por aqui notabilizado pela Lava Jato.
Desconheço os critérios de escolha da palavra do ano, mas, partindo do princípio de que os substantivos de maior circulação na esfera pública têm preferência, esbocei um pequeno glossário que aos dicionários nativos (Aurélio, Houaiss) repasso a leite de pato.
Ei-los, sem ordem preferencial e sem aspas: fascista, eleição, golpe, mito, fake news, patriota, narrativa, corrupção, pastor, ódio, PEC, CPX, CACs, fanatismo, feminicídio, aborto e conciliação. Se permitidos adjetivos, três destaques: robusto, surreal e bizarro.
Por descrer da possibilidade de conciliação com mentecaptos e celerados impenitentes, não incluiria desta vez na lista a palavra harmonia, ainda um devaneio utópico na atual conjuntura, marcada por assassinatos políticos, bandido atirando granadas em polícia, deputada correndo de arma em punho atrás de jornalista no meio da rua, e bolsonazistas flertando com “noites dos cristais” tropicais, imolando-se em para-choques de ônibus, bloqueando estradas e conclamando o Exército para um golpe de Estado – só porque, além do juízo, perderam a eleição.
No lugar da harmonia encaixei a palavra mais bonita da língua, não tanto por sua eufonia, mas por sua pujança semântica, por expressar como nenhuma outra o que todos nós passamos a sentir nas duas últimas semanas: alívio. l