A sedução perversa de Dalton Trevisan


Autor volta a abordar a sexualidade em textos já publicados e inéditos

Por Redação

Em seu último livro Novos Contos Eróticos, Trevisan retoma alguns contos anteriormente publicados (Macho Não Ganha Flor, O Maníaco do Olho Verde, Capitu Sou Eu, etc.) e a eles acrescenta inéditos. Por que retomar? Porque os contos compõem o tema que rege a nova antologia – a sexualidade; porque o autor é cativo dos temas que focaliza: no caso, o sexo forçado, a sexualidade como abuso, como forma de anular o outro, em diferentes modalidades de estupro. Assim, os textos de Dalton Trevisan organizam-se como um jogo de espelhos, que montam e desmontam paralelismos, citações.

Nesse contexto, o mais perturbador é acompanhar a criança na sexualidade forçada, pois aí a desigualdade atinge o ponto máximo, já que ela não chega a ser parceira do jogo sexual, ainda um mistério latejante. Mas o desequilíbrio das partes é regra nessa zona obscura: o professor seduz a aluna, a professora seduz o aluno; o tarado força a moça numa manifestação de sadismo, o padrasto estupra a enteada, juntando tara, sofrimento e alienação, sintomas que se estendem à classe média, média-baixa, curitibana.

O que o autor pretende é apresentar uma amostra crua do perfil humano que força os limites da civilização. A repetição temática anuncia que não há saída e o modo de tratá-la literariamente confirma o beco sem saída. A medida humana está dada através do tema e do tratamento da linguagem sempre concisa que traz à tona o silêncio a que são lançadas as personagens.

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Na vasta obra de Dalton Trevisan há várias antologias. Evidentemente, o recorte de público a que elas se destinam é central na seleção das narrativas. A fidelidade em relação à matéria escolhida (o sofrimento, a amargura, a frustração e a alienação) também é sempre afirmada. Outra evidência: contos já publicados reaparecem.

É o caso de alguns textos nessa antologia que têm por base o erotismo. Mas por que retomar, repetir? O que determina a seleção inerente à antologia de Trevisan? Uma resposta possível diz respeito à fidelidade do autor à matéria escolhida para ser representada (sofrimento, amargura, frustração, alienação, crueldade). Outra fidelidade é a busca de uma linguagem cada vez mais concisa, que beire o silêncio. Há, ainda a resposta clássica do próprio autor:

 “Ora, direis, ele se repete. E eu vos direi, no entanto, como poderia, se cada personagem é baseado numa pessoa diferente?

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Se alguém se repete são elas, essas pessoas iguais, sempre as mesmas. Pô, destino próprio, história única, vida original – não há mais?”.

A antologia de contos eróticos em questão contém um princípio de construção extensivo a outras antologias. A liga temática traz à baila alguns contos já publicados que ressurgem. Incluí-los em nova antologia significa que os contos se mantêm. Postos lado a lado com os últimos, eles dialogam, sustentam sua estatura. E mais: estão suficientemente vivos para reaparecer em outro contexto. Existe nesse trânsito que traz à tona contos anteriormente publicados uma recusa do autor em enxergar o seu conto como um produto acabado, definitivo, fixado. Ele é antes uma peça móvel que, recortada, reinstalada no novo habitat, tem a força de dialogar com os novos contos. Esse processo de ressignificação vem da vida para a literatura e constitui a narrativa como presença, abrindo caminho para o referente na própria página escrita. Assim, ao contar, Trevisan mostra a repetição, o aprisionamento do homem à sua medida.

Quanto ao erotismo dos contos da coletânea em pauta, o autor transforma o leitor em coparticipante da peleja amorosa. Ele é o frestador, o que assiste à cena erótica baseada no desejo de um e na redução do outro a objeto.

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 “Quem eu era: um príncipe? Um matador? Lá na porta uma braçada de giesta sorria toda em flor.

Sim, um matador feliz. E saí depressa pela rua escura. Nesta cidade social você é trombado, roubado e currado em cada esquina.”

Nesse salve-se quem puder, o autor retoma a questão machadiana que indaga se Capitu traiu ou não Bentinho, em Capitu Sou Eu. O título alude à afirmação de Gustave Flaubert, “Bovary c’est moi”, em relação à sua personagem. O conto inicia com a discussão entre uma professora de literatura e seus alunos. Ela defende a personagem e a considera inocente, enquanto um aluno a ataca. Os dois se encontram num dia de chuva e têm um caso por impulso da professora, mais experiente e mais velha. O aluno gosta, mas quer escapar da mulher cheia de vontades. Para mantê-lo, ela escreve um artigo numa revista literária em que considera Capitu culpada, confirmando a posição do aluno.

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O último conto também alude à academia. O orientador da tese Capitu Sem Enigma recebe a aluna em casa e sozinho. O professor logo ataca a orientanda entre quatro paredes, livros e papéis. “Nossa, o Doutor e mestre piradão. Esse é o Zeus trovejante de raios sobre o solecismo bárbaro? Esse o implacável Robespierre, carrasco e guilhotina, no encalço da crase humilhante.”

Parece que os professores de Letras estamos em baixa neste livro de Dalton Trevisan. Ninguém escapa da safadeza e da mania sórdida de manipular o mais fraco, traço que reaparece em negrito nos contos do autor.

BERTA WALDMAN É CRÍTICA LITERÁRIA E AUTORA DE DO VAMPIRO AO CAFAJESTE.

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NOVOS CONTOS ERÓTICOS Autor: Dalton Trevisan Editora: Record (208 págs., R$ 32)

Em seu último livro Novos Contos Eróticos, Trevisan retoma alguns contos anteriormente publicados (Macho Não Ganha Flor, O Maníaco do Olho Verde, Capitu Sou Eu, etc.) e a eles acrescenta inéditos. Por que retomar? Porque os contos compõem o tema que rege a nova antologia – a sexualidade; porque o autor é cativo dos temas que focaliza: no caso, o sexo forçado, a sexualidade como abuso, como forma de anular o outro, em diferentes modalidades de estupro. Assim, os textos de Dalton Trevisan organizam-se como um jogo de espelhos, que montam e desmontam paralelismos, citações.

Nesse contexto, o mais perturbador é acompanhar a criança na sexualidade forçada, pois aí a desigualdade atinge o ponto máximo, já que ela não chega a ser parceira do jogo sexual, ainda um mistério latejante. Mas o desequilíbrio das partes é regra nessa zona obscura: o professor seduz a aluna, a professora seduz o aluno; o tarado força a moça numa manifestação de sadismo, o padrasto estupra a enteada, juntando tara, sofrimento e alienação, sintomas que se estendem à classe média, média-baixa, curitibana.

O que o autor pretende é apresentar uma amostra crua do perfil humano que força os limites da civilização. A repetição temática anuncia que não há saída e o modo de tratá-la literariamente confirma o beco sem saída. A medida humana está dada através do tema e do tratamento da linguagem sempre concisa que traz à tona o silêncio a que são lançadas as personagens.

Na vasta obra de Dalton Trevisan há várias antologias. Evidentemente, o recorte de público a que elas se destinam é central na seleção das narrativas. A fidelidade em relação à matéria escolhida (o sofrimento, a amargura, a frustração e a alienação) também é sempre afirmada. Outra evidência: contos já publicados reaparecem.

É o caso de alguns textos nessa antologia que têm por base o erotismo. Mas por que retomar, repetir? O que determina a seleção inerente à antologia de Trevisan? Uma resposta possível diz respeito à fidelidade do autor à matéria escolhida para ser representada (sofrimento, amargura, frustração, alienação, crueldade). Outra fidelidade é a busca de uma linguagem cada vez mais concisa, que beire o silêncio. Há, ainda a resposta clássica do próprio autor:

 “Ora, direis, ele se repete. E eu vos direi, no entanto, como poderia, se cada personagem é baseado numa pessoa diferente?

Se alguém se repete são elas, essas pessoas iguais, sempre as mesmas. Pô, destino próprio, história única, vida original – não há mais?”.

A antologia de contos eróticos em questão contém um princípio de construção extensivo a outras antologias. A liga temática traz à baila alguns contos já publicados que ressurgem. Incluí-los em nova antologia significa que os contos se mantêm. Postos lado a lado com os últimos, eles dialogam, sustentam sua estatura. E mais: estão suficientemente vivos para reaparecer em outro contexto. Existe nesse trânsito que traz à tona contos anteriormente publicados uma recusa do autor em enxergar o seu conto como um produto acabado, definitivo, fixado. Ele é antes uma peça móvel que, recortada, reinstalada no novo habitat, tem a força de dialogar com os novos contos. Esse processo de ressignificação vem da vida para a literatura e constitui a narrativa como presença, abrindo caminho para o referente na própria página escrita. Assim, ao contar, Trevisan mostra a repetição, o aprisionamento do homem à sua medida.

Quanto ao erotismo dos contos da coletânea em pauta, o autor transforma o leitor em coparticipante da peleja amorosa. Ele é o frestador, o que assiste à cena erótica baseada no desejo de um e na redução do outro a objeto.

 “Quem eu era: um príncipe? Um matador? Lá na porta uma braçada de giesta sorria toda em flor.

Sim, um matador feliz. E saí depressa pela rua escura. Nesta cidade social você é trombado, roubado e currado em cada esquina.”

Nesse salve-se quem puder, o autor retoma a questão machadiana que indaga se Capitu traiu ou não Bentinho, em Capitu Sou Eu. O título alude à afirmação de Gustave Flaubert, “Bovary c’est moi”, em relação à sua personagem. O conto inicia com a discussão entre uma professora de literatura e seus alunos. Ela defende a personagem e a considera inocente, enquanto um aluno a ataca. Os dois se encontram num dia de chuva e têm um caso por impulso da professora, mais experiente e mais velha. O aluno gosta, mas quer escapar da mulher cheia de vontades. Para mantê-lo, ela escreve um artigo numa revista literária em que considera Capitu culpada, confirmando a posição do aluno.

O último conto também alude à academia. O orientador da tese Capitu Sem Enigma recebe a aluna em casa e sozinho. O professor logo ataca a orientanda entre quatro paredes, livros e papéis. “Nossa, o Doutor e mestre piradão. Esse é o Zeus trovejante de raios sobre o solecismo bárbaro? Esse o implacável Robespierre, carrasco e guilhotina, no encalço da crase humilhante.”

Parece que os professores de Letras estamos em baixa neste livro de Dalton Trevisan. Ninguém escapa da safadeza e da mania sórdida de manipular o mais fraco, traço que reaparece em negrito nos contos do autor.

BERTA WALDMAN É CRÍTICA LITERÁRIA E AUTORA DE DO VAMPIRO AO CAFAJESTE.

NOVOS CONTOS ERÓTICOS Autor: Dalton Trevisan Editora: Record (208 págs., R$ 32)

Em seu último livro Novos Contos Eróticos, Trevisan retoma alguns contos anteriormente publicados (Macho Não Ganha Flor, O Maníaco do Olho Verde, Capitu Sou Eu, etc.) e a eles acrescenta inéditos. Por que retomar? Porque os contos compõem o tema que rege a nova antologia – a sexualidade; porque o autor é cativo dos temas que focaliza: no caso, o sexo forçado, a sexualidade como abuso, como forma de anular o outro, em diferentes modalidades de estupro. Assim, os textos de Dalton Trevisan organizam-se como um jogo de espelhos, que montam e desmontam paralelismos, citações.

Nesse contexto, o mais perturbador é acompanhar a criança na sexualidade forçada, pois aí a desigualdade atinge o ponto máximo, já que ela não chega a ser parceira do jogo sexual, ainda um mistério latejante. Mas o desequilíbrio das partes é regra nessa zona obscura: o professor seduz a aluna, a professora seduz o aluno; o tarado força a moça numa manifestação de sadismo, o padrasto estupra a enteada, juntando tara, sofrimento e alienação, sintomas que se estendem à classe média, média-baixa, curitibana.

O que o autor pretende é apresentar uma amostra crua do perfil humano que força os limites da civilização. A repetição temática anuncia que não há saída e o modo de tratá-la literariamente confirma o beco sem saída. A medida humana está dada através do tema e do tratamento da linguagem sempre concisa que traz à tona o silêncio a que são lançadas as personagens.

Na vasta obra de Dalton Trevisan há várias antologias. Evidentemente, o recorte de público a que elas se destinam é central na seleção das narrativas. A fidelidade em relação à matéria escolhida (o sofrimento, a amargura, a frustração e a alienação) também é sempre afirmada. Outra evidência: contos já publicados reaparecem.

É o caso de alguns textos nessa antologia que têm por base o erotismo. Mas por que retomar, repetir? O que determina a seleção inerente à antologia de Trevisan? Uma resposta possível diz respeito à fidelidade do autor à matéria escolhida para ser representada (sofrimento, amargura, frustração, alienação, crueldade). Outra fidelidade é a busca de uma linguagem cada vez mais concisa, que beire o silêncio. Há, ainda a resposta clássica do próprio autor:

 “Ora, direis, ele se repete. E eu vos direi, no entanto, como poderia, se cada personagem é baseado numa pessoa diferente?

Se alguém se repete são elas, essas pessoas iguais, sempre as mesmas. Pô, destino próprio, história única, vida original – não há mais?”.

A antologia de contos eróticos em questão contém um princípio de construção extensivo a outras antologias. A liga temática traz à baila alguns contos já publicados que ressurgem. Incluí-los em nova antologia significa que os contos se mantêm. Postos lado a lado com os últimos, eles dialogam, sustentam sua estatura. E mais: estão suficientemente vivos para reaparecer em outro contexto. Existe nesse trânsito que traz à tona contos anteriormente publicados uma recusa do autor em enxergar o seu conto como um produto acabado, definitivo, fixado. Ele é antes uma peça móvel que, recortada, reinstalada no novo habitat, tem a força de dialogar com os novos contos. Esse processo de ressignificação vem da vida para a literatura e constitui a narrativa como presença, abrindo caminho para o referente na própria página escrita. Assim, ao contar, Trevisan mostra a repetição, o aprisionamento do homem à sua medida.

Quanto ao erotismo dos contos da coletânea em pauta, o autor transforma o leitor em coparticipante da peleja amorosa. Ele é o frestador, o que assiste à cena erótica baseada no desejo de um e na redução do outro a objeto.

 “Quem eu era: um príncipe? Um matador? Lá na porta uma braçada de giesta sorria toda em flor.

Sim, um matador feliz. E saí depressa pela rua escura. Nesta cidade social você é trombado, roubado e currado em cada esquina.”

Nesse salve-se quem puder, o autor retoma a questão machadiana que indaga se Capitu traiu ou não Bentinho, em Capitu Sou Eu. O título alude à afirmação de Gustave Flaubert, “Bovary c’est moi”, em relação à sua personagem. O conto inicia com a discussão entre uma professora de literatura e seus alunos. Ela defende a personagem e a considera inocente, enquanto um aluno a ataca. Os dois se encontram num dia de chuva e têm um caso por impulso da professora, mais experiente e mais velha. O aluno gosta, mas quer escapar da mulher cheia de vontades. Para mantê-lo, ela escreve um artigo numa revista literária em que considera Capitu culpada, confirmando a posição do aluno.

O último conto também alude à academia. O orientador da tese Capitu Sem Enigma recebe a aluna em casa e sozinho. O professor logo ataca a orientanda entre quatro paredes, livros e papéis. “Nossa, o Doutor e mestre piradão. Esse é o Zeus trovejante de raios sobre o solecismo bárbaro? Esse o implacável Robespierre, carrasco e guilhotina, no encalço da crase humilhante.”

Parece que os professores de Letras estamos em baixa neste livro de Dalton Trevisan. Ninguém escapa da safadeza e da mania sórdida de manipular o mais fraco, traço que reaparece em negrito nos contos do autor.

BERTA WALDMAN É CRÍTICA LITERÁRIA E AUTORA DE DO VAMPIRO AO CAFAJESTE.

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