Estréia nesta quarta-feira, às 22h, no espaço alternativo Centro Cultural Elenko/KVA, a peça Mercado de Fugas do grupo amador "Teatro de Narradores". O texto faz a fusão de dois contos de Machado de Assis, Pai contra Mãe e O Caso da Vara, para dramatizar a situação do escravatura na última metade do século 19. A história conta, com fina ironia a que tem direito as narrativas machadianas, a história de duas famílias com realidades sociais diferentes tendo em comum apenas o pano de fundo do escravidão. A abolição dos escravos já havia começado, com as leis de proibição do tráfico, e logo, a lei Áurea. Neste contexto a família aristocrata Matacavalos vê seu primeiro filho largar o seminário que o pai havia lhe obrigado a freqüentar. A escrava preferida da sinhá Rita Matacavalos foge depois de descobrir sua gravidez. Outra trajetória cumpre a família de Cândido Neves, um catador de escravos prestes a ser pai justo quando a escravidão começa a ser extinta no País. O texto requer uma reconstituição de época que o grupo amador ainda não teve capacidade de fazer. Os figurinos foram criados e executados por membros do Teatro de Narradores, e dão apenas uma vaga ilusão do tempo ao qual se originam. Apesar do grupo ter em sua formação dois cenógrafos, não existe cenário na montagem, além de alguns objetos de cena, o que dificulta ainda mais a imersão do público na densa e meticulosa trama machadiana. O grupo se encontrou na Faculdade de Filosofia, Letra e Ciências Humanas da USP em 1996. Montaram sua primeira interpretação, baseada no texto A Lata de Lixo da História do crítico Robert Schwarz, para um exercício estudantil. "Com a análise dos textos dele começamos a descobrir muitas semelhanças entre os textos críticos de Machado de Assis e o teatro de Bertold Brecht e começamos a pesquisar a obra de ambos", conta José Fernando, diretor dos Narradores. Em 1998 ficaram em cartaz no KVA com as peças Assim na Terra como no Céu e Os Falseadores, ambos textos escritos pelo próprio grupo com dramaturgia final do diretor. Mesmo a peça Mercado de Fugas já havia entrado em temporada no Centro Cultural Elenko/KVA de 17 de setembro a 16 de outubro. A história se torna confusa ao dar para os mesmos atores papéis de escravos negros e aristocratas brancos. A falta de atores para uma trama cheia de personagens deixa o público sem saber qual personagem os atores estão encarnando. O diretor argumenta que esta função dos atores é proposital e que a definição será dada pelo gestual próprio de cada personagem "O que define o negro em cena é a postura", comenta o diretor José Fernando. O grupo conta com alguns talentos enrustidos, que prometem carreira mais densa. As atrizes Carol Zilles e Silvana Ramos mostram maturidade nos gestos cênicos, o que pode tornar a peça mais interessante do que parece. Com a confusão dos muitos personagens para cada ator elas consegue manter bem claro a diferença entre eles, com um facilidade grande na comunicação gestual.