O Estadão estreia nesta terça, 18, coluna assinada por Alice Ferraz. Publicada no portal estadao.com.br, no Caderno 2 e nas redes sociais, ela deve apresentar um retrato social de fatos, pessoas e imagens relevantes no Brasil e no mundo ou, como resume a colunista, “um exercício de investigação, diálogo e pensamento”. “São princípios que trago da Filosofia”, explica.
Aos 54 anos, Alice é dona da F*hits, empresa pioneira de marketing de influência fundada em 2011 - muito antes de se ouvir falar em influencers. Antes, cuidou de marcas ligadas a moda e beleza por meio de uma assessoria de imprensa. Há quatro anos colabora com o Estadão com reportagens, cobertura das principais semanas de moda e uma crônica, publicada aos sábados.
Crônicas de Alice Ferraz
Nascida em uma família tradicional paulistana, Alice Ferraz tem uma relação estreita com São Paulo, apesar de estar sempre com os olhos voltados para o mundo. As histórias são muitas: da casa no Morumbi onde morava com o pais e oito irmãos ao apartamento dos avós no 28º andar do Edifício Copan, no centro da cidade.
“Meus avós foram os primeiros moradores e viveram lá por 45 anos”, conta a colunista, lembrando que brincava de boneca nas curvas de concreto concebidas por Oscar Niemeyer.
Do pai, o piloto da FAB e empresário Rubens Ferraz do Amaral, morto em 2000, herdou o gosto por viajar e descobrir o mundo. Da mãe, Maria Alice Ralston, de 85 anos, o apreço pela moda transformado em profissão quando começou a trabalhar no extinto magazine Mappin, nos anos 1990. Tudo isso foi ressignificado e recriado ao longo da vida, a partir de um exemplo que o próprio pai, a quem ela se refere em diferentes momentos da conversa com a reportagem, lhe deu: “Vai!”.
Com a coluna, publicada todos os dias no online e inicialmente às terças, quintas, sábados e domingos no impresso, Alice lança-se, mais uma vez, a um novo desafio depois dos 50 anos. “Nesses movimentos todos da vida, atingi um espaço maior para mim, de quem eu sou, do que consigo realizar”, resume. Veja abaixo os principais trechos da entrevista.
Quais temas e personagens você pretende trazer para sua coluna?
É muito importante que tenha política e economia. Mas também arte, arquitetura e moda. Identificar quem são os personagens interessantes nesse mundo globalizado. Eu fiz uma entrevista com Bernard Arnault (um dos homens mais ricos do mundo, presidente e diretor executivo da LVMH). Ele interessa não só à França, mas ao mundo. A coluna vai falar para muita gente e nem sempre agradar a todos. Não é possível ser unânime em um retrato social. Não vou falar sobre uma pessoa que seja boa ou má para a sociedade, mas que seja importante naquele momento. Ela pode até não fazer bem para a sociedade, mas é relevante. Com a internet, vivemos a sociedade do espetáculo, como já havia adiantado Guy Debord. Como olhar para esse espetáculo todo, fazer um recorte e mostrar o que importa, o que realmente é relevante? Quero trazer esse olhar de curadoria.
Será uma coluna social?
Não gosto de falar coluna social. É uma coluna da sociedade. Vai falar sobre poder, do que está ocorrendo de relevante no Brasil e no mundo. E importante: de que forma isso vai ser distribuído no jornal - e mesmo para fora do jornal.
E qual será essa forma?
Ela estará no jornal impresso, no site e no Instagram. Quero fazer muitas entrevistas, para dar profundidade. Um exercício de investigação, diálogo e pensamento. Princípios que trago da Filosofia. Que o leitor leia uma nota e, depois, busque mais informações. Plantar uma semente para que ele pense sobre determinados assuntos que estão ocorrendo no mundo e ele não se deu conta. Quero sempre uma grande foto, a mais importante daquele dia. Estamos em um mundo de imagens. As mídias sociais nos trouxeram isso.
O ‘Estadão’ está muito ligado à história de São Paulo. Sua família também é bastante vinculada a São Paulo.
Minha origem é muito paulistana. Meu avô e meu pai lutaram na Revolução Constitucionalista de 1932. Eram pessoas que amavam São Paulo, nasceram aqui e me criaram amando essa cidade. Eles tinham uma relação de amor mesmo e de trabalho com a cidade. Não tinha a São Paulo do lazer, era a do trabalho. Algo muito paulistano. Eu cresci na São Paulo da garoa, que desde os anos 1980, dizem, não existe mais. Lembro muito de ir para a escola com o tempo garoando. É uma lembrança muito forte de infância. A garoa e o cheiro de combustível de avião. Meu pai era piloto, eu vivia em aeroportos.
Vem daí, então, sua paixão por viajar?
Fui criada por um pai e uma mãe que sempre olharam as viagens como algo importante na formação de uma pessoa, que gostavam de saber como era o mundo. Somos em nove irmãos. Viajávamos todos juntos, mais os avós. Ir ao aeroporto não era um ritual, era algo natural. Viajar era a vida.
Apesar de viajar bastante, você criou esse vínculo com São Paulo, sempre morou na cidade. Como se deu essa relação?
Fui criada como uma paulistana que frequentava clubes, como o Pinheiros e o Paulistano. Andava de ônibus pela cidade, que era muito mais tranquila, tinha menos violência. Hoje São Paulo é o mundo. Minha paixão pelo Estadão vem também da minha paixão por São Paulo. Minha família inteira assinava o jornal. Para o meu pai, o que o Estadão dizia era o correto. Um canal de confiança, de credibilidade. Comecei a trabalhar cedo, aos 16 anos. Eu quis trabalhar. Fui ser vendedora da M. Officer no Shopping Morumbi. Eu amava. Trabalhar em São Paulo me deu uma sensação de independência. Minha relação com São Paulo é de trabalho. Esse lugar onde se acorda e vai fazer a vida. Não vejo São Paulo de outra forma.
Como foi, para sua família, quando você decidiu trabalhar ainda na adolescência?
Sou de uma família tradicional. Fui criada para casar, ter filhos e não necessariamente para trabalhar. Tive essa primeira experiência na M. Officer, que adorei. Namorava desde os 14 anos e casei aos 21. Aos 25, tive meu filho. Tive uma depressão pós-parto muito séria, muito forte. Algo que era pouco falado naquela época, associado a uma fragilidade feminina e não a uma doença que precisava ser tratada. Na minha cabeça, eu tinha muito o que fazer, o que produzir, mas estava limitada em uma gaiola. Queria muito trabalhar. Ser a pessoa que me tornei ao longo dos anos. Hoje, quando olho para trás, vejo aquela mulher de 25 anos, com um filho. Era uma mulher, mas, ao mesmo tempo, muito menina. Eu tinha muita educação, cultura e formação, mas pouca exposição ao mundo. Me separei quando meu filho tinha três meses e fui buscar um emprego. Comecei a trabalhar no Mappin. Primeiro no centro de São Paulo, depois, na Faria Lima.
Como foi esse período no Mappin, um símbolo de São Paulo também?
Digo que aí nasceu a Alice Ferraz. Meu nome é Alice Ralston Ferraz do Amaral. Alice Ferraz é uma invenção dessa nova mulher, da persona pública, que trabalha. Me transformei muito. Uma Alice que, mesmo antes das redes sociais, queria construir a imagem da mulher que trabalha. Que conseguisse ser alguém que cuida de si mesma, que dá conta da própria vida.
Qual foi a chave para sair da depressão pós-parto e entender e criar essa nova mulher?
Foi pela dor. Estava tão triste. Pensava: a vida é só isso? Uma mulher que acompanha o pai, depois acompanha o marido? Uma acompanhante sem personalidade. Eu sempre pensei tanta coisa sobre o mundo, mas tudo ficava muito represado. As pessoas só mudam porque precisam. Essa coisa de mudar porque quer não existe. Querer é pouco! Precisa de uma dor maior. Eu tinha um casamento bom, uma relação boa, não era ruim ou abusiva, mas era de muito conforto. A depressão, então, me mostrou que eu precisava dar conta de mim. Não queria mais que cuidassem de mim como se eu fosse frágil. A partir daí, o trabalho passou a definir a minha vida. Sou mãe, apaixonada pelo meu filho. Mas o que define minha vida não é a Alice mãe, mas a Alice profissional. E a Alice profissional me definiu como mãe do Gabriel (Pilão, empresário). E define o Gabriel também, porque ele me vê trabalhando, lutando. Talvez o Gabriel tenha sido a primeira pessoa que me viu como eu gostaria de ser vista.
Como era seu trabalho no Mappin?
Fui, primeiramente, gerente de marketing da área de conveniência. Cuidava de ferramentas a produtos para carros. Uma área predominantemente masculina. Fazia encartes, catálogos e campanhas. Foi muito importante para mim ver o Brasil como um todo. Eram muitos recortes diferentes. Eu viajava por todo o País. No Mappin, posteriormente, comecei a trabalhar com moda e me apaixonei pelo assunto. Descobri que não queria ser apenas uma menina de São Paulo, mas uma mulher do Brasil. Para mim, a moda é como você se mostra para o mundo. Sei exatamente o que quero mostrar usando blazer e colete (roupa que Alice usava na entrevista). Primeiro, é algo que está na moda. Mas também estou vestida como uma mulher que trabalha. ‘Ah, mas você não acha que as pessoas podem estar de qualquer jeito?’. Até acho. Porém, entendo que a forma comunica. Anéis grandes, em todos os dedos, como um soco inglês, mostram força. Não sou uma mulher grande, forte, mas carrego alguma força nos acessórios.
Depois do Mappin, você montou uma assessoria de imprensa.
Depois que o Mappin faliu, resolvi empreender. Fundei a Ferraz, que atendia moda e beleza. Sempre tive facilidade com a comunicação. A moda me pareceu o lugar certo. Um verniz por cima da informação para deixá-la mais palatável para as pessoas. Comecei a frequentar as semanas de moda. Primeiro a de Nova York, depois as da Europa. Passei a ver a diferença entre os países. Poderia ser uma assessora só em São Paulo. Mas tenho algo em minha personalidade que quer sempre me expor ao desconforto. Nenhum cliente me obrigou a ir para fora, mas eu queria estar preparada para o mercado internacional.
Foi em Nova York que você conheceu uma blogueira que mudou sua visão sobre a comunicação e te fez ser pioneira na questão do marketing de influência, em 2011. Como isso ocorreu?
Eu tinha essa assessoria de imprensa e trabalhava com a Calvin Klein. Levava a imprensa nacional para Nova York. Estava acomodando algumas jornalistas e, na mesma fileira da Anna Wintour (editora-chefe da revista Vogue), em um lugar que talvez não fosse o mais adequado, colocaram uma blogueira. Mais tarde, quando cheguei ao apartamento em que estava hospedada, fui olhar o blog dela. Adorei como ela se expunha. A forma como ela contou sobre o desfile, uma visão muito diferente da jornalística. A jornalista trazia uma visão imparcial - o que vi. A blogueira contava do ponto de vista pessoal - o que gosto. Quando cheguei em São Paulo, abri um núcleo para blogueiras, a F*hits, os hits de Alice Ferraz. Uma blogueira era uma voz que poderia se transformar em uma mídia, se colocássemos marcas, com curadoria, e vendêssemos como anúncios.
Qual foi a reação do mercado em um primeiro momento?
Me ridicularizaram. Diziam que eu daria voz para pessoas que eu nem sabia quem eram. No entanto, eu tinha absoluta certeza de que o mundo caminharia para cada pessoa ser relevante. Porque, quanto maior a comunicação se torna, mais nichada ela fica. Há muita informação. Alguém tem que dizer o que é certo. Faço um paralelo com a moda. Se você entra em uma loja, há 10 modelos novos de bolsa. Qual bolsa você vai comprar? Você precisa ser um expert para escolher? Não. Basta buscar a informação correta.
As blogueiras entenderam o que você estava propondo?
Entendemos juntas. Brigamos muito, tivemos muito problemas, juntas ou separadas, até chegar ao modelo de negócio ideal para o mercado. Em 2012, saiu uma matéria sobre mim no New York Times falando sobre o que significava ter uma plataforma de blogs. Nesse mesmo ano, ganhei pela Fast Company Internacional como uma das empresas mais disruptivas, junto com a Embraer. Senti, então, que o negócio iria acontecer. Mas, não acontecia. Fechei a assessoria de imprensa e passei a fazer mídia por meio do marketing de influência. Passei a ir aos meus clientes e dizer: “Tenho uma história nova na comunicação, que é o melhor que você pode ter”. Fomos pioneiros em nível mundial. Só durante a pandemia as empresas entenderam o que era marketing de influência. Aliás, as pessoas estão descobrindo as redes sociais como meio de consumir a informação.
Há um boom de influenciadores. Como fazer a curadoria deles?
Por meio de dados. Dados são fundamentais para entregar a voz que fale com determinada marca. Os dados falam sobre a audiência e não sobre as pessoas. Uma pessoa pode ter postado o bumbum e ter tido muitos likes, mas 90% são de homens, e ela está querendo vender credibilidade. Não vai dar certo. A análise de dados precisa ser crítica. É ela que estabelece o grau de confiança. Se você tem 5 milhões de seguidores, mas não está falando com quem vai consumir aquele produto, não adianta nada.
Como é começar uma nova carreira pós 50 anos?
É um exemplo para mulheres de que elas podem ter várias carreiras, mesmo que sejam na mesma área. A minha sempre foi a comunicação. Quando eu fui vendedora da M. Officer, vendia muito jaqueta de couro, e todo mundo só vendia jeans. Era comunicação. Se você não se sente bem na carreira ou ficando em casa, mude. É possível! Mesmo não tendo nenhum incentivo. Sempre ouvi ‘por quê?’ e ‘para que?’. Porque estou aprendendo, me desafiando. É desconfortável, mas vá. Somos mais fortes do que tudo. Talvez por ter sido criada por um pai militar, eu ouvia muito “vai”. Claro, ele queria que eu fosse para cá e eu queria ir para lá. Mas, era um “vai”.
Um ‘mexa-se’.
Um mexa-se constante. Fiz aula de inglês, de alemão, saltos ornamentais, aprendi a esquiar. Meu pai me chamava na sala e dizia: “Vamos conversar com fulano”. Faça o movimento do desconforto, pelo conforto de depois. Nesses movimentos todos, atingi um espaço maior para mim, de quem eu sou, do que consigo realizar, e não para a sociedade.