Foto do(a) coluna

Um retrato social diário, baseado na relevância do fato, da notícia e da imagem

Opinião|O absurdo da fala de Lula sobre Gleisi: ainda essa conversa de ‘mulher bonita’?


Beleza não é virtude nem simboliza profissionalismo ou competência

Por Alice Ferraz
Atualização:
'Chamar a atenção para o absurdo da fala de Lula é o mínimo que posso fazer por mim mesma e por todas as mais de 104 milhões de mulheres brasileiras'.
'Chamar a atenção para o absurdo da fala de Lula é o mínimo que posso fazer por mim mesma e por todas as mais de 104 milhões de mulheres brasileiras'. Foto: Ilustração Juliana Azevedo

Um dos meus livros de cabeceira lista as 18 virtudes através do olhar do filósofo francês André Comte-Sponville. Entre elas, não está a beleza. Na Igreja Católica, existem as sete virtudes cardeais e, também, nada de beleza. Platão, por sua vez, listou quatro virtudes, e adivinhe qual não aparece?

Bem, para nós, mulheres, lidar com essa “confusão” entre beleza e virtude é uma constante. Tive um namorado que dizia que minha “carinha bonitinha” não combinava nem mostrava quem eu realmente era. E quem eu era, afinal? Aos vinte e poucos anos, eu tentava encaixar minha personalidade na “carinha” que diziam que eu tinha.

continua após a publicidade

Quando saíamos para jantar com amigos, ele me olhava e dizia: “Menos, Alice, menos”. O que ele dizia se unia a outras vozes, masculinas e femininas, de uma imagem projetada sobre quem eu deveria ser.

Ainda com ele, procurei um terapeuta e disse, sem constrangimento: “Me ajuda a ser menos!” Como se eu precisasse controlar algo fora de controle. Se minha aparência chamava atenção, deveria ter menos personalidade, dar menos opinião. Nos anos 90, o começo da minha vida profissional reforçava o mesmo estereótipo que o namorado fazia da mulher com a “carinha bonitinha”. Olhando para trás, sinto aflição e um medo “retroativo”. Como saí desse padrão que moldava minha existência?

Foi preciso uma decisão racional e muita coragem para não deixar minhas escolhas serem guiadas pela imagem e pelo espaço que me deram. Hoje, me reconheço e gosto do que vejo no espelho. Claro que ainda carrego alguns cacoetes. Às vezes, não percebo falas que deveriam me provocar repulsa e fico comovida quando alguém destaca meu lado racional ou meu poder de análise. Me sinto finalmente vista além da forma — o lugar onde sempre quis estar.

continua após a publicidade

Esse deveria ser um espaço natural para qualquer mulher, mas ainda não é. Analisar se o presidente Lula acertou ou errou ao escolher Gleisi Hoffmann para a articulação política não é meu foco. Mas chamar a atenção para o absurdo de dizer que a escolheu pela beleza é o mínimo que posso fazer por mim mesma e por todas as mais de 104 milhões de mulheres brasileiras. A beleza não é virtude e definitivamente não simboliza nenhum traço do nosso profissionalismo e competência.

'Chamar a atenção para o absurdo da fala de Lula é o mínimo que posso fazer por mim mesma e por todas as mais de 104 milhões de mulheres brasileiras'. Foto: Ilustração Juliana Azevedo

Um dos meus livros de cabeceira lista as 18 virtudes através do olhar do filósofo francês André Comte-Sponville. Entre elas, não está a beleza. Na Igreja Católica, existem as sete virtudes cardeais e, também, nada de beleza. Platão, por sua vez, listou quatro virtudes, e adivinhe qual não aparece?

Bem, para nós, mulheres, lidar com essa “confusão” entre beleza e virtude é uma constante. Tive um namorado que dizia que minha “carinha bonitinha” não combinava nem mostrava quem eu realmente era. E quem eu era, afinal? Aos vinte e poucos anos, eu tentava encaixar minha personalidade na “carinha” que diziam que eu tinha.

Quando saíamos para jantar com amigos, ele me olhava e dizia: “Menos, Alice, menos”. O que ele dizia se unia a outras vozes, masculinas e femininas, de uma imagem projetada sobre quem eu deveria ser.

Ainda com ele, procurei um terapeuta e disse, sem constrangimento: “Me ajuda a ser menos!” Como se eu precisasse controlar algo fora de controle. Se minha aparência chamava atenção, deveria ter menos personalidade, dar menos opinião. Nos anos 90, o começo da minha vida profissional reforçava o mesmo estereótipo que o namorado fazia da mulher com a “carinha bonitinha”. Olhando para trás, sinto aflição e um medo “retroativo”. Como saí desse padrão que moldava minha existência?

Foi preciso uma decisão racional e muita coragem para não deixar minhas escolhas serem guiadas pela imagem e pelo espaço que me deram. Hoje, me reconheço e gosto do que vejo no espelho. Claro que ainda carrego alguns cacoetes. Às vezes, não percebo falas que deveriam me provocar repulsa e fico comovida quando alguém destaca meu lado racional ou meu poder de análise. Me sinto finalmente vista além da forma — o lugar onde sempre quis estar.

Esse deveria ser um espaço natural para qualquer mulher, mas ainda não é. Analisar se o presidente Lula acertou ou errou ao escolher Gleisi Hoffmann para a articulação política não é meu foco. Mas chamar a atenção para o absurdo de dizer que a escolheu pela beleza é o mínimo que posso fazer por mim mesma e por todas as mais de 104 milhões de mulheres brasileiras. A beleza não é virtude e definitivamente não simboliza nenhum traço do nosso profissionalismo e competência.

'Chamar a atenção para o absurdo da fala de Lula é o mínimo que posso fazer por mim mesma e por todas as mais de 104 milhões de mulheres brasileiras'. Foto: Ilustração Juliana Azevedo

Um dos meus livros de cabeceira lista as 18 virtudes através do olhar do filósofo francês André Comte-Sponville. Entre elas, não está a beleza. Na Igreja Católica, existem as sete virtudes cardeais e, também, nada de beleza. Platão, por sua vez, listou quatro virtudes, e adivinhe qual não aparece?

Bem, para nós, mulheres, lidar com essa “confusão” entre beleza e virtude é uma constante. Tive um namorado que dizia que minha “carinha bonitinha” não combinava nem mostrava quem eu realmente era. E quem eu era, afinal? Aos vinte e poucos anos, eu tentava encaixar minha personalidade na “carinha” que diziam que eu tinha.

Quando saíamos para jantar com amigos, ele me olhava e dizia: “Menos, Alice, menos”. O que ele dizia se unia a outras vozes, masculinas e femininas, de uma imagem projetada sobre quem eu deveria ser.

Ainda com ele, procurei um terapeuta e disse, sem constrangimento: “Me ajuda a ser menos!” Como se eu precisasse controlar algo fora de controle. Se minha aparência chamava atenção, deveria ter menos personalidade, dar menos opinião. Nos anos 90, o começo da minha vida profissional reforçava o mesmo estereótipo que o namorado fazia da mulher com a “carinha bonitinha”. Olhando para trás, sinto aflição e um medo “retroativo”. Como saí desse padrão que moldava minha existência?

Foi preciso uma decisão racional e muita coragem para não deixar minhas escolhas serem guiadas pela imagem e pelo espaço que me deram. Hoje, me reconheço e gosto do que vejo no espelho. Claro que ainda carrego alguns cacoetes. Às vezes, não percebo falas que deveriam me provocar repulsa e fico comovida quando alguém destaca meu lado racional ou meu poder de análise. Me sinto finalmente vista além da forma — o lugar onde sempre quis estar.

Esse deveria ser um espaço natural para qualquer mulher, mas ainda não é. Analisar se o presidente Lula acertou ou errou ao escolher Gleisi Hoffmann para a articulação política não é meu foco. Mas chamar a atenção para o absurdo de dizer que a escolheu pela beleza é o mínimo que posso fazer por mim mesma e por todas as mais de 104 milhões de mulheres brasileiras. A beleza não é virtude e definitivamente não simboliza nenhum traço do nosso profissionalismo e competência.

Loading
Opinião por Alice Ferraz

É especialista em marketing de influência e escritora, autora de 'Moda à Brasileira'