Ana Cristina Cesar tem suas cartas de amor reeditadas


Correspondência que atravessou a ditadura militar revela escritora influenciada pela contracultura, Woodstock e Beatles

Por Giovana Proença
Atualização:

Entre 1969 e 1971, dezenas de cartas chegam a Aachen, uma pequena cidade alemã. Nos envelopes postais, a remetente: Ana Cristina Cesar. Em sua primeira temporada na Inglaterra, a propósito de um intercâmbio, a poeta brasileira trocou cartas com o namorado, Luiz Augusto, exilado pela ditadura militar. Na comemoração dos setenta anos de Ana C., o conjunto de correspondências chega às estantes publicado pela Companhia das Letras. 

A correspondência dos escritores sempre foi objeto de fascínio. Em alguns casos, esses textos iluminam propostas artísticas, funcionando como uma espécie de poética, o que acontece com as epístolas do russo Anton Tchekhov e com o tcheco Rainer Maria Rilke. Aliás, o deslumbramento ganha outras facetas quando se trata de cartas de amor. Em especial as escritas por uma das principais poetas brasileiras, integrante da chamada geração mimeógrafo – ou ainda, poesia marginal. 

A escritora Ana Cristina Cesar tem a correspondência que mandou a Luiz Augusto reeditada Foto: Instituto Moreira Salles
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O interesse pela correspondência de Ana vem ainda como um vislumbre da intimidade da poeta. Os escritos iluminam aspectos do conjunto da obra da autora, movida pela paixão e repleta de originalidade, fugindo aos clichês, como reconhece a crítica. 

No intervalo em que as cartas foram escritas, o Brasil experimentava uma verdadeira convulsão política. Após a promulgação do AI-5, o País estava às voltas com a forte repressão. Em outubro de 1969, Emílio Garrastazu Médici assume a presidência, via eleições indiretas. Mas, se na esfera nacional o panorama era desolador, isso muda quando se trata do âmbito internacional, a despeito até mesmo da Guerra Fria. O período é lembrado por grandes agitações como a Revolta de Stonewall, – marco dos direitos civis para a população LGBT+ – a chegada do homem à Lua e o Festival de Woodstock, símbolo da contracultura. 

Da Europa, Ana Cristina Cesar acompanhou as reverberações políticas e culturais. Não faltam citações aos Beatles, às peças do dramaturgo William Shakespeare e a escritores como Albert Camus e George Orwell

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No intervalo em que as cartas foram escritas, o Brasil experimentava uma verdadeira convulsão política. Após a promulgação do AI-5,

Mas, ela também não esquece de suas raízes. Os ritmos e cores da Tropicália, movimento que tomou a cena artística brasileira na década de 1960, estão presentes no repertório de Ana. Caetano Veloso é um grande nome para a autora, que também se revela uma leitora de Clarice Lispector e d’O Pasquim, semanário vinculado à contracultura. 

A correspondência evidencia uma Ana Cristina Cesar voraz por consumir tudo aquilo que aumentasse o seu repertório. Questionadora, ela relata a Luiz as suas aspirações de engajamento, como as lutas anticoloniais. É impressionante a adesão da poeta, então com dezessete anos, às problemáticas de seu tempo histórico.

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Ainda que escritas em português, as cartas de Ana mesclam idiomas. Surge uma miscelânea entre o inglês, o francês e o alemão, que Luiz se esforçava por aprender. O hábito vem de um estranhamento da língua materna, após tanto tempo sem uso, e de uma compreensão semântica dos vocábulos que a rodeavam na língua estrangeira – baby-sitting, o serviço de babá, torna-se baby-sentar para Ana. 

Em fevereiro de 1983, Ana visita os pais, queà época moravam em Santiago do Chile. Vai também a Valparaíso (foto) e Viña del Mar. Foto: Acervo Ana Cristina Cesar/IMS

Chegamos, então, ao ponto principal das cartas: a paixão. Como um fio condutor, são os sentimentos de Ana por Luiz Augusto que costuram esse emaranhado de referências e descrições de costumes. No centro de tudo, está a poeta apaixonada. Das alusões aos encontros  até as juras de amor, temos uma Ana ardendo na espera. 

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O nome de Luiz Augusto, em letras maiúsculas, aparece como uma evocação. Às vezes, quase como uma suplica, algo da terra natal no que se agarrar. Por meio das palavras, a poeta recria este amor e dilui as distâncias, em experiência semelhante com o que trabalharia em sua obra poética. 

O primeiro dos três números de'O Mundo', jornal criado por Ana Cristina em25 de setembro de 1961. Foto: Acervo Ana Cristina Cesar/IMS/Divulgação

Ler as cartas de Ana C. é uma experiência de arrebatamento para sua legião de admiradores. Isso ocorre pois ela incorpora em sua poesia gêneros textuais inusitados, como o diário e até mesmo a carta, flertando com o experimentalismo poético. Em certos momentos, podemos até mesmo esquecer que a coletânea não se trata de peças ficcionais, de poemas em prosa. 

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Amor mais que maiúsculo é um espelho da jovem Ana Cristina Cesar. Mas, também pode ser o retrato cultural de uma geração, em plena era de convulsão social. Acima de tudo, as epístolas nos oferecem um esboço do que viria a ser a potência poética de Ana. Com a coletânea de cartas, temos mais um dos muitos fragmentos deixados pela poeta. No ano em que Ana C. completaria setenta anos, chegamos mais perto da visão completa de sua obra.  

AMOR MAIS QUE MAIÚSCULO 

ANA CRISTINA CESAR 

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COMPANHIA DAS LETRAS 

344 PÁGINAS 

R$ 84,90  OU R$ 34,90 (o E-BOOK)

Entre 1969 e 1971, dezenas de cartas chegam a Aachen, uma pequena cidade alemã. Nos envelopes postais, a remetente: Ana Cristina Cesar. Em sua primeira temporada na Inglaterra, a propósito de um intercâmbio, a poeta brasileira trocou cartas com o namorado, Luiz Augusto, exilado pela ditadura militar. Na comemoração dos setenta anos de Ana C., o conjunto de correspondências chega às estantes publicado pela Companhia das Letras. 

A correspondência dos escritores sempre foi objeto de fascínio. Em alguns casos, esses textos iluminam propostas artísticas, funcionando como uma espécie de poética, o que acontece com as epístolas do russo Anton Tchekhov e com o tcheco Rainer Maria Rilke. Aliás, o deslumbramento ganha outras facetas quando se trata de cartas de amor. Em especial as escritas por uma das principais poetas brasileiras, integrante da chamada geração mimeógrafo – ou ainda, poesia marginal. 

A escritora Ana Cristina Cesar tem a correspondência que mandou a Luiz Augusto reeditada Foto: Instituto Moreira Salles

O interesse pela correspondência de Ana vem ainda como um vislumbre da intimidade da poeta. Os escritos iluminam aspectos do conjunto da obra da autora, movida pela paixão e repleta de originalidade, fugindo aos clichês, como reconhece a crítica. 

No intervalo em que as cartas foram escritas, o Brasil experimentava uma verdadeira convulsão política. Após a promulgação do AI-5, o País estava às voltas com a forte repressão. Em outubro de 1969, Emílio Garrastazu Médici assume a presidência, via eleições indiretas. Mas, se na esfera nacional o panorama era desolador, isso muda quando se trata do âmbito internacional, a despeito até mesmo da Guerra Fria. O período é lembrado por grandes agitações como a Revolta de Stonewall, – marco dos direitos civis para a população LGBT+ – a chegada do homem à Lua e o Festival de Woodstock, símbolo da contracultura. 

Da Europa, Ana Cristina Cesar acompanhou as reverberações políticas e culturais. Não faltam citações aos Beatles, às peças do dramaturgo William Shakespeare e a escritores como Albert Camus e George Orwell

No intervalo em que as cartas foram escritas, o Brasil experimentava uma verdadeira convulsão política. Após a promulgação do AI-5,

Mas, ela também não esquece de suas raízes. Os ritmos e cores da Tropicália, movimento que tomou a cena artística brasileira na década de 1960, estão presentes no repertório de Ana. Caetano Veloso é um grande nome para a autora, que também se revela uma leitora de Clarice Lispector e d’O Pasquim, semanário vinculado à contracultura. 

A correspondência evidencia uma Ana Cristina Cesar voraz por consumir tudo aquilo que aumentasse o seu repertório. Questionadora, ela relata a Luiz as suas aspirações de engajamento, como as lutas anticoloniais. É impressionante a adesão da poeta, então com dezessete anos, às problemáticas de seu tempo histórico.

Ainda que escritas em português, as cartas de Ana mesclam idiomas. Surge uma miscelânea entre o inglês, o francês e o alemão, que Luiz se esforçava por aprender. O hábito vem de um estranhamento da língua materna, após tanto tempo sem uso, e de uma compreensão semântica dos vocábulos que a rodeavam na língua estrangeira – baby-sitting, o serviço de babá, torna-se baby-sentar para Ana. 

Em fevereiro de 1983, Ana visita os pais, queà época moravam em Santiago do Chile. Vai também a Valparaíso (foto) e Viña del Mar. Foto: Acervo Ana Cristina Cesar/IMS

Chegamos, então, ao ponto principal das cartas: a paixão. Como um fio condutor, são os sentimentos de Ana por Luiz Augusto que costuram esse emaranhado de referências e descrições de costumes. No centro de tudo, está a poeta apaixonada. Das alusões aos encontros  até as juras de amor, temos uma Ana ardendo na espera. 

O nome de Luiz Augusto, em letras maiúsculas, aparece como uma evocação. Às vezes, quase como uma suplica, algo da terra natal no que se agarrar. Por meio das palavras, a poeta recria este amor e dilui as distâncias, em experiência semelhante com o que trabalharia em sua obra poética. 

O primeiro dos três números de'O Mundo', jornal criado por Ana Cristina em25 de setembro de 1961. Foto: Acervo Ana Cristina Cesar/IMS/Divulgação

Ler as cartas de Ana C. é uma experiência de arrebatamento para sua legião de admiradores. Isso ocorre pois ela incorpora em sua poesia gêneros textuais inusitados, como o diário e até mesmo a carta, flertando com o experimentalismo poético. Em certos momentos, podemos até mesmo esquecer que a coletânea não se trata de peças ficcionais, de poemas em prosa. 

Amor mais que maiúsculo é um espelho da jovem Ana Cristina Cesar. Mas, também pode ser o retrato cultural de uma geração, em plena era de convulsão social. Acima de tudo, as epístolas nos oferecem um esboço do que viria a ser a potência poética de Ana. Com a coletânea de cartas, temos mais um dos muitos fragmentos deixados pela poeta. No ano em que Ana C. completaria setenta anos, chegamos mais perto da visão completa de sua obra.  

AMOR MAIS QUE MAIÚSCULO 

ANA CRISTINA CESAR 

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Entre 1969 e 1971, dezenas de cartas chegam a Aachen, uma pequena cidade alemã. Nos envelopes postais, a remetente: Ana Cristina Cesar. Em sua primeira temporada na Inglaterra, a propósito de um intercâmbio, a poeta brasileira trocou cartas com o namorado, Luiz Augusto, exilado pela ditadura militar. Na comemoração dos setenta anos de Ana C., o conjunto de correspondências chega às estantes publicado pela Companhia das Letras. 

A correspondência dos escritores sempre foi objeto de fascínio. Em alguns casos, esses textos iluminam propostas artísticas, funcionando como uma espécie de poética, o que acontece com as epístolas do russo Anton Tchekhov e com o tcheco Rainer Maria Rilke. Aliás, o deslumbramento ganha outras facetas quando se trata de cartas de amor. Em especial as escritas por uma das principais poetas brasileiras, integrante da chamada geração mimeógrafo – ou ainda, poesia marginal. 

A escritora Ana Cristina Cesar tem a correspondência que mandou a Luiz Augusto reeditada Foto: Instituto Moreira Salles

O interesse pela correspondência de Ana vem ainda como um vislumbre da intimidade da poeta. Os escritos iluminam aspectos do conjunto da obra da autora, movida pela paixão e repleta de originalidade, fugindo aos clichês, como reconhece a crítica. 

No intervalo em que as cartas foram escritas, o Brasil experimentava uma verdadeira convulsão política. Após a promulgação do AI-5, o País estava às voltas com a forte repressão. Em outubro de 1969, Emílio Garrastazu Médici assume a presidência, via eleições indiretas. Mas, se na esfera nacional o panorama era desolador, isso muda quando se trata do âmbito internacional, a despeito até mesmo da Guerra Fria. O período é lembrado por grandes agitações como a Revolta de Stonewall, – marco dos direitos civis para a população LGBT+ – a chegada do homem à Lua e o Festival de Woodstock, símbolo da contracultura. 

Da Europa, Ana Cristina Cesar acompanhou as reverberações políticas e culturais. Não faltam citações aos Beatles, às peças do dramaturgo William Shakespeare e a escritores como Albert Camus e George Orwell

No intervalo em que as cartas foram escritas, o Brasil experimentava uma verdadeira convulsão política. Após a promulgação do AI-5,

Mas, ela também não esquece de suas raízes. Os ritmos e cores da Tropicália, movimento que tomou a cena artística brasileira na década de 1960, estão presentes no repertório de Ana. Caetano Veloso é um grande nome para a autora, que também se revela uma leitora de Clarice Lispector e d’O Pasquim, semanário vinculado à contracultura. 

A correspondência evidencia uma Ana Cristina Cesar voraz por consumir tudo aquilo que aumentasse o seu repertório. Questionadora, ela relata a Luiz as suas aspirações de engajamento, como as lutas anticoloniais. É impressionante a adesão da poeta, então com dezessete anos, às problemáticas de seu tempo histórico.

Ainda que escritas em português, as cartas de Ana mesclam idiomas. Surge uma miscelânea entre o inglês, o francês e o alemão, que Luiz se esforçava por aprender. O hábito vem de um estranhamento da língua materna, após tanto tempo sem uso, e de uma compreensão semântica dos vocábulos que a rodeavam na língua estrangeira – baby-sitting, o serviço de babá, torna-se baby-sentar para Ana. 

Em fevereiro de 1983, Ana visita os pais, queà época moravam em Santiago do Chile. Vai também a Valparaíso (foto) e Viña del Mar. Foto: Acervo Ana Cristina Cesar/IMS

Chegamos, então, ao ponto principal das cartas: a paixão. Como um fio condutor, são os sentimentos de Ana por Luiz Augusto que costuram esse emaranhado de referências e descrições de costumes. No centro de tudo, está a poeta apaixonada. Das alusões aos encontros  até as juras de amor, temos uma Ana ardendo na espera. 

O nome de Luiz Augusto, em letras maiúsculas, aparece como uma evocação. Às vezes, quase como uma suplica, algo da terra natal no que se agarrar. Por meio das palavras, a poeta recria este amor e dilui as distâncias, em experiência semelhante com o que trabalharia em sua obra poética. 

O primeiro dos três números de'O Mundo', jornal criado por Ana Cristina em25 de setembro de 1961. Foto: Acervo Ana Cristina Cesar/IMS/Divulgação

Ler as cartas de Ana C. é uma experiência de arrebatamento para sua legião de admiradores. Isso ocorre pois ela incorpora em sua poesia gêneros textuais inusitados, como o diário e até mesmo a carta, flertando com o experimentalismo poético. Em certos momentos, podemos até mesmo esquecer que a coletânea não se trata de peças ficcionais, de poemas em prosa. 

Amor mais que maiúsculo é um espelho da jovem Ana Cristina Cesar. Mas, também pode ser o retrato cultural de uma geração, em plena era de convulsão social. Acima de tudo, as epístolas nos oferecem um esboço do que viria a ser a potência poética de Ana. Com a coletânea de cartas, temos mais um dos muitos fragmentos deixados pela poeta. No ano em que Ana C. completaria setenta anos, chegamos mais perto da visão completa de sua obra.  

AMOR MAIS QUE MAIÚSCULO 

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