Antes da conquista lunar, Arthur C. Clarke imagina viagem à Lua em livro


Nave naufraga em mar de poeira da Lua em romance do escritor britânico reeditado no Brasil

Por André Cáceres

O astrônomo alemão Johannes Kepler (1571-1630) guardou por décadas o manuscrito de seu Somnium (Sonho), que seria publicado postumamente, em 1634. Nele, o cientista narrava uma jornada à Lua, com seres que habitavam sua superfície rochosa, repleta de crateras e iluminada pela Terra. “O choque inicial é a pior parte desse evento, pois o homem é girado para cima como se fosse lançado por uma explosão de pólvora, voando então acima de montanhas e mares.” Quatro anos mais tarde, o bispo anglicano Francis Godwin (1562-1633) imaginou que os pontos escuros da Lua fossem mares em The Man in the Moone.

+Crítico vê origem da ficção científica na filosofia da Grécia antiga

Terra vista da superfície lunar Foto: Nasa
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+Escritoras usam literatura fantástica para discutir feminismo

Foi justamente essa ideia que teve o astrônomo Thomas Gold antes de a humanidade explorar a superfície do satélite. Para ele, algumas regiões da Lua eram planas demais para ser sólidas: essas áreas seriam como mares de uma poeira tão fina que se comportava como um líquido. A teoria inspirou Sir Arthur C. Clarke a escrever Poeira Lunar (1961), lançado agora no Brasil pela editora Aleph. 

Batizada em homenagem à deusa da Lua na mitologia grega, a embarcação Selene sofre um acidente durante uma viagem turística pelo Mar da Sede, feito do acúmulo dessa poeira fluida que “não era terra nem oceano, não era ar nem espaço, e sim um pouco de cada uma dessas coisas”. Com 22 passageiros, ela naufraga nessa substância e fica incomunicável. “Rádio, tevê, notícias por telefax, cinema, telefone – agora, todas essas coisas não tinham para eles um significado muito diferente do que para os homens da Idade da Pedra. Estavam como uma antiga tribo reunida em torno de uma fogueira.” Antes da internet, Clarke já pensava o efeito do isolamento para um grupo acostumado à conexão constante, e demonstra como o tédio é o maior pesadelo dos náufragos lunares. 

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Enquanto esse microcosmo humano definha em “uma tumba mais duradoura que a de qualquer faraó”, as melhores mentes da Terra e da Lua quebram suas cabeças para resgatá-los, e é aí que a hard sci-fi de Clarke se destaca. Os problemas que se apresentam para os personagens e as subsequentes soluções encontradas por eles são de uma inteligência demonstrada por raríssimos autores. Assim como Jorge Luis Borges, Edgar Allan Poe e, mais recentemente, Ted Chiang, Clarke é um dos poucos escritores que conseguem imaginar personagens mais inteligentes que eles próprios. 

Um desses gênios é o jovem dr. Tom Lawson, que trabalha em uma estação espacial entre a Terra e a Lua e consegue localizar a Selene sob o Mar da Sede (alcançá-la em meio à poeira é o grande problema) não por compaixão pelas vítimas, mas como um desafio intelectual. “Ele acreditava que todos os problemas podiam ser resolvidos se fossem abordados do jeito certo e com os equipamentos certos (...) não via muita utilidade nos seres humanos, mas respeitava o Universo de verdade.” 

Embora Poeira Lunar não seja um exemplo de representatividade, no livro Clarke aborda en passant questões de gênero (“todas as secretárias eletrônicas eram tratadas como ‘ela’”, sendo que, em inglês, objetos não têm gênero) e inclui um diálogo sobre racismo entre um descendente de aborígines e um nativo lunar (“Todos vocês têm esse mesmo físico alto e esguio. E tem também a cor da sua pele. Parece que as lâmpadas ultravioleta nunca conseguem dar um bronzeado tão natural quanto a luz do sol.”).

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Desde Uma História Verdadeira, jornada à Lua narrada por Luciano de Samósata (125-180), esse corpo celeste sempre foi objeto de curiosidade de intelectuais. Clarke afirmou em seu livro Greetings, Carbon-Based Bipeds (Saudações, Bípedes Baseados em Carbono) que o autor francês Cyrano de Bergerac (1619-1655) foi o primeiro a imaginar um foguete, em sua peça Voyage dans la Lune (1657).

Recentemente a editora Biblioteca Azul publicou a Viagem ao Céu, clássico infantil em que Monteiro Lobato leva seus personagens do Sítio do Picapau Amarelo para conhecer in loco diversos pontos do sistema solar, e a Lua não poderia deixar de ser um atrativo da jornada. Cenário de Da Terra à Lua (1865) e À Roda da Lua (1870), de Júlio Verne, que inspiraram Georges Méliès em seu clássico do cinema, Viagem à Lua (1902), o corpo celeste foi representado com mais realismo pela primeira vez em On The Moon (1893), do cientista russo Konstantin Tsiolkovsky, primeiro a propor o conceito de elevadores espaciais, ainda hoje tido como uma solução viável para reduzir custos de transporte de cargas à órbita terrestre. Com a corrida espacial alimentando a imaginação do público, histórias pulp e filmes B que se passavam no nosso satélite natural surgiram aos borbotões. 

Foi só a partir dos anos 1930 e 1940 que ficções mais densas sobre a Lua foram produzidas, principalmente por Arthur C. Clarke e Robert Heinlein, que escreveram dezenas de livros e contos explorando a temática antes e depois de Neil Armstrong cravar suas pegadas em solo selenita. Entre outras obras, Clarke foi parceiro de Stanley Kubrick em 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968), filme tido por quem questiona a conquista lunar como protótipo das gravações do pouso, supostamente “falsificadas” pela Nasa.

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Se ainda hoje há quem duvide dessa façanha da ciência, o pioneiro da astronomia Kepler já sabia, em 1610, antes mesmo de a Igreja aceitar que a Terra girava em torno do Sol, que a humanidade viajaria à Lua: “Se forem dadas as naves e adaptadas as velas ao vento celeste, haverá gente que não sentirá medo de enfrentar aquela imensidão.”

O astrônomo alemão Johannes Kepler (1571-1630) guardou por décadas o manuscrito de seu Somnium (Sonho), que seria publicado postumamente, em 1634. Nele, o cientista narrava uma jornada à Lua, com seres que habitavam sua superfície rochosa, repleta de crateras e iluminada pela Terra. “O choque inicial é a pior parte desse evento, pois o homem é girado para cima como se fosse lançado por uma explosão de pólvora, voando então acima de montanhas e mares.” Quatro anos mais tarde, o bispo anglicano Francis Godwin (1562-1633) imaginou que os pontos escuros da Lua fossem mares em The Man in the Moone.

+Crítico vê origem da ficção científica na filosofia da Grécia antiga

Terra vista da superfície lunar Foto: Nasa

+Escritoras usam literatura fantástica para discutir feminismo

Foi justamente essa ideia que teve o astrônomo Thomas Gold antes de a humanidade explorar a superfície do satélite. Para ele, algumas regiões da Lua eram planas demais para ser sólidas: essas áreas seriam como mares de uma poeira tão fina que se comportava como um líquido. A teoria inspirou Sir Arthur C. Clarke a escrever Poeira Lunar (1961), lançado agora no Brasil pela editora Aleph. 

Batizada em homenagem à deusa da Lua na mitologia grega, a embarcação Selene sofre um acidente durante uma viagem turística pelo Mar da Sede, feito do acúmulo dessa poeira fluida que “não era terra nem oceano, não era ar nem espaço, e sim um pouco de cada uma dessas coisas”. Com 22 passageiros, ela naufraga nessa substância e fica incomunicável. “Rádio, tevê, notícias por telefax, cinema, telefone – agora, todas essas coisas não tinham para eles um significado muito diferente do que para os homens da Idade da Pedra. Estavam como uma antiga tribo reunida em torno de uma fogueira.” Antes da internet, Clarke já pensava o efeito do isolamento para um grupo acostumado à conexão constante, e demonstra como o tédio é o maior pesadelo dos náufragos lunares. 

Enquanto esse microcosmo humano definha em “uma tumba mais duradoura que a de qualquer faraó”, as melhores mentes da Terra e da Lua quebram suas cabeças para resgatá-los, e é aí que a hard sci-fi de Clarke se destaca. Os problemas que se apresentam para os personagens e as subsequentes soluções encontradas por eles são de uma inteligência demonstrada por raríssimos autores. Assim como Jorge Luis Borges, Edgar Allan Poe e, mais recentemente, Ted Chiang, Clarke é um dos poucos escritores que conseguem imaginar personagens mais inteligentes que eles próprios. 

Um desses gênios é o jovem dr. Tom Lawson, que trabalha em uma estação espacial entre a Terra e a Lua e consegue localizar a Selene sob o Mar da Sede (alcançá-la em meio à poeira é o grande problema) não por compaixão pelas vítimas, mas como um desafio intelectual. “Ele acreditava que todos os problemas podiam ser resolvidos se fossem abordados do jeito certo e com os equipamentos certos (...) não via muita utilidade nos seres humanos, mas respeitava o Universo de verdade.” 

Embora Poeira Lunar não seja um exemplo de representatividade, no livro Clarke aborda en passant questões de gênero (“todas as secretárias eletrônicas eram tratadas como ‘ela’”, sendo que, em inglês, objetos não têm gênero) e inclui um diálogo sobre racismo entre um descendente de aborígines e um nativo lunar (“Todos vocês têm esse mesmo físico alto e esguio. E tem também a cor da sua pele. Parece que as lâmpadas ultravioleta nunca conseguem dar um bronzeado tão natural quanto a luz do sol.”).

Desde Uma História Verdadeira, jornada à Lua narrada por Luciano de Samósata (125-180), esse corpo celeste sempre foi objeto de curiosidade de intelectuais. Clarke afirmou em seu livro Greetings, Carbon-Based Bipeds (Saudações, Bípedes Baseados em Carbono) que o autor francês Cyrano de Bergerac (1619-1655) foi o primeiro a imaginar um foguete, em sua peça Voyage dans la Lune (1657).

Recentemente a editora Biblioteca Azul publicou a Viagem ao Céu, clássico infantil em que Monteiro Lobato leva seus personagens do Sítio do Picapau Amarelo para conhecer in loco diversos pontos do sistema solar, e a Lua não poderia deixar de ser um atrativo da jornada. Cenário de Da Terra à Lua (1865) e À Roda da Lua (1870), de Júlio Verne, que inspiraram Georges Méliès em seu clássico do cinema, Viagem à Lua (1902), o corpo celeste foi representado com mais realismo pela primeira vez em On The Moon (1893), do cientista russo Konstantin Tsiolkovsky, primeiro a propor o conceito de elevadores espaciais, ainda hoje tido como uma solução viável para reduzir custos de transporte de cargas à órbita terrestre. Com a corrida espacial alimentando a imaginação do público, histórias pulp e filmes B que se passavam no nosso satélite natural surgiram aos borbotões. 

Foi só a partir dos anos 1930 e 1940 que ficções mais densas sobre a Lua foram produzidas, principalmente por Arthur C. Clarke e Robert Heinlein, que escreveram dezenas de livros e contos explorando a temática antes e depois de Neil Armstrong cravar suas pegadas em solo selenita. Entre outras obras, Clarke foi parceiro de Stanley Kubrick em 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968), filme tido por quem questiona a conquista lunar como protótipo das gravações do pouso, supostamente “falsificadas” pela Nasa.

Se ainda hoje há quem duvide dessa façanha da ciência, o pioneiro da astronomia Kepler já sabia, em 1610, antes mesmo de a Igreja aceitar que a Terra girava em torno do Sol, que a humanidade viajaria à Lua: “Se forem dadas as naves e adaptadas as velas ao vento celeste, haverá gente que não sentirá medo de enfrentar aquela imensidão.”

O astrônomo alemão Johannes Kepler (1571-1630) guardou por décadas o manuscrito de seu Somnium (Sonho), que seria publicado postumamente, em 1634. Nele, o cientista narrava uma jornada à Lua, com seres que habitavam sua superfície rochosa, repleta de crateras e iluminada pela Terra. “O choque inicial é a pior parte desse evento, pois o homem é girado para cima como se fosse lançado por uma explosão de pólvora, voando então acima de montanhas e mares.” Quatro anos mais tarde, o bispo anglicano Francis Godwin (1562-1633) imaginou que os pontos escuros da Lua fossem mares em The Man in the Moone.

+Crítico vê origem da ficção científica na filosofia da Grécia antiga

Terra vista da superfície lunar Foto: Nasa

+Escritoras usam literatura fantástica para discutir feminismo

Foi justamente essa ideia que teve o astrônomo Thomas Gold antes de a humanidade explorar a superfície do satélite. Para ele, algumas regiões da Lua eram planas demais para ser sólidas: essas áreas seriam como mares de uma poeira tão fina que se comportava como um líquido. A teoria inspirou Sir Arthur C. Clarke a escrever Poeira Lunar (1961), lançado agora no Brasil pela editora Aleph. 

Batizada em homenagem à deusa da Lua na mitologia grega, a embarcação Selene sofre um acidente durante uma viagem turística pelo Mar da Sede, feito do acúmulo dessa poeira fluida que “não era terra nem oceano, não era ar nem espaço, e sim um pouco de cada uma dessas coisas”. Com 22 passageiros, ela naufraga nessa substância e fica incomunicável. “Rádio, tevê, notícias por telefax, cinema, telefone – agora, todas essas coisas não tinham para eles um significado muito diferente do que para os homens da Idade da Pedra. Estavam como uma antiga tribo reunida em torno de uma fogueira.” Antes da internet, Clarke já pensava o efeito do isolamento para um grupo acostumado à conexão constante, e demonstra como o tédio é o maior pesadelo dos náufragos lunares. 

Enquanto esse microcosmo humano definha em “uma tumba mais duradoura que a de qualquer faraó”, as melhores mentes da Terra e da Lua quebram suas cabeças para resgatá-los, e é aí que a hard sci-fi de Clarke se destaca. Os problemas que se apresentam para os personagens e as subsequentes soluções encontradas por eles são de uma inteligência demonstrada por raríssimos autores. Assim como Jorge Luis Borges, Edgar Allan Poe e, mais recentemente, Ted Chiang, Clarke é um dos poucos escritores que conseguem imaginar personagens mais inteligentes que eles próprios. 

Um desses gênios é o jovem dr. Tom Lawson, que trabalha em uma estação espacial entre a Terra e a Lua e consegue localizar a Selene sob o Mar da Sede (alcançá-la em meio à poeira é o grande problema) não por compaixão pelas vítimas, mas como um desafio intelectual. “Ele acreditava que todos os problemas podiam ser resolvidos se fossem abordados do jeito certo e com os equipamentos certos (...) não via muita utilidade nos seres humanos, mas respeitava o Universo de verdade.” 

Embora Poeira Lunar não seja um exemplo de representatividade, no livro Clarke aborda en passant questões de gênero (“todas as secretárias eletrônicas eram tratadas como ‘ela’”, sendo que, em inglês, objetos não têm gênero) e inclui um diálogo sobre racismo entre um descendente de aborígines e um nativo lunar (“Todos vocês têm esse mesmo físico alto e esguio. E tem também a cor da sua pele. Parece que as lâmpadas ultravioleta nunca conseguem dar um bronzeado tão natural quanto a luz do sol.”).

Desde Uma História Verdadeira, jornada à Lua narrada por Luciano de Samósata (125-180), esse corpo celeste sempre foi objeto de curiosidade de intelectuais. Clarke afirmou em seu livro Greetings, Carbon-Based Bipeds (Saudações, Bípedes Baseados em Carbono) que o autor francês Cyrano de Bergerac (1619-1655) foi o primeiro a imaginar um foguete, em sua peça Voyage dans la Lune (1657).

Recentemente a editora Biblioteca Azul publicou a Viagem ao Céu, clássico infantil em que Monteiro Lobato leva seus personagens do Sítio do Picapau Amarelo para conhecer in loco diversos pontos do sistema solar, e a Lua não poderia deixar de ser um atrativo da jornada. Cenário de Da Terra à Lua (1865) e À Roda da Lua (1870), de Júlio Verne, que inspiraram Georges Méliès em seu clássico do cinema, Viagem à Lua (1902), o corpo celeste foi representado com mais realismo pela primeira vez em On The Moon (1893), do cientista russo Konstantin Tsiolkovsky, primeiro a propor o conceito de elevadores espaciais, ainda hoje tido como uma solução viável para reduzir custos de transporte de cargas à órbita terrestre. Com a corrida espacial alimentando a imaginação do público, histórias pulp e filmes B que se passavam no nosso satélite natural surgiram aos borbotões. 

Foi só a partir dos anos 1930 e 1940 que ficções mais densas sobre a Lua foram produzidas, principalmente por Arthur C. Clarke e Robert Heinlein, que escreveram dezenas de livros e contos explorando a temática antes e depois de Neil Armstrong cravar suas pegadas em solo selenita. Entre outras obras, Clarke foi parceiro de Stanley Kubrick em 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968), filme tido por quem questiona a conquista lunar como protótipo das gravações do pouso, supostamente “falsificadas” pela Nasa.

Se ainda hoje há quem duvide dessa façanha da ciência, o pioneiro da astronomia Kepler já sabia, em 1610, antes mesmo de a Igreja aceitar que a Terra girava em torno do Sol, que a humanidade viajaria à Lua: “Se forem dadas as naves e adaptadas as velas ao vento celeste, haverá gente que não sentirá medo de enfrentar aquela imensidão.”

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