34ª Bienal de São Paulo: em entrevista exclusiva, curador fala sobre o evento, adiado para 2021


Liderada por Jacopo Crivelli Visconti, a exposição principal tem como guia a filosofia de Édouard Glissant e adota a pluralidade

Por Antonio Gonçalves Filho
Obra da nigeriana Zina Saro Wiwa, que será exposta na 34ª Bienal. Foto: HOLY STAR BOYZ

Aberta em fevereiro, a 34ª. edição da Bienal de São Paulo teve sua mostra coletiva, Faz Escuro Mas Eu Canto, adiada para setembro do próximo ano por causa da pandemia do novo coronavírus. Antes disso, porém, uma série de ações vai preceder a exposição física das obras. Em entrevista exclusiva ao Estadão, o curador geral da Bienal, Jacopo Crivelli Visconti, anunciou algumas atrações dessa programação digital que envolve desde lives com curadores e artistas até entrevistas gravadas com participantes da mostra em seus ateliês, passando por iniciativas voltadas a educadores.

O curador geral revelou os nomes de duas grandes artistas que vão participar da Bienal, a espanhola Edurne Rubio (Burgos, 1974) e a nigeriana Zina Saro-Wiwa (Porto Harcourt, 1976), ambas sintonizadas com a filosofia de Édouard Glissant (1928-2011), que defendia o diálogo interclassista e entre os diferentes. Glissant serve como vetor de uma bienal que não tem tema e, sim, uma linha mestra que destaca a arte dedicada a servir como tradução do poema de Thiago de Melo, inspirador do título da mostra.

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Havia algo de premonitório na escolha desse título, Faz Escuro Mas Eu Canto. Mesmo antes do início da quarentena provocada pelo covid-19, ele já anunciava uma bienal preocupada com o viés poético adotado por Glissant em relação à mundialização e com a necessidade de trânsito e cooperação inter-racial como forma de sobrevivência num mundo hostil ao diferente. Glissant era um francês negro nascido na Martinica que, inicialmente influenciado pelo pensamento de Léopold Senghor, defendia um retorno às raízes africanas, para posteriormente abraçar a causa da identidade múltipla.

O curador Jacopo Crivelli Visconti. Foto: Pedro Ivo Trasferett/Bienal de São Paulo

A Bienal mesmo foi aberta em fevereiro, lembra Crivelli Visconti, com uma performance inédita do sul-africano Neo Muyanga (Soweto, 1974), A Maze in Grace, em que um grande coro de vozes deu sua nova versão da clássica canção Amazing Grace, com frequência interpretada como um hino que traduz o sofrimento e o luto público de afrodescendentes. Ela foi composta – paradoxo – pelo traficante de escravos inglês John Newton (1725-1807), virou hino religioso em 1779 e se espalhou pelo mundo, especialmente entre a comunidade batista e metodista negra. Em tempo: Newton testemunhou uma epifania e se converteu ao cristianismo. E cantou na escuridão.

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Os pais da espanhola Edurne Rubio, ambos espeleólogos, revela Crivelli Visconti, também tinham o hábito de cantar em cavernas durante a ditadura franquista para expurgar as trevas do terror político. Ela vai conversar em outubro com artistas que igualmente viveram sob uma ditadura militar, entre eles, a brasileira Carmela Gross. O primeiro de seis encontros vai abordar o título da Bienal. Até o fim do primeiro semestre de 2021 serão promovidos mais cinco encontros sobre enunciados, incluindo os temas Artaud e Glissant, objetos do Museu Nacional e retratos do abolicionista norte-americano Frederick Douglass (1818-1895), filho de uma escrava e de um homem branco que ficou conhecido como o mais influente afro-americano do século 19 – “e também o mais fotografado”, conclui Crivelli Visconti.

A programação será complementada por uma série de projetos institucionais no primeiro semestre em comemoração aos 70 anos da realização da 1ª. Bienal de São Paulo (1951). Uma vez por mês, a partir desta quarta-feira (16) até agosto de 2021, alguns dos artistas da 34ª. Bienal abrirão seus ateliês e falarão sobre suas experiências e as obras que estão preparando para a mostra, em conversa com a equipe curatorial. Os vídeos, bilíngues, serão veiculados no Instagram da Bienal e estarão disponíveis em seu site.

Obra da artista Edurne Rubio. Foto: HISTORIS DE GEMELAS
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A primeira visita ao ateliê acontece com Frida Orupabo (1986) na quarta-feira, 16. “A conversa gravada com ela faz uma introdução a seu trabalho e discute questões ligadas à mostra”, diz o curador geral, referindo-se à artista de origem nigeriana que vive em Oslo e trata em sua obra de temas como sexualidade, gênero e pós-colonialismo. Ela esteve na última Bienal de Veneza (2019), mas a proximidade fica por aí. Crivelli Visconti quer que a Bienal de São Paulo se apresente como um modelo alternativo à bienal italiana, uma exposição menos atrelada ao mercado e mais à questão artística. “Há aqui um esforço para resistir às pressões do mercado”, compara, colocando em questão o modelo hegemônico da Bienal de Veneza.

Haverá na Bienal muitas instalações de caráter político como o de Frida Orupabo, mas também muita pintura, promete o curador geral. “Não é possível entender a arte contemporânea sem olhar os artistas históricos’, apontando para a presença na mostra de pinturas do italiano Giorgio Morandi (1890-1964), além de Lasar Segall (1889-1957) e do paraibano Antonio Dias (1944-2018). “Há, sim, um viés político que nos interessa, e que está expresso desde a obra da peruana Ximena Garrido-Lecca na inauguração em fevereiro, mas temos de olhar além das dificuldades do momento e apostar na arte como forma de transcendência”, conclui Crivelli Visconti.

Obra da nigeriana Zina Saro Wiwa, que será exposta na 34ª Bienal. Foto: HOLY STAR BOYZ

Aberta em fevereiro, a 34ª. edição da Bienal de São Paulo teve sua mostra coletiva, Faz Escuro Mas Eu Canto, adiada para setembro do próximo ano por causa da pandemia do novo coronavírus. Antes disso, porém, uma série de ações vai preceder a exposição física das obras. Em entrevista exclusiva ao Estadão, o curador geral da Bienal, Jacopo Crivelli Visconti, anunciou algumas atrações dessa programação digital que envolve desde lives com curadores e artistas até entrevistas gravadas com participantes da mostra em seus ateliês, passando por iniciativas voltadas a educadores.

O curador geral revelou os nomes de duas grandes artistas que vão participar da Bienal, a espanhola Edurne Rubio (Burgos, 1974) e a nigeriana Zina Saro-Wiwa (Porto Harcourt, 1976), ambas sintonizadas com a filosofia de Édouard Glissant (1928-2011), que defendia o diálogo interclassista e entre os diferentes. Glissant serve como vetor de uma bienal que não tem tema e, sim, uma linha mestra que destaca a arte dedicada a servir como tradução do poema de Thiago de Melo, inspirador do título da mostra.

Havia algo de premonitório na escolha desse título, Faz Escuro Mas Eu Canto. Mesmo antes do início da quarentena provocada pelo covid-19, ele já anunciava uma bienal preocupada com o viés poético adotado por Glissant em relação à mundialização e com a necessidade de trânsito e cooperação inter-racial como forma de sobrevivência num mundo hostil ao diferente. Glissant era um francês negro nascido na Martinica que, inicialmente influenciado pelo pensamento de Léopold Senghor, defendia um retorno às raízes africanas, para posteriormente abraçar a causa da identidade múltipla.

O curador Jacopo Crivelli Visconti. Foto: Pedro Ivo Trasferett/Bienal de São Paulo

A Bienal mesmo foi aberta em fevereiro, lembra Crivelli Visconti, com uma performance inédita do sul-africano Neo Muyanga (Soweto, 1974), A Maze in Grace, em que um grande coro de vozes deu sua nova versão da clássica canção Amazing Grace, com frequência interpretada como um hino que traduz o sofrimento e o luto público de afrodescendentes. Ela foi composta – paradoxo – pelo traficante de escravos inglês John Newton (1725-1807), virou hino religioso em 1779 e se espalhou pelo mundo, especialmente entre a comunidade batista e metodista negra. Em tempo: Newton testemunhou uma epifania e se converteu ao cristianismo. E cantou na escuridão.

Os pais da espanhola Edurne Rubio, ambos espeleólogos, revela Crivelli Visconti, também tinham o hábito de cantar em cavernas durante a ditadura franquista para expurgar as trevas do terror político. Ela vai conversar em outubro com artistas que igualmente viveram sob uma ditadura militar, entre eles, a brasileira Carmela Gross. O primeiro de seis encontros vai abordar o título da Bienal. Até o fim do primeiro semestre de 2021 serão promovidos mais cinco encontros sobre enunciados, incluindo os temas Artaud e Glissant, objetos do Museu Nacional e retratos do abolicionista norte-americano Frederick Douglass (1818-1895), filho de uma escrava e de um homem branco que ficou conhecido como o mais influente afro-americano do século 19 – “e também o mais fotografado”, conclui Crivelli Visconti.

A programação será complementada por uma série de projetos institucionais no primeiro semestre em comemoração aos 70 anos da realização da 1ª. Bienal de São Paulo (1951). Uma vez por mês, a partir desta quarta-feira (16) até agosto de 2021, alguns dos artistas da 34ª. Bienal abrirão seus ateliês e falarão sobre suas experiências e as obras que estão preparando para a mostra, em conversa com a equipe curatorial. Os vídeos, bilíngues, serão veiculados no Instagram da Bienal e estarão disponíveis em seu site.

Obra da artista Edurne Rubio. Foto: HISTORIS DE GEMELAS

A primeira visita ao ateliê acontece com Frida Orupabo (1986) na quarta-feira, 16. “A conversa gravada com ela faz uma introdução a seu trabalho e discute questões ligadas à mostra”, diz o curador geral, referindo-se à artista de origem nigeriana que vive em Oslo e trata em sua obra de temas como sexualidade, gênero e pós-colonialismo. Ela esteve na última Bienal de Veneza (2019), mas a proximidade fica por aí. Crivelli Visconti quer que a Bienal de São Paulo se apresente como um modelo alternativo à bienal italiana, uma exposição menos atrelada ao mercado e mais à questão artística. “Há aqui um esforço para resistir às pressões do mercado”, compara, colocando em questão o modelo hegemônico da Bienal de Veneza.

Haverá na Bienal muitas instalações de caráter político como o de Frida Orupabo, mas também muita pintura, promete o curador geral. “Não é possível entender a arte contemporânea sem olhar os artistas históricos’, apontando para a presença na mostra de pinturas do italiano Giorgio Morandi (1890-1964), além de Lasar Segall (1889-1957) e do paraibano Antonio Dias (1944-2018). “Há, sim, um viés político que nos interessa, e que está expresso desde a obra da peruana Ximena Garrido-Lecca na inauguração em fevereiro, mas temos de olhar além das dificuldades do momento e apostar na arte como forma de transcendência”, conclui Crivelli Visconti.

Obra da nigeriana Zina Saro Wiwa, que será exposta na 34ª Bienal. Foto: HOLY STAR BOYZ

Aberta em fevereiro, a 34ª. edição da Bienal de São Paulo teve sua mostra coletiva, Faz Escuro Mas Eu Canto, adiada para setembro do próximo ano por causa da pandemia do novo coronavírus. Antes disso, porém, uma série de ações vai preceder a exposição física das obras. Em entrevista exclusiva ao Estadão, o curador geral da Bienal, Jacopo Crivelli Visconti, anunciou algumas atrações dessa programação digital que envolve desde lives com curadores e artistas até entrevistas gravadas com participantes da mostra em seus ateliês, passando por iniciativas voltadas a educadores.

O curador geral revelou os nomes de duas grandes artistas que vão participar da Bienal, a espanhola Edurne Rubio (Burgos, 1974) e a nigeriana Zina Saro-Wiwa (Porto Harcourt, 1976), ambas sintonizadas com a filosofia de Édouard Glissant (1928-2011), que defendia o diálogo interclassista e entre os diferentes. Glissant serve como vetor de uma bienal que não tem tema e, sim, uma linha mestra que destaca a arte dedicada a servir como tradução do poema de Thiago de Melo, inspirador do título da mostra.

Havia algo de premonitório na escolha desse título, Faz Escuro Mas Eu Canto. Mesmo antes do início da quarentena provocada pelo covid-19, ele já anunciava uma bienal preocupada com o viés poético adotado por Glissant em relação à mundialização e com a necessidade de trânsito e cooperação inter-racial como forma de sobrevivência num mundo hostil ao diferente. Glissant era um francês negro nascido na Martinica que, inicialmente influenciado pelo pensamento de Léopold Senghor, defendia um retorno às raízes africanas, para posteriormente abraçar a causa da identidade múltipla.

O curador Jacopo Crivelli Visconti. Foto: Pedro Ivo Trasferett/Bienal de São Paulo

A Bienal mesmo foi aberta em fevereiro, lembra Crivelli Visconti, com uma performance inédita do sul-africano Neo Muyanga (Soweto, 1974), A Maze in Grace, em que um grande coro de vozes deu sua nova versão da clássica canção Amazing Grace, com frequência interpretada como um hino que traduz o sofrimento e o luto público de afrodescendentes. Ela foi composta – paradoxo – pelo traficante de escravos inglês John Newton (1725-1807), virou hino religioso em 1779 e se espalhou pelo mundo, especialmente entre a comunidade batista e metodista negra. Em tempo: Newton testemunhou uma epifania e se converteu ao cristianismo. E cantou na escuridão.

Os pais da espanhola Edurne Rubio, ambos espeleólogos, revela Crivelli Visconti, também tinham o hábito de cantar em cavernas durante a ditadura franquista para expurgar as trevas do terror político. Ela vai conversar em outubro com artistas que igualmente viveram sob uma ditadura militar, entre eles, a brasileira Carmela Gross. O primeiro de seis encontros vai abordar o título da Bienal. Até o fim do primeiro semestre de 2021 serão promovidos mais cinco encontros sobre enunciados, incluindo os temas Artaud e Glissant, objetos do Museu Nacional e retratos do abolicionista norte-americano Frederick Douglass (1818-1895), filho de uma escrava e de um homem branco que ficou conhecido como o mais influente afro-americano do século 19 – “e também o mais fotografado”, conclui Crivelli Visconti.

A programação será complementada por uma série de projetos institucionais no primeiro semestre em comemoração aos 70 anos da realização da 1ª. Bienal de São Paulo (1951). Uma vez por mês, a partir desta quarta-feira (16) até agosto de 2021, alguns dos artistas da 34ª. Bienal abrirão seus ateliês e falarão sobre suas experiências e as obras que estão preparando para a mostra, em conversa com a equipe curatorial. Os vídeos, bilíngues, serão veiculados no Instagram da Bienal e estarão disponíveis em seu site.

Obra da artista Edurne Rubio. Foto: HISTORIS DE GEMELAS

A primeira visita ao ateliê acontece com Frida Orupabo (1986) na quarta-feira, 16. “A conversa gravada com ela faz uma introdução a seu trabalho e discute questões ligadas à mostra”, diz o curador geral, referindo-se à artista de origem nigeriana que vive em Oslo e trata em sua obra de temas como sexualidade, gênero e pós-colonialismo. Ela esteve na última Bienal de Veneza (2019), mas a proximidade fica por aí. Crivelli Visconti quer que a Bienal de São Paulo se apresente como um modelo alternativo à bienal italiana, uma exposição menos atrelada ao mercado e mais à questão artística. “Há aqui um esforço para resistir às pressões do mercado”, compara, colocando em questão o modelo hegemônico da Bienal de Veneza.

Haverá na Bienal muitas instalações de caráter político como o de Frida Orupabo, mas também muita pintura, promete o curador geral. “Não é possível entender a arte contemporânea sem olhar os artistas históricos’, apontando para a presença na mostra de pinturas do italiano Giorgio Morandi (1890-1964), além de Lasar Segall (1889-1957) e do paraibano Antonio Dias (1944-2018). “Há, sim, um viés político que nos interessa, e que está expresso desde a obra da peruana Ximena Garrido-Lecca na inauguração em fevereiro, mas temos de olhar além das dificuldades do momento e apostar na arte como forma de transcendência”, conclui Crivelli Visconti.

Obra da nigeriana Zina Saro Wiwa, que será exposta na 34ª Bienal. Foto: HOLY STAR BOYZ

Aberta em fevereiro, a 34ª. edição da Bienal de São Paulo teve sua mostra coletiva, Faz Escuro Mas Eu Canto, adiada para setembro do próximo ano por causa da pandemia do novo coronavírus. Antes disso, porém, uma série de ações vai preceder a exposição física das obras. Em entrevista exclusiva ao Estadão, o curador geral da Bienal, Jacopo Crivelli Visconti, anunciou algumas atrações dessa programação digital que envolve desde lives com curadores e artistas até entrevistas gravadas com participantes da mostra em seus ateliês, passando por iniciativas voltadas a educadores.

O curador geral revelou os nomes de duas grandes artistas que vão participar da Bienal, a espanhola Edurne Rubio (Burgos, 1974) e a nigeriana Zina Saro-Wiwa (Porto Harcourt, 1976), ambas sintonizadas com a filosofia de Édouard Glissant (1928-2011), que defendia o diálogo interclassista e entre os diferentes. Glissant serve como vetor de uma bienal que não tem tema e, sim, uma linha mestra que destaca a arte dedicada a servir como tradução do poema de Thiago de Melo, inspirador do título da mostra.

Havia algo de premonitório na escolha desse título, Faz Escuro Mas Eu Canto. Mesmo antes do início da quarentena provocada pelo covid-19, ele já anunciava uma bienal preocupada com o viés poético adotado por Glissant em relação à mundialização e com a necessidade de trânsito e cooperação inter-racial como forma de sobrevivência num mundo hostil ao diferente. Glissant era um francês negro nascido na Martinica que, inicialmente influenciado pelo pensamento de Léopold Senghor, defendia um retorno às raízes africanas, para posteriormente abraçar a causa da identidade múltipla.

O curador Jacopo Crivelli Visconti. Foto: Pedro Ivo Trasferett/Bienal de São Paulo

A Bienal mesmo foi aberta em fevereiro, lembra Crivelli Visconti, com uma performance inédita do sul-africano Neo Muyanga (Soweto, 1974), A Maze in Grace, em que um grande coro de vozes deu sua nova versão da clássica canção Amazing Grace, com frequência interpretada como um hino que traduz o sofrimento e o luto público de afrodescendentes. Ela foi composta – paradoxo – pelo traficante de escravos inglês John Newton (1725-1807), virou hino religioso em 1779 e se espalhou pelo mundo, especialmente entre a comunidade batista e metodista negra. Em tempo: Newton testemunhou uma epifania e se converteu ao cristianismo. E cantou na escuridão.

Os pais da espanhola Edurne Rubio, ambos espeleólogos, revela Crivelli Visconti, também tinham o hábito de cantar em cavernas durante a ditadura franquista para expurgar as trevas do terror político. Ela vai conversar em outubro com artistas que igualmente viveram sob uma ditadura militar, entre eles, a brasileira Carmela Gross. O primeiro de seis encontros vai abordar o título da Bienal. Até o fim do primeiro semestre de 2021 serão promovidos mais cinco encontros sobre enunciados, incluindo os temas Artaud e Glissant, objetos do Museu Nacional e retratos do abolicionista norte-americano Frederick Douglass (1818-1895), filho de uma escrava e de um homem branco que ficou conhecido como o mais influente afro-americano do século 19 – “e também o mais fotografado”, conclui Crivelli Visconti.

A programação será complementada por uma série de projetos institucionais no primeiro semestre em comemoração aos 70 anos da realização da 1ª. Bienal de São Paulo (1951). Uma vez por mês, a partir desta quarta-feira (16) até agosto de 2021, alguns dos artistas da 34ª. Bienal abrirão seus ateliês e falarão sobre suas experiências e as obras que estão preparando para a mostra, em conversa com a equipe curatorial. Os vídeos, bilíngues, serão veiculados no Instagram da Bienal e estarão disponíveis em seu site.

Obra da artista Edurne Rubio. Foto: HISTORIS DE GEMELAS

A primeira visita ao ateliê acontece com Frida Orupabo (1986) na quarta-feira, 16. “A conversa gravada com ela faz uma introdução a seu trabalho e discute questões ligadas à mostra”, diz o curador geral, referindo-se à artista de origem nigeriana que vive em Oslo e trata em sua obra de temas como sexualidade, gênero e pós-colonialismo. Ela esteve na última Bienal de Veneza (2019), mas a proximidade fica por aí. Crivelli Visconti quer que a Bienal de São Paulo se apresente como um modelo alternativo à bienal italiana, uma exposição menos atrelada ao mercado e mais à questão artística. “Há aqui um esforço para resistir às pressões do mercado”, compara, colocando em questão o modelo hegemônico da Bienal de Veneza.

Haverá na Bienal muitas instalações de caráter político como o de Frida Orupabo, mas também muita pintura, promete o curador geral. “Não é possível entender a arte contemporânea sem olhar os artistas históricos’, apontando para a presença na mostra de pinturas do italiano Giorgio Morandi (1890-1964), além de Lasar Segall (1889-1957) e do paraibano Antonio Dias (1944-2018). “Há, sim, um viés político que nos interessa, e que está expresso desde a obra da peruana Ximena Garrido-Lecca na inauguração em fevereiro, mas temos de olhar além das dificuldades do momento e apostar na arte como forma de transcendência”, conclui Crivelli Visconti.

Obra da nigeriana Zina Saro Wiwa, que será exposta na 34ª Bienal. Foto: HOLY STAR BOYZ

Aberta em fevereiro, a 34ª. edição da Bienal de São Paulo teve sua mostra coletiva, Faz Escuro Mas Eu Canto, adiada para setembro do próximo ano por causa da pandemia do novo coronavírus. Antes disso, porém, uma série de ações vai preceder a exposição física das obras. Em entrevista exclusiva ao Estadão, o curador geral da Bienal, Jacopo Crivelli Visconti, anunciou algumas atrações dessa programação digital que envolve desde lives com curadores e artistas até entrevistas gravadas com participantes da mostra em seus ateliês, passando por iniciativas voltadas a educadores.

O curador geral revelou os nomes de duas grandes artistas que vão participar da Bienal, a espanhola Edurne Rubio (Burgos, 1974) e a nigeriana Zina Saro-Wiwa (Porto Harcourt, 1976), ambas sintonizadas com a filosofia de Édouard Glissant (1928-2011), que defendia o diálogo interclassista e entre os diferentes. Glissant serve como vetor de uma bienal que não tem tema e, sim, uma linha mestra que destaca a arte dedicada a servir como tradução do poema de Thiago de Melo, inspirador do título da mostra.

Havia algo de premonitório na escolha desse título, Faz Escuro Mas Eu Canto. Mesmo antes do início da quarentena provocada pelo covid-19, ele já anunciava uma bienal preocupada com o viés poético adotado por Glissant em relação à mundialização e com a necessidade de trânsito e cooperação inter-racial como forma de sobrevivência num mundo hostil ao diferente. Glissant era um francês negro nascido na Martinica que, inicialmente influenciado pelo pensamento de Léopold Senghor, defendia um retorno às raízes africanas, para posteriormente abraçar a causa da identidade múltipla.

O curador Jacopo Crivelli Visconti. Foto: Pedro Ivo Trasferett/Bienal de São Paulo

A Bienal mesmo foi aberta em fevereiro, lembra Crivelli Visconti, com uma performance inédita do sul-africano Neo Muyanga (Soweto, 1974), A Maze in Grace, em que um grande coro de vozes deu sua nova versão da clássica canção Amazing Grace, com frequência interpretada como um hino que traduz o sofrimento e o luto público de afrodescendentes. Ela foi composta – paradoxo – pelo traficante de escravos inglês John Newton (1725-1807), virou hino religioso em 1779 e se espalhou pelo mundo, especialmente entre a comunidade batista e metodista negra. Em tempo: Newton testemunhou uma epifania e se converteu ao cristianismo. E cantou na escuridão.

Os pais da espanhola Edurne Rubio, ambos espeleólogos, revela Crivelli Visconti, também tinham o hábito de cantar em cavernas durante a ditadura franquista para expurgar as trevas do terror político. Ela vai conversar em outubro com artistas que igualmente viveram sob uma ditadura militar, entre eles, a brasileira Carmela Gross. O primeiro de seis encontros vai abordar o título da Bienal. Até o fim do primeiro semestre de 2021 serão promovidos mais cinco encontros sobre enunciados, incluindo os temas Artaud e Glissant, objetos do Museu Nacional e retratos do abolicionista norte-americano Frederick Douglass (1818-1895), filho de uma escrava e de um homem branco que ficou conhecido como o mais influente afro-americano do século 19 – “e também o mais fotografado”, conclui Crivelli Visconti.

A programação será complementada por uma série de projetos institucionais no primeiro semestre em comemoração aos 70 anos da realização da 1ª. Bienal de São Paulo (1951). Uma vez por mês, a partir desta quarta-feira (16) até agosto de 2021, alguns dos artistas da 34ª. Bienal abrirão seus ateliês e falarão sobre suas experiências e as obras que estão preparando para a mostra, em conversa com a equipe curatorial. Os vídeos, bilíngues, serão veiculados no Instagram da Bienal e estarão disponíveis em seu site.

Obra da artista Edurne Rubio. Foto: HISTORIS DE GEMELAS

A primeira visita ao ateliê acontece com Frida Orupabo (1986) na quarta-feira, 16. “A conversa gravada com ela faz uma introdução a seu trabalho e discute questões ligadas à mostra”, diz o curador geral, referindo-se à artista de origem nigeriana que vive em Oslo e trata em sua obra de temas como sexualidade, gênero e pós-colonialismo. Ela esteve na última Bienal de Veneza (2019), mas a proximidade fica por aí. Crivelli Visconti quer que a Bienal de São Paulo se apresente como um modelo alternativo à bienal italiana, uma exposição menos atrelada ao mercado e mais à questão artística. “Há aqui um esforço para resistir às pressões do mercado”, compara, colocando em questão o modelo hegemônico da Bienal de Veneza.

Haverá na Bienal muitas instalações de caráter político como o de Frida Orupabo, mas também muita pintura, promete o curador geral. “Não é possível entender a arte contemporânea sem olhar os artistas históricos’, apontando para a presença na mostra de pinturas do italiano Giorgio Morandi (1890-1964), além de Lasar Segall (1889-1957) e do paraibano Antonio Dias (1944-2018). “Há, sim, um viés político que nos interessa, e que está expresso desde a obra da peruana Ximena Garrido-Lecca na inauguração em fevereiro, mas temos de olhar além das dificuldades do momento e apostar na arte como forma de transcendência”, conclui Crivelli Visconti.

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