THE NEW YORK TIMES - Nos anais da pintura histórica, poucos tópicos cativaram mais os artistas do que a Batalha de Lepanto, uma épica competição naval do século 16 em que enormes frotas de galeras cristãs e otomanas se enfrentaram na costa da Grécia.
Entre as inúmeras representações da cena está uma imensa versão do embate, com 3 metros de largura, criada logo depois do acontecimento, em 1571, que foi atribuída a Tintoretto.
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Essa obra, A Batalha de Lepanto, foi vendida em Veneza no ano de 1908 ao arqueólogo e historiador de arte alemão, Friedrich Sarre, o primeiro diretor do Museu de Arte Islâmica de Berlim.
A pintura ficou na cidade por um tempo, pouco antes da Segunda Guerra Mundial. Mas depois, assim como aconteceu com dezenas de milhares de obras de arte, seu rastro se perdeu no caos da época. Não consta que a obra tenha voltado a ser exibida em ambiente público até a década de 1980.
Agora, familiares de Sarre afirmaram saber o que aconteceu com a pintura. John Barry, bisneto de Sarre, disse que é provável que a obra tenha sido saqueada da espaçosa villa do arqueólogo nos arredores de Berlim em 1945, quando forças russas avançaram para ocupar a casa e grande parte da área, com base em escritos da família na época.
Esses documentos, reconhece a família, não falam sobre o paradeiro da pintura naquela época ou durante a guerra. Mas Barry disse que representam um bom começo e que seus esforços para rastrear a obra foram frustrados pela casa de leilões Sotheby’s, que vendeu a pintura em 2016.
A Sotheby’s tem uma equipe que se concentra na procedência de obras de arte que podem ter se perdido como resultado da perseguição na Segunda Guerra Mundial. A casa anunciou publicamente seu sucesso na resolução de vários pedidos de restituição. Mas Barry disse que há mais de dois anos a Sotheby’s tem impedido seus esforços para saber mais sobre Lepanto para além do que aparecia no catálogo de vendas da casa de leilões.
Barry disse que esse catálogo se referia a uma exposição de 1910 na qual seu bisavô constava como proprietário da obra. No entanto, Barry disse que, quando pressionou a Sotheby’s por ajuda para rastrear a pintura, um representante questionou se a pintura que a casa de leilões havia vendido era de fato a mesma.
“Existem muitas pinturas a óleo da Batalha de Lepanto – uma das batalhas navais mais pintadas dos séculos 16 e 17 – e estou tentando ligar os pontos”, Lucian Simmons, chefe mundial de restituição da Sotheby’s, escreveu para Barry, de acordo com registros de e-mail fornecidos por Barry.
Na verdade, disse Barry, o catálogo da Sotheby’s citava outra ligação com seu bisavô: um artigo que ele escrevera sobre a pintura em 1938.
Barry, advogado que trabalhou no Departamento de Justiça dos Estados Unidos, disse estar desapontado com o fato de a Sotheby’s ter parado de responder às suas perguntas há mais de um ano.
“Uma empresa como a Sotheby’s não pode assumir a posição pública de que a proveniência de uma pintura saqueada é muito importante do ponto de vista da ética, da integridade e do valor de mercado, mas depois ignorar seletivamente essas preocupações e se recusar a explicar as coisas quando confrontada com fatos desconfortáveis”, escreveu ele em e-mail ao New York Times.
A Sotheby’s disse que tratou as perguntas de Barry de forma adequada e que fez todos os esforços razoáveis para avaliar suas reivindicações e começar uma conversa franca. Em comunicado, a Sotheby’s se referiu ao bisavô de Barry como um “estudioso pioneiro” e expressou empatia pela perda da villa e pelo tratamento que a família recebera dos russos. Mas disse não ter visto nenhuma evidência que indicasse claramente que Sarre era o proprietário da pintura depois de 1910 e não ter encontrado qualquer indicação de que a obra tivesse sido saqueada.
“A Sotheby’s continua disposta”, disse o comunicado, “a facilitar uma solução amigável com a família Sarre no caso de surgirem evidências de propriedade e perda da época da Segunda Guerra Mundial”.
Tantas obras foram saqueadas na Europa durante a guerra que os museus e o mercado de arte se comprometeram a analisar a história de pinturas – como a imagem da batalha de Lepanto – que apresentem lacunas significativas nas suas histórias da guerra. A maioria dessas obras tomada pelos nazistas das mãos de judeus.
O caso Sarre é diferente porque ele era de origem huguenote e a obra, pelo menos de acordo com a tese da família, teria sido tomada pelos russos, que, segundo o Departamento de Estado dos Estados Unidos, levaram consigo muitas obras de arte e arquivos da Alemanha no final da guerra.
Não há evidências, porém, de que a pintura tenha saído da Alemanha. A investigação mais recente da família Sarre indica que, em 1957, a obra estava em posse de um cientista alemão cujos herdeiros a mantiveram durante mais de uma década.
Barry começou a procurar a Sotheby’s para obter informações sobre a pintura em 2021, quando familiares notaram que a obra tinha sido vendida em leilão. Simmons, executivo da Sotheby’s, respondeu prontamente, mostram os registros de e-mail, e conversou sobre a obra com Barry por e-mail e por telefone.
A certa altura, ele enviou a Barry uma matéria de 1994 mencionando Lepanto no jornal alemão Die Zeit, que dizia haver evidências de que o objeto estava na villa de Sarre em 1945. O artigo observava que a casa fora “confiscada pelos russos”.
Mas Simmons mais tarde se questionou se a obra que Sarre possuía era a mesma que a Sotheby’s vendera, o que levou Barry a enviar imagens de Lepanto do catálogo da exposição de Munique de 1910 e do catálogo da Sotheby’s de 2016. As imagens parecem idênticas, embora a pintura, que antes tinha cerca de 2 por 4 metros, tenha sido danificada e agora tenha pouco mais de 3 metros de largura.
“Não há dúvida de que a pintura que a Sotheby’s vendeu em 2016 era propriedade de Friedrich e Maria Sarre”, escreveu Barry a Simmons em agosto de 2021.
Os dois se comunicaram várias vezes depois disso, disse Barry, inclusive em uma videochamada de uma hora em que Simmons o ouviu apresentar seus argumentos. Em um e-mail de maio de 2022, Simmons escreveu: “Queria que você soubesse que não me esqueci de você”. Depois ele escreveu, de acordo com cópias da correspondência de Barry: “Estou informando o comprador e o vendedor do leilão de Paris e avisarei você quando tiver alguma novidade”.
Barry disse que, desde então, a Sotheby’s parou de responder aos seus telefonemas e e-mails, mas que não tem planos de abandonar o assunto. Ele disse que não espera que alguém simplesmente entregue Lepanto à sua família, mas que gostaria que a Sotheby’s reconhecesse que a origem da obra estava incompleta e avaliasse qual solução poderia ser justa para todas as partes envolvidas.
“Minha família tem uma ligação forte com essa pintura”, disse Barry. “Sinto uma obrigação para com eles”.
Este artigo foi originalmente publicado no New York Times.
/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU