Do pioneiro Walkman da Sony ao último Toyota Prius, o carro híbrido com porta traseira – acionado por combustão e eletricidade – mais vendido no mundo. Das poéticas luminárias de papel de Isamu Noguchi ao banco Butterfly de Sori Yanagi. Sem falar em designers em plena atuação como Tokujin Yoshioka e Oki Sato, nomes hoje disputados por nove entre dez marcas do primeiríssimo time do mercado internacional. Quando pensamos na cultura nipônica, uma das primeiras referências que surgem é o design. Surpreende, no entanto, que ainda assim não exista no Japão um museu dedicado exclusivamente a esse assunto.
“Nossa exposição cumpre o papel de reunir diferentes itens presentes no cotidiano do japonês, sob a ótica de oito renomados criadores, de diversas áreas, mostrando que basta um olhar curioso para encontrar o design em quase tudo o que nos cerca”, afirma Kyoko Kuramori, produtora-chefe do serviço internacional da NHK – organização de mídia pública japonesa com destacada atuação na televisão, rádio e internet – e curadora da mostra Design Museum Japan: Investigando o Design Japonês, em cartaz na Japan House São Paulo, até o dia 11 de junho.
Curiosa também é a proposta da curadora para compor o que seria uma mostra-embrião de um futuro museu do design em terras nipônicas: no lugar de expositores sensíveis ao toque, blocos de isopor escavados. Em vez de objetos ultratecnológicos em exposição, artefatos em fibras naturais, na maior parte das vezes rudimentares. Pronto para ser embalado e enviado a Los Angeles e Londres – próximas paradas da exposição –, o primeiro Museu do Design do Japão é nômade e itinerante. Mais ligado a aspectos atemporais da vida, da história e da paisagem do país do sol nascente do que propriamente ao seu futuro. “O conceito de design, oriundo da cultura europeia, é muito novo para nós. Há ainda muita confusão sobre o que seja arte, design, artesanato”, conta o arquiteto Tsuyoshi Tane, que, além de designer convidado, assina a expografia da mostra.
LINHA DO TEMPO. “Nossa ideia foi estender a linha do tempo. Partir não do design moderno, mas de objetos produzidos ancestralmente, nos quais podemos reconhecer o que consideramos hoje design”, explica Tane, para quem a cultura do design ainda tem de ser democratizada no Japão. “Só assim acredito que chegaremos a ter um dia um museu consagrado ao tema”, adverte.
“Promover o reconhecimento e a percepção do design no cotidiano é uma forma de valorizar a produção local. Além disso, a chance de o público conhecer esses tesouros escondidos do Japão é realmente única”, destaca Kyoko. A maioria dos criadores, inclusive, já foi tema de exposições individuais ou teve seu trabalho exposto na Japan House São Paulo – caso de Reiko Sudo, Akira Minagawa, Kunihiko Morinaga e Kenya Hara, além do próprio Tane.
Ele fez suas pesquisas na província de Iwate, onde a pesquisa arqueológica tem conquistado grandes avanços, a partir do quais ele investigou o design existente em objetos cerâmicos criados há cerca de 10 mil anos. “Eles foram produzidos no período em que o ser humano deixa de ser nômade e se fixa em um local, ao redor do fogo. Do ponto de vista da museologia, essas peças já são classificadas histórica e cientificamente. No caso, me interessa propor um olhar pela perspectiva do design. Como, afinal, moldar a argila, produzir o fogo, compartilhar as refeições, identificar objetos cerimoniais?”, resume ele.
Já a investigação conduzida pelo designer gráfico Kenya Hara foi realizada em sua cidade natal, na província de Okayama. Ele visitou uma empresa fabricante de hélices de navio, que chegam a ter 8m de diâmetro, mas com ajustes finais de curvatura executados por artesãos trabalhando na escala dos milímetros.
“Fiquei surpreso em constatar que o trabalho que determina a precisão de algo tão enorme é feito pela mão humana”, conta Hara, que se emociona ao pensar que um objeto feito para cumprir uma função meramente mecânica – transformar a força rotacional em propulsão – possa exibir uma forma tão bela.
TAPEÇARIAS. Por fim, em outra intervenção digna de nota, a designer Akira Minagawa resolveu voltar a atenção para a grossa tapeçaria manual conhecida como “dantsu”, produzida na província de Yamagata. Essa região do Japão é coberta de neve durante o inverno, o que levou seus moradores a aprimorar seus conhecimentos sobre a indústria têxtil chinesa para adequar seus tapetes ao costume japonês de andar descalço. “A qualidade do trabalho manual não é só o que se vê, mas algo que se sente”, pondera Minagawa.
Interessante do ponto de vista investigativo e documental, o Design Museum Japan comporta objetivos ainda mais ambiciosos. Entre nós, desde o dia da abertura da mostra paulistana, um painel interativo com o mapa do Brasil, fixado a uma das paredes na saída da exposição, convidava os visitantes – a exemplo do que vai acontecer nas demais sedes – a apontar centros produtores de design no país, ainda que desconhecidos ou pouco divulgados. E o resultado não poderia ter sido mais promissor. Até a última sexta-feira, data de nossa visita, não havia nenhuma região brasileira que não tivesse sido assinalada