Arte feita por IA é apenas trapaça? Conheça o AARON e os primórdios da pintura feita com robôs


Harold Cohen, morto em 2016, criou o software na década de 1970 e, ao longo da vida, aperfeiçoou o robô que gerou suas criações; veja imagens A história do pintor que virou

Por Travis Diehl

THE NEW YORK TIMES — Sim, é mais uma exposição de arte gerada por inteligência artificial – mas espere aí! O software conhecido como AARON não é como as outras IA. Seu desenvolvedor, o pintor britânico Harold Cohen – por ser artista – entendeu que a inteligência artificial não é uma trapaça para fazer arte interessante. Em última análise, é uma ferramenta – e só vai ser boa se o usuário for bom.

As pinturas que Cohen fez com o AARON, em exibição no Whitney Museum, em Nova York, representam o estilo cada vez mais sofisticado de sua equipe homem-máquina. As primeiras imagens, da década de 1970, eram meras linhas abstratas e oscilantes com manchas sombreadas – a capacidade de processamento disponível na época não conseguia fazer muito mais – que AARON desenhou com uma plotadora robótica. Cohen depois acrescentou manchas de cor ácida e avermelhada à mão.

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Obra 2001 feita por Harold Cohen com seu software de geração de imagens AARON. Foto: Harold Cohen Trust, via Whitney Museum of American Art via The New York Times

Gradual e meticulosamente, Cohen aprimorou AARON para incluir figuras humanas, objetos como mesas e vasos de flores e profusões de plantas com folhas. A atualização de 1995 conseguia compor retratos alegres em interiores mobiliados e colori-los usando um braço robótico para alternar entre potes de tinta. Em meados da década de 2000, cascatas de folhas tomaram as imagens – numa projeção no Whitney, uma versão do software de 2007 desenha selvas a giz de cera, em tempo real.

O final da década de 1980 talvez tenha sido o auge. Na mostra estão dois exemplos da Série Banhistas de Cohen e AARON, vagamente inspirados nos quadros impressionistas de Paul Cézanne sobre o tema. Em Coming to a Lighter Place, de 1988, as linhas redondas e ondulantes que são a marca registrada de AARON, inscrevem figuras vibrantes, pintadas em tons de mostarda e azul claro, contra uma floresta salpicada de laranja e fúcsia. A pintura vibra de alegria fecunda, como se quisesse continuar florescendo.

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A obra Coming to a Lighter Place (1988), de Harold Cohen, feita com o software AARON. Foto: Harold Cohen Trust, via Whitney Museum of American Art via The New York Times

Antes de começar a programar, Cohen era um pintor talentoso – suas telas, cobertas de formas emaranhadas, figuraram em grandes exposições como a Bienal de Veneza e a Documenta. Em 1968, o emprego de professor na Universidade da Califórnia, em San Diego, o levou ao caldeirão dos primórdios do Vale do Silício e à crescente indústria de defesa.

Ainda faltava uma década para a chegada do computador pessoal Apple II quando Cohen começou a brincar com desenho robótico. Ele apresentou os primeiros experimentos em 1972, mas AARON nasceu durante uma residência no Laboratório de Inteligência Artificial da Universidade de Stanford, de 1973 a 1975. Cohen continuou na Califórnia e seguiu aprimorando o AARON até sua morte, em 2016.

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A atual onda de softwares de geração de imagens por IA – desde programas de texto para formação de imagens como o Dall-E até as animações chamativas de Refik Anadol – depende de enormes conjuntos de dados com milhões de imagens (muitas delas obras protegidas por direitos autorais de terceiros), que eles processam e regurgitam. AARON procede como um pintor: pincelada a pincelada, seguindo as regras de profundidade e perspectiva, o equilíbrio das composições e a teoria das cores, recorrendo a um pequeno vocabulário de formas.

O pintor britânico Harold Cohen passou mais de quatro décadas aperfeiçoando seu colaborador: um robô gerador de imagens. Na imagem, uma obra feita em 2007 em exibição no Whitney Museum. Foto: Harold Cohen Trust, via Whitney Museum of American Art via The New York Times

AARON nunca “viu” uma planta ou um ser humano. Em vez de imitar a aparência de uma pessoa, por exemplo, ele constrói figuras uma linha de cada vez. Seu código contém instruções detalhadas de anatomia, como número de membros, proporções de cabeça e mãos, localização de articulações e posturas plausíveis. No Whitney, você pode ver os cadernos onde Cohen desenvolveu essa lógica, traduzindo em código os movimentos humanos. Em um diagrama quase místico, Cohen cruzou um desenho de dois braços com pontos e linhas, como um mapa de acupunturista.

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Pinturas feitas com robôs controlados por IA podem parecer mera trapaça, especialmente com o atual burburinho em torno de chatbots e deepfakes – e a chegada da exposição ao Whitney certamente não é acidental. Mas uma visita às galerias dissipa essa noção, até porque Cohen aplicou cor em todas as pinturas (exceto uma). Os resultados têm uma textura assustadoramente desumana, mas orgânica – enquanto grande parte da arte gerada por IA vive numa tela eletrônica ou impressa em papel. Imitações de obras de Jackson Pollock e Lee Krasner feitas pelo Dall-E apareceram no outono passado na galeria Susan Inglett impressas em tela, mas não enganaram ninguém.

Obra de 2001 feita por Harold Cohen com o software AARON, desenvolvido com o cientista da computação Raymond Kurzweil. Foto: (Harold Cohen Trust, via Whitney Museum of American Art via The New York Times

“Um dos acordos que fiz comigo mesmo desde o início foi que nunca aceitaria ficar nessa posição de me desculpar porque as obras foram feitas por um computador”, disse Cohen numa conversa publicada em 1995, com a sua mulher, Becky. “Sempre insisti que o trabalho realizado pelo programa teria que estar em pé de igualdade com a arte feita à mão.”

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Hoje, artistas experientes como Seth Price e David Salle estão explorando maneiras de incorporar a IA às suas práticas – maneiras de usar o software, em vez de reagir a ele.

Comparadas com os horrores visuais que emergem do moedor de carne psicodélico das inteligências artificiais como o Dall-E, as dóceis imagens de pessoas de AARON parecem amigáveis e contidas. A exposição no Whitney fala de um período esperançoso no desenvolvimento tecnológico, quando os pioneiros da internet imaginavam um reino anárquico da mente, e não a descontrolada máquina de captura de atenção que ela se tornou.

Cohen desenvolveu AARON com um propósito. A máquina e o pintor cresceram juntos – de forma ineficiente segundo os padrões da tecnologia, mas de forma frutífera segundo os padrões da arte. Não quero ficar defendendo o expressionismo meloso nem incitando uma abordagem excessivamente agressiva contra nossos senhores corporativos, mas o estilo de liberdade e curiosidade criado especificamente para o AARON parece ser uma coisa que vale a pena salvar.

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Harold Cohen: AARON

Até 19 de maio. Whitney Museum of American Art, 99 Gansevoort St., Manhattan; 212-570-3633, whitney.org.

TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

THE NEW YORK TIMES — Sim, é mais uma exposição de arte gerada por inteligência artificial – mas espere aí! O software conhecido como AARON não é como as outras IA. Seu desenvolvedor, o pintor britânico Harold Cohen – por ser artista – entendeu que a inteligência artificial não é uma trapaça para fazer arte interessante. Em última análise, é uma ferramenta – e só vai ser boa se o usuário for bom.

As pinturas que Cohen fez com o AARON, em exibição no Whitney Museum, em Nova York, representam o estilo cada vez mais sofisticado de sua equipe homem-máquina. As primeiras imagens, da década de 1970, eram meras linhas abstratas e oscilantes com manchas sombreadas – a capacidade de processamento disponível na época não conseguia fazer muito mais – que AARON desenhou com uma plotadora robótica. Cohen depois acrescentou manchas de cor ácida e avermelhada à mão.

Obra 2001 feita por Harold Cohen com seu software de geração de imagens AARON. Foto: Harold Cohen Trust, via Whitney Museum of American Art via The New York Times

Gradual e meticulosamente, Cohen aprimorou AARON para incluir figuras humanas, objetos como mesas e vasos de flores e profusões de plantas com folhas. A atualização de 1995 conseguia compor retratos alegres em interiores mobiliados e colori-los usando um braço robótico para alternar entre potes de tinta. Em meados da década de 2000, cascatas de folhas tomaram as imagens – numa projeção no Whitney, uma versão do software de 2007 desenha selvas a giz de cera, em tempo real.

O final da década de 1980 talvez tenha sido o auge. Na mostra estão dois exemplos da Série Banhistas de Cohen e AARON, vagamente inspirados nos quadros impressionistas de Paul Cézanne sobre o tema. Em Coming to a Lighter Place, de 1988, as linhas redondas e ondulantes que são a marca registrada de AARON, inscrevem figuras vibrantes, pintadas em tons de mostarda e azul claro, contra uma floresta salpicada de laranja e fúcsia. A pintura vibra de alegria fecunda, como se quisesse continuar florescendo.

A obra Coming to a Lighter Place (1988), de Harold Cohen, feita com o software AARON. Foto: Harold Cohen Trust, via Whitney Museum of American Art via The New York Times

Antes de começar a programar, Cohen era um pintor talentoso – suas telas, cobertas de formas emaranhadas, figuraram em grandes exposições como a Bienal de Veneza e a Documenta. Em 1968, o emprego de professor na Universidade da Califórnia, em San Diego, o levou ao caldeirão dos primórdios do Vale do Silício e à crescente indústria de defesa.

Ainda faltava uma década para a chegada do computador pessoal Apple II quando Cohen começou a brincar com desenho robótico. Ele apresentou os primeiros experimentos em 1972, mas AARON nasceu durante uma residência no Laboratório de Inteligência Artificial da Universidade de Stanford, de 1973 a 1975. Cohen continuou na Califórnia e seguiu aprimorando o AARON até sua morte, em 2016.

A atual onda de softwares de geração de imagens por IA – desde programas de texto para formação de imagens como o Dall-E até as animações chamativas de Refik Anadol – depende de enormes conjuntos de dados com milhões de imagens (muitas delas obras protegidas por direitos autorais de terceiros), que eles processam e regurgitam. AARON procede como um pintor: pincelada a pincelada, seguindo as regras de profundidade e perspectiva, o equilíbrio das composições e a teoria das cores, recorrendo a um pequeno vocabulário de formas.

O pintor britânico Harold Cohen passou mais de quatro décadas aperfeiçoando seu colaborador: um robô gerador de imagens. Na imagem, uma obra feita em 2007 em exibição no Whitney Museum. Foto: Harold Cohen Trust, via Whitney Museum of American Art via The New York Times

AARON nunca “viu” uma planta ou um ser humano. Em vez de imitar a aparência de uma pessoa, por exemplo, ele constrói figuras uma linha de cada vez. Seu código contém instruções detalhadas de anatomia, como número de membros, proporções de cabeça e mãos, localização de articulações e posturas plausíveis. No Whitney, você pode ver os cadernos onde Cohen desenvolveu essa lógica, traduzindo em código os movimentos humanos. Em um diagrama quase místico, Cohen cruzou um desenho de dois braços com pontos e linhas, como um mapa de acupunturista.

Pinturas feitas com robôs controlados por IA podem parecer mera trapaça, especialmente com o atual burburinho em torno de chatbots e deepfakes – e a chegada da exposição ao Whitney certamente não é acidental. Mas uma visita às galerias dissipa essa noção, até porque Cohen aplicou cor em todas as pinturas (exceto uma). Os resultados têm uma textura assustadoramente desumana, mas orgânica – enquanto grande parte da arte gerada por IA vive numa tela eletrônica ou impressa em papel. Imitações de obras de Jackson Pollock e Lee Krasner feitas pelo Dall-E apareceram no outono passado na galeria Susan Inglett impressas em tela, mas não enganaram ninguém.

Obra de 2001 feita por Harold Cohen com o software AARON, desenvolvido com o cientista da computação Raymond Kurzweil. Foto: (Harold Cohen Trust, via Whitney Museum of American Art via The New York Times

“Um dos acordos que fiz comigo mesmo desde o início foi que nunca aceitaria ficar nessa posição de me desculpar porque as obras foram feitas por um computador”, disse Cohen numa conversa publicada em 1995, com a sua mulher, Becky. “Sempre insisti que o trabalho realizado pelo programa teria que estar em pé de igualdade com a arte feita à mão.”

Hoje, artistas experientes como Seth Price e David Salle estão explorando maneiras de incorporar a IA às suas práticas – maneiras de usar o software, em vez de reagir a ele.

Comparadas com os horrores visuais que emergem do moedor de carne psicodélico das inteligências artificiais como o Dall-E, as dóceis imagens de pessoas de AARON parecem amigáveis e contidas. A exposição no Whitney fala de um período esperançoso no desenvolvimento tecnológico, quando os pioneiros da internet imaginavam um reino anárquico da mente, e não a descontrolada máquina de captura de atenção que ela se tornou.

Cohen desenvolveu AARON com um propósito. A máquina e o pintor cresceram juntos – de forma ineficiente segundo os padrões da tecnologia, mas de forma frutífera segundo os padrões da arte. Não quero ficar defendendo o expressionismo meloso nem incitando uma abordagem excessivamente agressiva contra nossos senhores corporativos, mas o estilo de liberdade e curiosidade criado especificamente para o AARON parece ser uma coisa que vale a pena salvar.

Harold Cohen: AARON

Até 19 de maio. Whitney Museum of American Art, 99 Gansevoort St., Manhattan; 212-570-3633, whitney.org.

TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

THE NEW YORK TIMES — Sim, é mais uma exposição de arte gerada por inteligência artificial – mas espere aí! O software conhecido como AARON não é como as outras IA. Seu desenvolvedor, o pintor britânico Harold Cohen – por ser artista – entendeu que a inteligência artificial não é uma trapaça para fazer arte interessante. Em última análise, é uma ferramenta – e só vai ser boa se o usuário for bom.

As pinturas que Cohen fez com o AARON, em exibição no Whitney Museum, em Nova York, representam o estilo cada vez mais sofisticado de sua equipe homem-máquina. As primeiras imagens, da década de 1970, eram meras linhas abstratas e oscilantes com manchas sombreadas – a capacidade de processamento disponível na época não conseguia fazer muito mais – que AARON desenhou com uma plotadora robótica. Cohen depois acrescentou manchas de cor ácida e avermelhada à mão.

Obra 2001 feita por Harold Cohen com seu software de geração de imagens AARON. Foto: Harold Cohen Trust, via Whitney Museum of American Art via The New York Times

Gradual e meticulosamente, Cohen aprimorou AARON para incluir figuras humanas, objetos como mesas e vasos de flores e profusões de plantas com folhas. A atualização de 1995 conseguia compor retratos alegres em interiores mobiliados e colori-los usando um braço robótico para alternar entre potes de tinta. Em meados da década de 2000, cascatas de folhas tomaram as imagens – numa projeção no Whitney, uma versão do software de 2007 desenha selvas a giz de cera, em tempo real.

O final da década de 1980 talvez tenha sido o auge. Na mostra estão dois exemplos da Série Banhistas de Cohen e AARON, vagamente inspirados nos quadros impressionistas de Paul Cézanne sobre o tema. Em Coming to a Lighter Place, de 1988, as linhas redondas e ondulantes que são a marca registrada de AARON, inscrevem figuras vibrantes, pintadas em tons de mostarda e azul claro, contra uma floresta salpicada de laranja e fúcsia. A pintura vibra de alegria fecunda, como se quisesse continuar florescendo.

A obra Coming to a Lighter Place (1988), de Harold Cohen, feita com o software AARON. Foto: Harold Cohen Trust, via Whitney Museum of American Art via The New York Times

Antes de começar a programar, Cohen era um pintor talentoso – suas telas, cobertas de formas emaranhadas, figuraram em grandes exposições como a Bienal de Veneza e a Documenta. Em 1968, o emprego de professor na Universidade da Califórnia, em San Diego, o levou ao caldeirão dos primórdios do Vale do Silício e à crescente indústria de defesa.

Ainda faltava uma década para a chegada do computador pessoal Apple II quando Cohen começou a brincar com desenho robótico. Ele apresentou os primeiros experimentos em 1972, mas AARON nasceu durante uma residência no Laboratório de Inteligência Artificial da Universidade de Stanford, de 1973 a 1975. Cohen continuou na Califórnia e seguiu aprimorando o AARON até sua morte, em 2016.

A atual onda de softwares de geração de imagens por IA – desde programas de texto para formação de imagens como o Dall-E até as animações chamativas de Refik Anadol – depende de enormes conjuntos de dados com milhões de imagens (muitas delas obras protegidas por direitos autorais de terceiros), que eles processam e regurgitam. AARON procede como um pintor: pincelada a pincelada, seguindo as regras de profundidade e perspectiva, o equilíbrio das composições e a teoria das cores, recorrendo a um pequeno vocabulário de formas.

O pintor britânico Harold Cohen passou mais de quatro décadas aperfeiçoando seu colaborador: um robô gerador de imagens. Na imagem, uma obra feita em 2007 em exibição no Whitney Museum. Foto: Harold Cohen Trust, via Whitney Museum of American Art via The New York Times

AARON nunca “viu” uma planta ou um ser humano. Em vez de imitar a aparência de uma pessoa, por exemplo, ele constrói figuras uma linha de cada vez. Seu código contém instruções detalhadas de anatomia, como número de membros, proporções de cabeça e mãos, localização de articulações e posturas plausíveis. No Whitney, você pode ver os cadernos onde Cohen desenvolveu essa lógica, traduzindo em código os movimentos humanos. Em um diagrama quase místico, Cohen cruzou um desenho de dois braços com pontos e linhas, como um mapa de acupunturista.

Pinturas feitas com robôs controlados por IA podem parecer mera trapaça, especialmente com o atual burburinho em torno de chatbots e deepfakes – e a chegada da exposição ao Whitney certamente não é acidental. Mas uma visita às galerias dissipa essa noção, até porque Cohen aplicou cor em todas as pinturas (exceto uma). Os resultados têm uma textura assustadoramente desumana, mas orgânica – enquanto grande parte da arte gerada por IA vive numa tela eletrônica ou impressa em papel. Imitações de obras de Jackson Pollock e Lee Krasner feitas pelo Dall-E apareceram no outono passado na galeria Susan Inglett impressas em tela, mas não enganaram ninguém.

Obra de 2001 feita por Harold Cohen com o software AARON, desenvolvido com o cientista da computação Raymond Kurzweil. Foto: (Harold Cohen Trust, via Whitney Museum of American Art via The New York Times

“Um dos acordos que fiz comigo mesmo desde o início foi que nunca aceitaria ficar nessa posição de me desculpar porque as obras foram feitas por um computador”, disse Cohen numa conversa publicada em 1995, com a sua mulher, Becky. “Sempre insisti que o trabalho realizado pelo programa teria que estar em pé de igualdade com a arte feita à mão.”

Hoje, artistas experientes como Seth Price e David Salle estão explorando maneiras de incorporar a IA às suas práticas – maneiras de usar o software, em vez de reagir a ele.

Comparadas com os horrores visuais que emergem do moedor de carne psicodélico das inteligências artificiais como o Dall-E, as dóceis imagens de pessoas de AARON parecem amigáveis e contidas. A exposição no Whitney fala de um período esperançoso no desenvolvimento tecnológico, quando os pioneiros da internet imaginavam um reino anárquico da mente, e não a descontrolada máquina de captura de atenção que ela se tornou.

Cohen desenvolveu AARON com um propósito. A máquina e o pintor cresceram juntos – de forma ineficiente segundo os padrões da tecnologia, mas de forma frutífera segundo os padrões da arte. Não quero ficar defendendo o expressionismo meloso nem incitando uma abordagem excessivamente agressiva contra nossos senhores corporativos, mas o estilo de liberdade e curiosidade criado especificamente para o AARON parece ser uma coisa que vale a pena salvar.

Harold Cohen: AARON

Até 19 de maio. Whitney Museum of American Art, 99 Gansevoort St., Manhattan; 212-570-3633, whitney.org.

TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

THE NEW YORK TIMES — Sim, é mais uma exposição de arte gerada por inteligência artificial – mas espere aí! O software conhecido como AARON não é como as outras IA. Seu desenvolvedor, o pintor britânico Harold Cohen – por ser artista – entendeu que a inteligência artificial não é uma trapaça para fazer arte interessante. Em última análise, é uma ferramenta – e só vai ser boa se o usuário for bom.

As pinturas que Cohen fez com o AARON, em exibição no Whitney Museum, em Nova York, representam o estilo cada vez mais sofisticado de sua equipe homem-máquina. As primeiras imagens, da década de 1970, eram meras linhas abstratas e oscilantes com manchas sombreadas – a capacidade de processamento disponível na época não conseguia fazer muito mais – que AARON desenhou com uma plotadora robótica. Cohen depois acrescentou manchas de cor ácida e avermelhada à mão.

Obra 2001 feita por Harold Cohen com seu software de geração de imagens AARON. Foto: Harold Cohen Trust, via Whitney Museum of American Art via The New York Times

Gradual e meticulosamente, Cohen aprimorou AARON para incluir figuras humanas, objetos como mesas e vasos de flores e profusões de plantas com folhas. A atualização de 1995 conseguia compor retratos alegres em interiores mobiliados e colori-los usando um braço robótico para alternar entre potes de tinta. Em meados da década de 2000, cascatas de folhas tomaram as imagens – numa projeção no Whitney, uma versão do software de 2007 desenha selvas a giz de cera, em tempo real.

O final da década de 1980 talvez tenha sido o auge. Na mostra estão dois exemplos da Série Banhistas de Cohen e AARON, vagamente inspirados nos quadros impressionistas de Paul Cézanne sobre o tema. Em Coming to a Lighter Place, de 1988, as linhas redondas e ondulantes que são a marca registrada de AARON, inscrevem figuras vibrantes, pintadas em tons de mostarda e azul claro, contra uma floresta salpicada de laranja e fúcsia. A pintura vibra de alegria fecunda, como se quisesse continuar florescendo.

A obra Coming to a Lighter Place (1988), de Harold Cohen, feita com o software AARON. Foto: Harold Cohen Trust, via Whitney Museum of American Art via The New York Times

Antes de começar a programar, Cohen era um pintor talentoso – suas telas, cobertas de formas emaranhadas, figuraram em grandes exposições como a Bienal de Veneza e a Documenta. Em 1968, o emprego de professor na Universidade da Califórnia, em San Diego, o levou ao caldeirão dos primórdios do Vale do Silício e à crescente indústria de defesa.

Ainda faltava uma década para a chegada do computador pessoal Apple II quando Cohen começou a brincar com desenho robótico. Ele apresentou os primeiros experimentos em 1972, mas AARON nasceu durante uma residência no Laboratório de Inteligência Artificial da Universidade de Stanford, de 1973 a 1975. Cohen continuou na Califórnia e seguiu aprimorando o AARON até sua morte, em 2016.

A atual onda de softwares de geração de imagens por IA – desde programas de texto para formação de imagens como o Dall-E até as animações chamativas de Refik Anadol – depende de enormes conjuntos de dados com milhões de imagens (muitas delas obras protegidas por direitos autorais de terceiros), que eles processam e regurgitam. AARON procede como um pintor: pincelada a pincelada, seguindo as regras de profundidade e perspectiva, o equilíbrio das composições e a teoria das cores, recorrendo a um pequeno vocabulário de formas.

O pintor britânico Harold Cohen passou mais de quatro décadas aperfeiçoando seu colaborador: um robô gerador de imagens. Na imagem, uma obra feita em 2007 em exibição no Whitney Museum. Foto: Harold Cohen Trust, via Whitney Museum of American Art via The New York Times

AARON nunca “viu” uma planta ou um ser humano. Em vez de imitar a aparência de uma pessoa, por exemplo, ele constrói figuras uma linha de cada vez. Seu código contém instruções detalhadas de anatomia, como número de membros, proporções de cabeça e mãos, localização de articulações e posturas plausíveis. No Whitney, você pode ver os cadernos onde Cohen desenvolveu essa lógica, traduzindo em código os movimentos humanos. Em um diagrama quase místico, Cohen cruzou um desenho de dois braços com pontos e linhas, como um mapa de acupunturista.

Pinturas feitas com robôs controlados por IA podem parecer mera trapaça, especialmente com o atual burburinho em torno de chatbots e deepfakes – e a chegada da exposição ao Whitney certamente não é acidental. Mas uma visita às galerias dissipa essa noção, até porque Cohen aplicou cor em todas as pinturas (exceto uma). Os resultados têm uma textura assustadoramente desumana, mas orgânica – enquanto grande parte da arte gerada por IA vive numa tela eletrônica ou impressa em papel. Imitações de obras de Jackson Pollock e Lee Krasner feitas pelo Dall-E apareceram no outono passado na galeria Susan Inglett impressas em tela, mas não enganaram ninguém.

Obra de 2001 feita por Harold Cohen com o software AARON, desenvolvido com o cientista da computação Raymond Kurzweil. Foto: (Harold Cohen Trust, via Whitney Museum of American Art via The New York Times

“Um dos acordos que fiz comigo mesmo desde o início foi que nunca aceitaria ficar nessa posição de me desculpar porque as obras foram feitas por um computador”, disse Cohen numa conversa publicada em 1995, com a sua mulher, Becky. “Sempre insisti que o trabalho realizado pelo programa teria que estar em pé de igualdade com a arte feita à mão.”

Hoje, artistas experientes como Seth Price e David Salle estão explorando maneiras de incorporar a IA às suas práticas – maneiras de usar o software, em vez de reagir a ele.

Comparadas com os horrores visuais que emergem do moedor de carne psicodélico das inteligências artificiais como o Dall-E, as dóceis imagens de pessoas de AARON parecem amigáveis e contidas. A exposição no Whitney fala de um período esperançoso no desenvolvimento tecnológico, quando os pioneiros da internet imaginavam um reino anárquico da mente, e não a descontrolada máquina de captura de atenção que ela se tornou.

Cohen desenvolveu AARON com um propósito. A máquina e o pintor cresceram juntos – de forma ineficiente segundo os padrões da tecnologia, mas de forma frutífera segundo os padrões da arte. Não quero ficar defendendo o expressionismo meloso nem incitando uma abordagem excessivamente agressiva contra nossos senhores corporativos, mas o estilo de liberdade e curiosidade criado especificamente para o AARON parece ser uma coisa que vale a pena salvar.

Harold Cohen: AARON

Até 19 de maio. Whitney Museum of American Art, 99 Gansevoort St., Manhattan; 212-570-3633, whitney.org.

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