NOVA YORK - Antes de fundir em bronze as esculturas longilíneas de pele rugosa pelas quais é conhecido, o suíço Alberto Giacometti (1901-1966) investigava a figura humana em argila e gesso, moldando nesse material suas preocupações sobre perspectiva, distância e escala. Também fez isso em estatuetas e bustos minúsculos, alguns com menos de 5 cm de altura. Vistos raramente devido à fragilidade da massa com que foram feitos, exemplos dessas miniaturas detalham a prática de estúdio e evolução técnica do artista suíço entre cerca de 200 obras na retrospectiva Giacometti, que o museu Guggenheim de NY exibe até 12 de setembro.
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A retrospectiva recapitula as cinco décadas do Giacometti escultor, pintor e desenhista, repassando o interesse dele pelo cubismo, seu período surrealista e a retomada da figuração na fase madura. A maior parte das obras pertence à Fondation Giacometti, de Paris, e foi produzida no estúdio de 23 m² que ele ocupou naquela cidade desde 1926. No mesmo lugar, ele fez toda sua carreira, marcada pelas figuras solitárias e aparência calcinada que, em referência ao filósofo existencialista francês, o levaram a ser chamado de “o Sartre da escultura”.
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Nascido na vila suíça de Borgonovo, antes de se mudar definitivamente para Paris, Giacometti passou temporadas estudando em Genebra, Veneza, Pádua, Florença e Roma. A sua forma de esculpir nos anos de treinamento, usando canivete, tinta e lápis de cor para salientar feições e ângulos, é bem visível nas pequenas Tête de Femme (Flora Mayo) e Personnage Accroupi.
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As inovações de Brancusi, Laurens, Lipchitz e Picasso o atraíram mais que os princípios da escultura clássica. Por volta de 1925, a construção geométrica do cubismo foi sendo incorporada em trabalhos como a pintura a óleo Sculpture e o gesso Le Couple. Em peças sempre mais abstratas, ele aprimorou o vocabulário formal resumido em placas de gesso com sulcos ou relevos sobre superfície polida. Tête Qui Regarde e Femme, de 1929, marcaram o primeiro sucesso dele entre críticos e grupos da avant-garde parisiense.
Como outros jovens artistas na Paris dos anos 20, ele descobriu a arte trazida de colônias francesas na África e na Oceania. Vários desenhos mostram seus estudos daquelas representações primitivas que penetraram em Femme Cuillère, por exemplo, inspirada nas colheres com formato humano usadas em rituais do povo Dan, da Costa do Marfim e da Libéria.
Impressionado pelo gesso Boule Suspendue (1930), André Breton, líder dos surrealistas, pediu que Giacometti entrasse para seu grupo, mas ele se juntou aos dissidentes do escritor, encabeçados por George Bataille. Mains Tenant le Vide (Objet Invisible), de 1934, é considerada um ícone daquele período e foi a última obra dele em associação com os surrealistas. Naquele ano, ele voltou a criar a partir da realidade e isso foi tomado como traição pelos que experimentavam com os sonhos e o inconsciente.
Na 2.ª Guerra, Giacometti apresentou-se ao exército suíço, mas não foi considerado apto para o serviço militar por causa de um acidente de trânsito, em 1938, que o deixara manco. Ficou em Genebra de 1942 a 1945, trabalhando num quarto de hotel. Explorando a relação entre distância e escala, reduziu o tamanho de estatuetas e bustos raspando o gesso até deixá-los com poucos centímetros de altura.
Quando a guerra acabou, Giacometti voltou para o mesmo estúdio em Montparnasse e Annette Arm foi viver com ele num quarto ao lado (22 anos mais jovem que o artista, ela o conhecera em Genebra, em 1943, e os dois se casaram em 1949). Annete e Diego, irmão mais novo e assistente do artista, posavam para ele diariamente.
Circulando no meio intelectual parisiense do pós-guerra, Giacometti ficou amigo do casal existencialista Jean-Paul Sartre, que acabara de publicar O Ser e o Nada, e Simone de Beauvoir, que o apresentou a Merleau-Ponty, autor de Fenomenologia da Percepção, sobre o conceito de sensação correlacionada ao corpo e ao movimento. Nas obras dele, os filósofos viram a corporificação de suas teorias. No período mais produtivo de sua carreira, em “busca do absoluto”, como escreveu Sartre, Giacometti enfatizou o isolamento humano em Homme Qui Pointe (1947), nas pessoas espalhadas em La Place (1951), e nas expressões brutais de Tête Sur Tige (1947) e Le Nez (1949).
A fama do “novo” Giacometti se espalhou para outros países e, entre 1955 e 1958, as primeiras retrospectivas do trabalho dele foram apresentadas por museus da Europa, dos EUA e do Japão. Nas décadas de 50 e 60, Giacometti deu nova direção para seu estilo na escultura e na pintura. Em retratos como Annette Noire (1962), reduziu a gama de cinzas e elementos de composição, concentrando-se nos olhos das pessoas. Insatisfeito com o que via na tela, pintava e repintava o mesmo personagem. O escritor americano James Lord fotografou 11 dos incontáveis estágios do quadro para o qual posou enquanto registrava as conversas em que baseou seu livro sobre Giacometti (adaptado para o cinema em Último Retrato, de 2017, com Geoffrey Rush no papel principal.
Nos últimos anos de carreira, Giacometti deixou de desmaterializar e afinar suas figuras. Retomou a base que usou no período surrealista como parte integrante de esculturas como os nus femininos da série que exibiu, em 1956, na Bienal de Veneza. Com novo conceito escultural e em gessos de fragmentações do corpo (La Jambe, de 1958, mede 223 x 30,3 x 46,1 cm; Grande Tête, de 1960, tem 100,5 x 31,7 x 43,1 cm), a iconografia dele ganhou escala monumental.
Um grupo de grandes peças como aquelas poderia estar hoje numa praça de NY. Convidado a instalar seus personagens no espaço público da sede do banco Chase Manhattan, que estava sendo construída, só de um dos seus homens em marcha ele fez pelo menos 40 versões. Mas, descontente com o resultado, destruiu a maioria e desistiu do projeto.
Das que foram poupadas da destruição e fundidas em bronze, L’Homme Qui Marche I, com 1,83 m de altura, foi exibida pela primeira vez na Bienal de Veneza de 1962, onde Giacometti apresentou trabalhos como artista convidado e recebeu o grande prêmio para escultura.
Em fevereiro de 1963 Giacometti teve de ser operado de câncer no estômago. Em poucos meses, estava trabalhando de novo. No início de 1964, começou a modelar o busto do fotógrafo Eli Lotar, amigo dos seus tempos de surrealista. Lotar, seu último modelo, teria posado para ele cerca de 400 vezes. A escultura de argila ficou inacabada porque, em outubro de 1965, exames mostraram que a doença voltara. Em 11 de janeiro de 1966, ele morreu por causa de complicações cardíacas. Naquela noite, Diego voltou a Paris e reproduziu o busto de Lotar em gesso. Um bronze dessa última obra marca o túmulo de Giacometti no cemitério da mesma vila suíça onde ele nasceu.
Homenagem. A maior coleção de obras de Giacometti no mundo ganhou espaço permanente em Paris. Em junho, a Fondation Giacometti inaugurou o Institut Giacometti que, além de abrigar centenas de esculturas, desenhos e pinturas do artista, terá exposições temporárias e vai funcionar como um centro de pesquisa da história do modernismo. Ele fica em Montmartre, perto do estúdio onde Giacometti trabalhou por quase 40 anos. Com detalhes que chegam ao preciosismo de tocos de cigarros, o estúdio foi reconstruído na sede do instituto. O pequeno museu só pode ser visitado com hora marcada.
Criada em 2003, a fundação é responsável por conservar e restaurar mais de 350 esculturas, 90 pinturas, 2 mil desenhos e quantidade equivalente de gravuras e placas de metal originais que lhe foram transferidos por Annette, a viúva do artista franco-suíço. A fundação também está levando para o instituto um vasto arquivo de fotografias, documentação, correspondência e outros manuscritos, revistas, livros, catálogos de exposições e jornais, vários deles com anotações ou desenhos de Giacometti.
A exposição inaugural é inspirada no livro de Jean Genet O Ateliê de Giacometti (Cosac & Naify). Desde que eles se conheceram num café parisiense em 1954, o escritor posou para Giacometti por três anos. Das conversas que os dois tiveram, Genet concluiu que o estúdio era “o mais importante e mais completo” dos trabalhos de Giacometti, “a essência e o resíduo final da sua contribuição artística”. O texto do livro foi publicado pela primeira vez, em 1957, na revista Lettres Nouvelles.