Quando se fala em arquitetura moderna e funcionalista, o nome da Bauhaus é automaticamente evocado, trazendo à memória arquitetos como Walter Gropius (1883-1969), fundador da centenária escola alemã, em 1919, e Mies van der Rohe (1886-1969), entre outros. Já sobre a ressonância da Bauhaus na América Latina, o nome do arquiteto carioca Oscar Niemeyer (1907-2012) desponta como a figura mais importante. Contudo, a história não reservou um lugar (merecido) nesse panteão ao homem que criou a primeira casa modernista de São Paulo, entre 1927 e 1928, o arquiteto de origem ucraniana, naturalizado brasileiro (em 1927), Gregori Warchavchik (1896-1972). Finalmente, o pioneiro do ‘international style’ no Brasil está sendo homenageado pelo Itaú Cultural com a 44.ª exposição da série Ocupação, que reúne, entre fotos, documentos, desenhos, audiovisuais e objetos, os principais projetos desenvolvidos por Warchavchik. Entre eles estão o da casa da Rua Itápolis (Pacaembu), onde hoje mora seu neto Carlos Eduardo, e o do museu Lasar Segall, na Rua Berta (Vila Mariana), que foi residência do pintor, amigo e concunhado do arquiteto, casado com a cantora lírica e paisagista Mina Klabin (1896-1969), irmã da escritora e tradutora Jenny Klabin Segall (1899-1967).
Mina, além de esposa, foi parceira de Warchavchik nos projetos modernos assinados pelo arquiteto, influenciando, entre outros, o paisagista Burle Marx. Como acentua a crítica Aracy Amaral num dos vídeos da exposição, Mina foi também uma pioneira do modernismo no Brasil, ao introduzir plantas tropicais nos projetos paisagísticos pensados para dialogar com o pensamento formal do marido, ancorado nas lições do modernismo internacional, mas sintonizado com a paisagem brasileira e capaz de produzir uma arquitetura reconhecível e inovadora. É o que destaca José Lira, professor da FAU/USP, em vídeo sobre o lugar de Warchavchik no modernismo brasileiro.
Cocuradora da Ocupação Gregori Warchavchik, Sílvia Prado Segall, que assina ainda a mostra A Casa Modernista no espaço que dá título à exposição (na Rua Santa Cruz, 135), chama a atenção justamente para a originalidade da linguagem do arquiteto. Sílvia, que foi pioneira na reedição do mobiliário desenhado por Warchavchik, ao lançar, em 1999, móveis criados por ele na década de 1930, selecionou alguns para a exposição do Itaú Cultural. Segundo a designer, são os detalhes formais desses móveis, das luminárias, fachadas e fechaduras de Warchavchik que comprovam a existência de um pensamento formal singular, marcado pela “busca incessante da beleza”. Foi ele o responsável pela mudança de paradigma na construção de casas e edifícios não só em São Paulo como em projetos implantados no Rio.
A primeira casa modernista carioca também foi assinada por Warchavchik, a residência do empresário alemão William Nordschild, construída entre 1930 e 1931 na Rua Tonelero, em Copacabana. Contudo, ela não teve a mesma sorte de sua congênere em São Paulo, salva graças à criação do Parque da Casa Modernista, em 1983. A bela casa de Nordschild foi demolida em 1954, mas sobrevivem documentos sobre ela reunidos na mostra do Itaú Cultural, como o detalhamento do seu projeto e imagens históricas, entre elas a foto da sua inauguração, marcada pela exposição de telas de Tarsila e Anita Malfatti e a presença dos arquitetos Frank Lloyd Wright (1867-1954) e Lúcio Costa (1902-1998), que trabalharia com Warchavchik em projetos de casas populares no Rio (a Vila Operária da Gamboa, de 1933) antes de se associar a Oscar Niemeyer na construção de Brasília.
Ao contrário do parceiro urbanista Lúcio Costa, Warchavchik não foi um “profissional dos planos urbanos”, observa o professor José Lira no vídeo do Itaú Cultural. Não tinha a inclinação do modernista suíço Le Corbusier (1887-1965) por projetos mastodônticos (erigir cidades, por exemplo). Entretanto, observa Lira, ele “assume projetos preocupados com o espaço urbano” ao participar, em 1939, de um concurso para a construção do Paço Municipal de São Paulo. Ele atuou, dos anos 1940 em diante, basicamente como um empreendedor – de seu escritório de arquitetura saíram projetos para grandes clubes (o ginásio do Hebraica, a sede do Paulistano, o salão de festas do Pinheiros), além de edifícios de belas linhas, como o Mina Klabin (de 1938), no número 1.003 da Rua Barão de Limeira (Campos Elísios), e o Cícero Prado (1954), na Avenida Rio Branco, 1.661.
O visitante da Ocupação Gregori Warchavchik no Itaú Cultural tem à disposição dois roteiros arquitetônicos para conhecer sua obra, segundo Tânia Rodrigues, gerente do Núcleo de Enciclopédias do Itaú Cultural e integrante da equipe curatorial da exposição. “Um vai em direção a Higienópolis, onde está a casa da Rua Bahia, construída em 1930, e outro, na direção da Vila Mariana, onde estão a casa modernista, o Museu Lasar Segall e as casas econômicas da rua Berta, sendo que ambos os percursos perfazem 10.860 passos”, contabiliza a cocuradora. Esse trajeto permite constatar o experimentalismo de Warchavchik e o caráter arrojado desses projetos, avançados para uma época (anos 1920 e 1930) marcada pela ornamentação excessiva – dois bons motivos para conhecer sua obra, segundo o professor José Lira. Então, qual seria a razão de Warchavchik ter sido eclipsado por outros astros na história da arquitetura? A cocuradora Sílvia Prado Segall ensaia uma possível resposta, antes de lançar um livro sobre o design do mestre modernista (brevemente) e outro sobre sua arquitetura (ainda em projeto): “Ele não andava em turma, viveu numa época marcada pelo antissemitismo, não foi politizado como Niemeyer e sobretudo recebeu muitas críticas, que rebateu, por ser um inovador numa época que praticava a arquitetura eclética”. No entanto, sua influência continua visível, conclui a designer, apontando como exemplos de herdeiros da sua arquitetura racionalista os projetos assinados por Isay Weinfeld e Márcio Kogan.