Fábio Miguez volta a Giotto e busca atmosfera pré-renascentista


Mostra Alvenarias revisita a pintura do italiano, retira os personagens de cena e fica com só com sua arquitetura

Por Antonio Gonçalves Filho

Cada imagem das telas de pequeno formato na exposição Alvenarias, do pintor Fábio Miguez, em cartaz na Galeria Nara Roesler, evoca uma atmosfera pré-renascentista – e, mais especificamente, a arquitetura das pinturas de Giotto. No entanto, não se subordinam ao dogma religioso nem se nutrem de fervor místico, como Giotto, até mesmo porque, no caso de Miguez, trata-se de uma arquitetura laica.  De qualquer modo, estão lá fragmentos de edificações registradas em telas de Giotto como Demônios Cercando a Cidade de Arezzo (1296-1297) e a casa rosácea ao lado da qual São Francisco recebe os estigmas, pintada no mesmo período pelo italiano. O que faz um pintor que começou expressionista nos anos 1980, quando integrava o grupo Casa 7, influenciado por Jorge Guinle, trocar a incerteza do gesto expansivo pela certeza de uma pintura construída com rigor como a de Giotto?

Fábio Miguez em foto de 30 de maio de 2022 Foto: Leda Abuhab/Estadão

A resposta pode ser o isolamento que confinou Fábio Miguez em seu ateliê da Barra Funda nos últimos dois anos, levando o pintor a produzir algo em torno de 300 dessas telas de pequenos formatos, todas versando sobre a arquitetura e o vazio.  É preciso acrescentar que, antes dele, o pintor Paulo Pasta apresentou há quatro anos, na Galeria Millan, uma tela chamada Giotto (2016), em que usava a Anunciação de Duccio para mostrar que a arquitetura não tinha um lugar passivo em Duccio ou Giotto, descoberta feita após subtrair as figuras sagradas da pintura de ambos.  A repetição do mesmo artifício, adotada por Miguez, extrai igualmente a presença humana (e também a divina) das telas. Ficam apenas edificações, como sugere o título da mostra, em que a ausência das figuras que habitam a obra de Giotto, compensada pela exuberância arquitetônica, diz muito sobre a planaridade da pintura moderna, o desamparo e o vazio contemporâneo. Em outra série, dedicada ao moderno Volpi – que, igualmente, teve sua epifania vendo os afrescos de Giotto na Capella degli Scrovegni de Pádua – essa ausência é ainda mais marcante. Ao reinterpretar de maneira sintética uma Fachada de Volpi do final dos anos 1940, que pertenceu ao colecionador Domingos Giobbi, Miguez extrai da tela original todos os elementos que não lhe interessam (como o barco negro) e reestrutura o espaço com molduras que promovem uma releitura contemporânea da espacialidade moderna criada por um italiano radicado no Brasil e tremendamente marcado pela arquitetura severa e refinada de Giotto.

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Atalhos

O curador Luis Pérez-Oramas define esses novos trabalhos de Miguez como obras de um “pedreiro que constrói seu muro na atemporalidade da pintura”. Dessa construção real, como já foi dito, ele expurgou personagens que, no caso de Giotto, constituíam a razão da própria pintura.  Miguez diz que a série Alvenarias é uma decorrência natural da série Atalhos, pinturas realizadas em óleo e cera antes da pandemia, cujo título foi inspirado pelo filme Short Cuts (1993), de Robert Altman. Como se sabe, o filme versa sobre a intersecção da experiência existencial de 22 personagens. É fragmentado ao paroxismo. Na mesma trilha, Miguez construía paisagens com fragmentos derivados de uma lógica cubista. Atalhos tem mais de 200 telas de pequeno formato que constituem a pedra fundamental da nova série Alvenarias. Na exposição, as telas de grande formato seguem em diferente direção, ampliando o jogo ambíguo entre arquitetura e pintura, como na divisão geométrica adotada pelo gótico Sassetta em suas criações, que separam o sacro do profano por linhas e colunas. “Com a pandemia, obrigado a passar o dia inteiro no ateliê, comecei a produzir essas pinturas de pequenas dimensões”, conta o pintor.  Surgiu daí a necessidade de construir uma obra mais intimista, que refletisse sobre a própria história da pintura – daí as referências a Giotto, Volpi e a Piero della Francesca (e há numa das telas pequenas uma citação explícita da sua Flagelação de Cristo numa recriação abstrata em que o Messias é substituído por uma coluna vermelha da cor de seu sangue). “Tem algo de espiritual nessa pintura, mas diria que é uma espiritualidade laica”, esclarece Miguez. Presentes em importantes coleções, suas obras estão sendo vendidas por preços que variam de US$ 7 mil (telas pequenas) a US$ 60 mil.

Cada imagem das telas de pequeno formato na exposição Alvenarias, do pintor Fábio Miguez, em cartaz na Galeria Nara Roesler, evoca uma atmosfera pré-renascentista – e, mais especificamente, a arquitetura das pinturas de Giotto. No entanto, não se subordinam ao dogma religioso nem se nutrem de fervor místico, como Giotto, até mesmo porque, no caso de Miguez, trata-se de uma arquitetura laica.  De qualquer modo, estão lá fragmentos de edificações registradas em telas de Giotto como Demônios Cercando a Cidade de Arezzo (1296-1297) e a casa rosácea ao lado da qual São Francisco recebe os estigmas, pintada no mesmo período pelo italiano. O que faz um pintor que começou expressionista nos anos 1980, quando integrava o grupo Casa 7, influenciado por Jorge Guinle, trocar a incerteza do gesto expansivo pela certeza de uma pintura construída com rigor como a de Giotto?

Fábio Miguez em foto de 30 de maio de 2022 Foto: Leda Abuhab/Estadão

A resposta pode ser o isolamento que confinou Fábio Miguez em seu ateliê da Barra Funda nos últimos dois anos, levando o pintor a produzir algo em torno de 300 dessas telas de pequenos formatos, todas versando sobre a arquitetura e o vazio.  É preciso acrescentar que, antes dele, o pintor Paulo Pasta apresentou há quatro anos, na Galeria Millan, uma tela chamada Giotto (2016), em que usava a Anunciação de Duccio para mostrar que a arquitetura não tinha um lugar passivo em Duccio ou Giotto, descoberta feita após subtrair as figuras sagradas da pintura de ambos.  A repetição do mesmo artifício, adotada por Miguez, extrai igualmente a presença humana (e também a divina) das telas. Ficam apenas edificações, como sugere o título da mostra, em que a ausência das figuras que habitam a obra de Giotto, compensada pela exuberância arquitetônica, diz muito sobre a planaridade da pintura moderna, o desamparo e o vazio contemporâneo. Em outra série, dedicada ao moderno Volpi – que, igualmente, teve sua epifania vendo os afrescos de Giotto na Capella degli Scrovegni de Pádua – essa ausência é ainda mais marcante. Ao reinterpretar de maneira sintética uma Fachada de Volpi do final dos anos 1940, que pertenceu ao colecionador Domingos Giobbi, Miguez extrai da tela original todos os elementos que não lhe interessam (como o barco negro) e reestrutura o espaço com molduras que promovem uma releitura contemporânea da espacialidade moderna criada por um italiano radicado no Brasil e tremendamente marcado pela arquitetura severa e refinada de Giotto.

Atalhos

O curador Luis Pérez-Oramas define esses novos trabalhos de Miguez como obras de um “pedreiro que constrói seu muro na atemporalidade da pintura”. Dessa construção real, como já foi dito, ele expurgou personagens que, no caso de Giotto, constituíam a razão da própria pintura.  Miguez diz que a série Alvenarias é uma decorrência natural da série Atalhos, pinturas realizadas em óleo e cera antes da pandemia, cujo título foi inspirado pelo filme Short Cuts (1993), de Robert Altman. Como se sabe, o filme versa sobre a intersecção da experiência existencial de 22 personagens. É fragmentado ao paroxismo. Na mesma trilha, Miguez construía paisagens com fragmentos derivados de uma lógica cubista. Atalhos tem mais de 200 telas de pequeno formato que constituem a pedra fundamental da nova série Alvenarias. Na exposição, as telas de grande formato seguem em diferente direção, ampliando o jogo ambíguo entre arquitetura e pintura, como na divisão geométrica adotada pelo gótico Sassetta em suas criações, que separam o sacro do profano por linhas e colunas. “Com a pandemia, obrigado a passar o dia inteiro no ateliê, comecei a produzir essas pinturas de pequenas dimensões”, conta o pintor.  Surgiu daí a necessidade de construir uma obra mais intimista, que refletisse sobre a própria história da pintura – daí as referências a Giotto, Volpi e a Piero della Francesca (e há numa das telas pequenas uma citação explícita da sua Flagelação de Cristo numa recriação abstrata em que o Messias é substituído por uma coluna vermelha da cor de seu sangue). “Tem algo de espiritual nessa pintura, mas diria que é uma espiritualidade laica”, esclarece Miguez. Presentes em importantes coleções, suas obras estão sendo vendidas por preços que variam de US$ 7 mil (telas pequenas) a US$ 60 mil.

Cada imagem das telas de pequeno formato na exposição Alvenarias, do pintor Fábio Miguez, em cartaz na Galeria Nara Roesler, evoca uma atmosfera pré-renascentista – e, mais especificamente, a arquitetura das pinturas de Giotto. No entanto, não se subordinam ao dogma religioso nem se nutrem de fervor místico, como Giotto, até mesmo porque, no caso de Miguez, trata-se de uma arquitetura laica.  De qualquer modo, estão lá fragmentos de edificações registradas em telas de Giotto como Demônios Cercando a Cidade de Arezzo (1296-1297) e a casa rosácea ao lado da qual São Francisco recebe os estigmas, pintada no mesmo período pelo italiano. O que faz um pintor que começou expressionista nos anos 1980, quando integrava o grupo Casa 7, influenciado por Jorge Guinle, trocar a incerteza do gesto expansivo pela certeza de uma pintura construída com rigor como a de Giotto?

Fábio Miguez em foto de 30 de maio de 2022 Foto: Leda Abuhab/Estadão

A resposta pode ser o isolamento que confinou Fábio Miguez em seu ateliê da Barra Funda nos últimos dois anos, levando o pintor a produzir algo em torno de 300 dessas telas de pequenos formatos, todas versando sobre a arquitetura e o vazio.  É preciso acrescentar que, antes dele, o pintor Paulo Pasta apresentou há quatro anos, na Galeria Millan, uma tela chamada Giotto (2016), em que usava a Anunciação de Duccio para mostrar que a arquitetura não tinha um lugar passivo em Duccio ou Giotto, descoberta feita após subtrair as figuras sagradas da pintura de ambos.  A repetição do mesmo artifício, adotada por Miguez, extrai igualmente a presença humana (e também a divina) das telas. Ficam apenas edificações, como sugere o título da mostra, em que a ausência das figuras que habitam a obra de Giotto, compensada pela exuberância arquitetônica, diz muito sobre a planaridade da pintura moderna, o desamparo e o vazio contemporâneo. Em outra série, dedicada ao moderno Volpi – que, igualmente, teve sua epifania vendo os afrescos de Giotto na Capella degli Scrovegni de Pádua – essa ausência é ainda mais marcante. Ao reinterpretar de maneira sintética uma Fachada de Volpi do final dos anos 1940, que pertenceu ao colecionador Domingos Giobbi, Miguez extrai da tela original todos os elementos que não lhe interessam (como o barco negro) e reestrutura o espaço com molduras que promovem uma releitura contemporânea da espacialidade moderna criada por um italiano radicado no Brasil e tremendamente marcado pela arquitetura severa e refinada de Giotto.

Atalhos

O curador Luis Pérez-Oramas define esses novos trabalhos de Miguez como obras de um “pedreiro que constrói seu muro na atemporalidade da pintura”. Dessa construção real, como já foi dito, ele expurgou personagens que, no caso de Giotto, constituíam a razão da própria pintura.  Miguez diz que a série Alvenarias é uma decorrência natural da série Atalhos, pinturas realizadas em óleo e cera antes da pandemia, cujo título foi inspirado pelo filme Short Cuts (1993), de Robert Altman. Como se sabe, o filme versa sobre a intersecção da experiência existencial de 22 personagens. É fragmentado ao paroxismo. Na mesma trilha, Miguez construía paisagens com fragmentos derivados de uma lógica cubista. Atalhos tem mais de 200 telas de pequeno formato que constituem a pedra fundamental da nova série Alvenarias. Na exposição, as telas de grande formato seguem em diferente direção, ampliando o jogo ambíguo entre arquitetura e pintura, como na divisão geométrica adotada pelo gótico Sassetta em suas criações, que separam o sacro do profano por linhas e colunas. “Com a pandemia, obrigado a passar o dia inteiro no ateliê, comecei a produzir essas pinturas de pequenas dimensões”, conta o pintor.  Surgiu daí a necessidade de construir uma obra mais intimista, que refletisse sobre a própria história da pintura – daí as referências a Giotto, Volpi e a Piero della Francesca (e há numa das telas pequenas uma citação explícita da sua Flagelação de Cristo numa recriação abstrata em que o Messias é substituído por uma coluna vermelha da cor de seu sangue). “Tem algo de espiritual nessa pintura, mas diria que é uma espiritualidade laica”, esclarece Miguez. Presentes em importantes coleções, suas obras estão sendo vendidas por preços que variam de US$ 7 mil (telas pequenas) a US$ 60 mil.

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