Filme mostra Tunga como um dos vetores da arte contemporâneais


Com depoimentos de artistas como Cildo Meireles e críticos como Paulo Sérgio Duarte, o documentário 'Tunga - O Esquecimento das Paixões' estreia nesta quinta, 9

Por Antonio Gonçalves Filho

Uma sequência resume de maneira exemplar a vida do escultor pernambucano Tunga (1952-2016) no filme que leva seu nome, Tunga – O Esquecimento das Paixões: trata-se da rememoração de um antigo projeto do artista, dos anos 1980, em que ele se propõe a construir um toro imaginário no interior de uma rocha, filmando dentro do túnel Dois Irmãos (RJ) com a ajuda do cineasta Murilo Salles, que aparece no documentário dirigido por Miguel de Almeida. A câmera de Salles segue uma trajetória contínua sem encontrar entrada ou saída na seção circular entre São Conrado e a Gávea, ao som de Night and Day cantada por Frank Sinatra, o que acentua o desespero dessa falta de acesso à área externa e a claustrofóbica circularidade do túnel – e da obra de Tunga, pois quase tudo deriva de Ão (o nome dessa obra seminal, de 1981) em sua trajetória, das Xifópagas Capilares (1984) à instalação À Luz de Dois Mundos (2005), primeira vez que um artista contemporâneo entrou no Museu do Louvre, também marco zero do Brasil no panteão francês.

O escultor pernambucano Tunga e sua obra 'La Voie Humide': vetor contemporâneo Foto: Plateau Filmes

As obras principais produzidas por Tunga são revisitadas no documentário – o diretor prefere chamar de “docuficção”. Lá está a instalação True Rouge (1997), que deu origem ao pantagruélico projeto do Instituto Inhotim, de Bernardo Paz, em Brumadinho. Nele também estão fragmentos de performances como Laminadas Almas (2006) e, principalmente, as xifópagas capilares, gêmeas unidas pelos cabelos que Tunga inventou quando investigava a história do túnel Dois Irmãos e descobriu nos jornais a notícia de um caso de xifopagia detectado numa gestante brasileira com quatro meses de gravidez. O filme de Almeida associa as “xifópagas” de Tunga às gêmeas Léa e Maura, filhas do senador Barros Carvalho, retratadas por Guignard em 1940. Acontece que Léa, mãe de Tunga (Antonio José de Barros Carvalho e Mello Mourão), era casada com o poeta Gerardo Mello Mourão (1917-2007), também homenageado no filme.

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“Foi por meio do Gerardo que conheci Tunga”, revela o cineasta, autor do longa Não Estávamos Ali Para Fazer Amigos (2015). O poliglota Gerardo foi correspondente internacional da Folha de S. Paulo na China. Miguel e ele trabalhavam no mesmo jornal. O cineasta mostra na cinebiografia do artista como o pensamento artístico de Tunga foi marcado pela filosofia do pai e o convívio com pintores como Guignard, que frequentava sua casa. Prova da transmissão dessa herança paterna pode ser vista no filme, nos fragmentos extraídos de instalações e performances que exploram princípios da alquimia – uma das obsessões de Gerardo ao lado dos estudos sobre filosofia e religião.

O realizador chegou a apresentar o projeto do filme a Tunga, mas o artista já estava bastante doente na época da pré-produção – ele morreu em consequência de um câncer na garganta, em junho de 2016. “Ele me deu liberdade total para fazer uso de seu material de arquivo e filmar seu estúdio”, conta Miguel, que decidiu rodar um filme que não é exatamente uma cinebiografia, mas um “documentário fake”, segundo sua definição. Como na instalação Laminadas Almas, o espectador do filme é ao mesmo tempo observador e observado nesse laboratório experimental, saindo do cinema com a sensação de ter sido agente e modelo do próprio Tunga – o diretor reforça as alusões aos estranhos signos agrupados pelo escultor carregando nos efeitos hipnóticos das instalações e apoiado por uma ensurdecedora trilha composta de rock pesado.

A estratégia de dublar Tunga por uma mulher (a cantora Marina Lima) justifica a decisão de Miguel de fazer seu documentário “fake”, apelando ao alter ego feminino (do escultor e do cineasta). “Queria destacar essa característica de um artista desterritorializado, um brasileiro com alma internacional, descompromissado com o tempo e preocupado com questões maiores”, justifica o cineasta. Não é, portanto um documentário jornalístico, mas uma investigação dessa “alma laminada”, epicurista, avessa à dicotomia e aberta à poesia – Tunga fala de sua fixação em John Milton (1608-1674) e seu Paraíso Perdido, evocando trechos do poema épico. Enfim, duas entidades – céu e inferno – e uma única configuração, a sensualidade, tratada no filme não só pela projeção de excertos das performances de Tunga como pela reconstituição do processo embrionário de sua derradeira série, Morfológicas, além de depoimentos de amigos, como Cildo Meirelles, confirmando a irresistível atração que as mulheres exerciam sobre Tunga.

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Além de Cildo, aparecem no filme o crítico Paulo Sérgio Duarte, o fotógrafo Miguel Rio Branco e o colecionador Bernardo Paz. Levando em conta a opção do cineasta, de replicar no cinema a técnica literária do cut-up do escritor norte-americano William Burroughs, em que um texto é recortado e misturado aleatoriamente, criando um novo texto, Tunga – O Esquecimento das Paixões precisa ser visto como um experimento caótico, um laboratório em que o espectador, como se disse, é convidado a “refazer” o filme de acordo com essa estratégia. Pode ser estimulante ou frustrante. Depende do repertório do observador.

Uma sequência resume de maneira exemplar a vida do escultor pernambucano Tunga (1952-2016) no filme que leva seu nome, Tunga – O Esquecimento das Paixões: trata-se da rememoração de um antigo projeto do artista, dos anos 1980, em que ele se propõe a construir um toro imaginário no interior de uma rocha, filmando dentro do túnel Dois Irmãos (RJ) com a ajuda do cineasta Murilo Salles, que aparece no documentário dirigido por Miguel de Almeida. A câmera de Salles segue uma trajetória contínua sem encontrar entrada ou saída na seção circular entre São Conrado e a Gávea, ao som de Night and Day cantada por Frank Sinatra, o que acentua o desespero dessa falta de acesso à área externa e a claustrofóbica circularidade do túnel – e da obra de Tunga, pois quase tudo deriva de Ão (o nome dessa obra seminal, de 1981) em sua trajetória, das Xifópagas Capilares (1984) à instalação À Luz de Dois Mundos (2005), primeira vez que um artista contemporâneo entrou no Museu do Louvre, também marco zero do Brasil no panteão francês.

O escultor pernambucano Tunga e sua obra 'La Voie Humide': vetor contemporâneo Foto: Plateau Filmes

As obras principais produzidas por Tunga são revisitadas no documentário – o diretor prefere chamar de “docuficção”. Lá está a instalação True Rouge (1997), que deu origem ao pantagruélico projeto do Instituto Inhotim, de Bernardo Paz, em Brumadinho. Nele também estão fragmentos de performances como Laminadas Almas (2006) e, principalmente, as xifópagas capilares, gêmeas unidas pelos cabelos que Tunga inventou quando investigava a história do túnel Dois Irmãos e descobriu nos jornais a notícia de um caso de xifopagia detectado numa gestante brasileira com quatro meses de gravidez. O filme de Almeida associa as “xifópagas” de Tunga às gêmeas Léa e Maura, filhas do senador Barros Carvalho, retratadas por Guignard em 1940. Acontece que Léa, mãe de Tunga (Antonio José de Barros Carvalho e Mello Mourão), era casada com o poeta Gerardo Mello Mourão (1917-2007), também homenageado no filme.

“Foi por meio do Gerardo que conheci Tunga”, revela o cineasta, autor do longa Não Estávamos Ali Para Fazer Amigos (2015). O poliglota Gerardo foi correspondente internacional da Folha de S. Paulo na China. Miguel e ele trabalhavam no mesmo jornal. O cineasta mostra na cinebiografia do artista como o pensamento artístico de Tunga foi marcado pela filosofia do pai e o convívio com pintores como Guignard, que frequentava sua casa. Prova da transmissão dessa herança paterna pode ser vista no filme, nos fragmentos extraídos de instalações e performances que exploram princípios da alquimia – uma das obsessões de Gerardo ao lado dos estudos sobre filosofia e religião.

O realizador chegou a apresentar o projeto do filme a Tunga, mas o artista já estava bastante doente na época da pré-produção – ele morreu em consequência de um câncer na garganta, em junho de 2016. “Ele me deu liberdade total para fazer uso de seu material de arquivo e filmar seu estúdio”, conta Miguel, que decidiu rodar um filme que não é exatamente uma cinebiografia, mas um “documentário fake”, segundo sua definição. Como na instalação Laminadas Almas, o espectador do filme é ao mesmo tempo observador e observado nesse laboratório experimental, saindo do cinema com a sensação de ter sido agente e modelo do próprio Tunga – o diretor reforça as alusões aos estranhos signos agrupados pelo escultor carregando nos efeitos hipnóticos das instalações e apoiado por uma ensurdecedora trilha composta de rock pesado.

A estratégia de dublar Tunga por uma mulher (a cantora Marina Lima) justifica a decisão de Miguel de fazer seu documentário “fake”, apelando ao alter ego feminino (do escultor e do cineasta). “Queria destacar essa característica de um artista desterritorializado, um brasileiro com alma internacional, descompromissado com o tempo e preocupado com questões maiores”, justifica o cineasta. Não é, portanto um documentário jornalístico, mas uma investigação dessa “alma laminada”, epicurista, avessa à dicotomia e aberta à poesia – Tunga fala de sua fixação em John Milton (1608-1674) e seu Paraíso Perdido, evocando trechos do poema épico. Enfim, duas entidades – céu e inferno – e uma única configuração, a sensualidade, tratada no filme não só pela projeção de excertos das performances de Tunga como pela reconstituição do processo embrionário de sua derradeira série, Morfológicas, além de depoimentos de amigos, como Cildo Meirelles, confirmando a irresistível atração que as mulheres exerciam sobre Tunga.

Além de Cildo, aparecem no filme o crítico Paulo Sérgio Duarte, o fotógrafo Miguel Rio Branco e o colecionador Bernardo Paz. Levando em conta a opção do cineasta, de replicar no cinema a técnica literária do cut-up do escritor norte-americano William Burroughs, em que um texto é recortado e misturado aleatoriamente, criando um novo texto, Tunga – O Esquecimento das Paixões precisa ser visto como um experimento caótico, um laboratório em que o espectador, como se disse, é convidado a “refazer” o filme de acordo com essa estratégia. Pode ser estimulante ou frustrante. Depende do repertório do observador.

Uma sequência resume de maneira exemplar a vida do escultor pernambucano Tunga (1952-2016) no filme que leva seu nome, Tunga – O Esquecimento das Paixões: trata-se da rememoração de um antigo projeto do artista, dos anos 1980, em que ele se propõe a construir um toro imaginário no interior de uma rocha, filmando dentro do túnel Dois Irmãos (RJ) com a ajuda do cineasta Murilo Salles, que aparece no documentário dirigido por Miguel de Almeida. A câmera de Salles segue uma trajetória contínua sem encontrar entrada ou saída na seção circular entre São Conrado e a Gávea, ao som de Night and Day cantada por Frank Sinatra, o que acentua o desespero dessa falta de acesso à área externa e a claustrofóbica circularidade do túnel – e da obra de Tunga, pois quase tudo deriva de Ão (o nome dessa obra seminal, de 1981) em sua trajetória, das Xifópagas Capilares (1984) à instalação À Luz de Dois Mundos (2005), primeira vez que um artista contemporâneo entrou no Museu do Louvre, também marco zero do Brasil no panteão francês.

O escultor pernambucano Tunga e sua obra 'La Voie Humide': vetor contemporâneo Foto: Plateau Filmes

As obras principais produzidas por Tunga são revisitadas no documentário – o diretor prefere chamar de “docuficção”. Lá está a instalação True Rouge (1997), que deu origem ao pantagruélico projeto do Instituto Inhotim, de Bernardo Paz, em Brumadinho. Nele também estão fragmentos de performances como Laminadas Almas (2006) e, principalmente, as xifópagas capilares, gêmeas unidas pelos cabelos que Tunga inventou quando investigava a história do túnel Dois Irmãos e descobriu nos jornais a notícia de um caso de xifopagia detectado numa gestante brasileira com quatro meses de gravidez. O filme de Almeida associa as “xifópagas” de Tunga às gêmeas Léa e Maura, filhas do senador Barros Carvalho, retratadas por Guignard em 1940. Acontece que Léa, mãe de Tunga (Antonio José de Barros Carvalho e Mello Mourão), era casada com o poeta Gerardo Mello Mourão (1917-2007), também homenageado no filme.

“Foi por meio do Gerardo que conheci Tunga”, revela o cineasta, autor do longa Não Estávamos Ali Para Fazer Amigos (2015). O poliglota Gerardo foi correspondente internacional da Folha de S. Paulo na China. Miguel e ele trabalhavam no mesmo jornal. O cineasta mostra na cinebiografia do artista como o pensamento artístico de Tunga foi marcado pela filosofia do pai e o convívio com pintores como Guignard, que frequentava sua casa. Prova da transmissão dessa herança paterna pode ser vista no filme, nos fragmentos extraídos de instalações e performances que exploram princípios da alquimia – uma das obsessões de Gerardo ao lado dos estudos sobre filosofia e religião.

O realizador chegou a apresentar o projeto do filme a Tunga, mas o artista já estava bastante doente na época da pré-produção – ele morreu em consequência de um câncer na garganta, em junho de 2016. “Ele me deu liberdade total para fazer uso de seu material de arquivo e filmar seu estúdio”, conta Miguel, que decidiu rodar um filme que não é exatamente uma cinebiografia, mas um “documentário fake”, segundo sua definição. Como na instalação Laminadas Almas, o espectador do filme é ao mesmo tempo observador e observado nesse laboratório experimental, saindo do cinema com a sensação de ter sido agente e modelo do próprio Tunga – o diretor reforça as alusões aos estranhos signos agrupados pelo escultor carregando nos efeitos hipnóticos das instalações e apoiado por uma ensurdecedora trilha composta de rock pesado.

A estratégia de dublar Tunga por uma mulher (a cantora Marina Lima) justifica a decisão de Miguel de fazer seu documentário “fake”, apelando ao alter ego feminino (do escultor e do cineasta). “Queria destacar essa característica de um artista desterritorializado, um brasileiro com alma internacional, descompromissado com o tempo e preocupado com questões maiores”, justifica o cineasta. Não é, portanto um documentário jornalístico, mas uma investigação dessa “alma laminada”, epicurista, avessa à dicotomia e aberta à poesia – Tunga fala de sua fixação em John Milton (1608-1674) e seu Paraíso Perdido, evocando trechos do poema épico. Enfim, duas entidades – céu e inferno – e uma única configuração, a sensualidade, tratada no filme não só pela projeção de excertos das performances de Tunga como pela reconstituição do processo embrionário de sua derradeira série, Morfológicas, além de depoimentos de amigos, como Cildo Meirelles, confirmando a irresistível atração que as mulheres exerciam sobre Tunga.

Além de Cildo, aparecem no filme o crítico Paulo Sérgio Duarte, o fotógrafo Miguel Rio Branco e o colecionador Bernardo Paz. Levando em conta a opção do cineasta, de replicar no cinema a técnica literária do cut-up do escritor norte-americano William Burroughs, em que um texto é recortado e misturado aleatoriamente, criando um novo texto, Tunga – O Esquecimento das Paixões precisa ser visto como um experimento caótico, um laboratório em que o espectador, como se disse, é convidado a “refazer” o filme de acordo com essa estratégia. Pode ser estimulante ou frustrante. Depende do repertório do observador.

Uma sequência resume de maneira exemplar a vida do escultor pernambucano Tunga (1952-2016) no filme que leva seu nome, Tunga – O Esquecimento das Paixões: trata-se da rememoração de um antigo projeto do artista, dos anos 1980, em que ele se propõe a construir um toro imaginário no interior de uma rocha, filmando dentro do túnel Dois Irmãos (RJ) com a ajuda do cineasta Murilo Salles, que aparece no documentário dirigido por Miguel de Almeida. A câmera de Salles segue uma trajetória contínua sem encontrar entrada ou saída na seção circular entre São Conrado e a Gávea, ao som de Night and Day cantada por Frank Sinatra, o que acentua o desespero dessa falta de acesso à área externa e a claustrofóbica circularidade do túnel – e da obra de Tunga, pois quase tudo deriva de Ão (o nome dessa obra seminal, de 1981) em sua trajetória, das Xifópagas Capilares (1984) à instalação À Luz de Dois Mundos (2005), primeira vez que um artista contemporâneo entrou no Museu do Louvre, também marco zero do Brasil no panteão francês.

O escultor pernambucano Tunga e sua obra 'La Voie Humide': vetor contemporâneo Foto: Plateau Filmes

As obras principais produzidas por Tunga são revisitadas no documentário – o diretor prefere chamar de “docuficção”. Lá está a instalação True Rouge (1997), que deu origem ao pantagruélico projeto do Instituto Inhotim, de Bernardo Paz, em Brumadinho. Nele também estão fragmentos de performances como Laminadas Almas (2006) e, principalmente, as xifópagas capilares, gêmeas unidas pelos cabelos que Tunga inventou quando investigava a história do túnel Dois Irmãos e descobriu nos jornais a notícia de um caso de xifopagia detectado numa gestante brasileira com quatro meses de gravidez. O filme de Almeida associa as “xifópagas” de Tunga às gêmeas Léa e Maura, filhas do senador Barros Carvalho, retratadas por Guignard em 1940. Acontece que Léa, mãe de Tunga (Antonio José de Barros Carvalho e Mello Mourão), era casada com o poeta Gerardo Mello Mourão (1917-2007), também homenageado no filme.

“Foi por meio do Gerardo que conheci Tunga”, revela o cineasta, autor do longa Não Estávamos Ali Para Fazer Amigos (2015). O poliglota Gerardo foi correspondente internacional da Folha de S. Paulo na China. Miguel e ele trabalhavam no mesmo jornal. O cineasta mostra na cinebiografia do artista como o pensamento artístico de Tunga foi marcado pela filosofia do pai e o convívio com pintores como Guignard, que frequentava sua casa. Prova da transmissão dessa herança paterna pode ser vista no filme, nos fragmentos extraídos de instalações e performances que exploram princípios da alquimia – uma das obsessões de Gerardo ao lado dos estudos sobre filosofia e religião.

O realizador chegou a apresentar o projeto do filme a Tunga, mas o artista já estava bastante doente na época da pré-produção – ele morreu em consequência de um câncer na garganta, em junho de 2016. “Ele me deu liberdade total para fazer uso de seu material de arquivo e filmar seu estúdio”, conta Miguel, que decidiu rodar um filme que não é exatamente uma cinebiografia, mas um “documentário fake”, segundo sua definição. Como na instalação Laminadas Almas, o espectador do filme é ao mesmo tempo observador e observado nesse laboratório experimental, saindo do cinema com a sensação de ter sido agente e modelo do próprio Tunga – o diretor reforça as alusões aos estranhos signos agrupados pelo escultor carregando nos efeitos hipnóticos das instalações e apoiado por uma ensurdecedora trilha composta de rock pesado.

A estratégia de dublar Tunga por uma mulher (a cantora Marina Lima) justifica a decisão de Miguel de fazer seu documentário “fake”, apelando ao alter ego feminino (do escultor e do cineasta). “Queria destacar essa característica de um artista desterritorializado, um brasileiro com alma internacional, descompromissado com o tempo e preocupado com questões maiores”, justifica o cineasta. Não é, portanto um documentário jornalístico, mas uma investigação dessa “alma laminada”, epicurista, avessa à dicotomia e aberta à poesia – Tunga fala de sua fixação em John Milton (1608-1674) e seu Paraíso Perdido, evocando trechos do poema épico. Enfim, duas entidades – céu e inferno – e uma única configuração, a sensualidade, tratada no filme não só pela projeção de excertos das performances de Tunga como pela reconstituição do processo embrionário de sua derradeira série, Morfológicas, além de depoimentos de amigos, como Cildo Meirelles, confirmando a irresistível atração que as mulheres exerciam sobre Tunga.

Além de Cildo, aparecem no filme o crítico Paulo Sérgio Duarte, o fotógrafo Miguel Rio Branco e o colecionador Bernardo Paz. Levando em conta a opção do cineasta, de replicar no cinema a técnica literária do cut-up do escritor norte-americano William Burroughs, em que um texto é recortado e misturado aleatoriamente, criando um novo texto, Tunga – O Esquecimento das Paixões precisa ser visto como um experimento caótico, um laboratório em que o espectador, como se disse, é convidado a “refazer” o filme de acordo com essa estratégia. Pode ser estimulante ou frustrante. Depende do repertório do observador.

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