THE NEW YORK TIMES - Por quanto tempo você conseguiria segurar seu olhar mais fulminante? Um minuto? Uma hora?
Tente 157 anos. É desde então que a noiva no centro de uma pintura de Auguste Toulmouche olha com ódio para aqueles que se atrevem a olhar para ela. Mais recentemente, seu olhar – queixo abaixado e sobrancelhas arqueadas, emoldurando um olhar direto e penetrante – se dirigiu a uma nova geração de espectadores.
A pintura A Noiva Hesitante (1866) virou um sucesso surpresa no TikTok, onde os espectadores contemporâneos, muitos deles mulheres, a usam para expressar seus momentos de indignação ou protesto.
Jenn Ficarra, 32 anos, roteirista em Los Angeles, disse que a pintura começou a aparecer em seu feed há duas semanas. Ela não conhecia Toulmouche, mas imediatamente se identificou com o olhar de uma mulher que estava farta de tudo. Aí ela fez seu próprio vídeo. “Não seja malvada”, ela escreve sobre uma imagem da pintura, imaginando uma bronca sexista. Em seguida, ela amplia o rosto da noiva para responder: “A malvada não está no momento, mas posso chamá-la, se você quiser”.
Muitos outros usuários do TikTok conheceram a pintura há duas semanas, quando postaram um vídeo semelhante com a legenda “eu quando estou certa” e um trecho dramático do Réquiem de Giuseppe Verdi ao fundo. Desde então, o vídeo foi visto mais de 6 milhões de vezes. Outras pessoas no aplicativo usaram a pintura como resposta a frases como “Você está exagerando” e “Você deveria sorrir mais, queridinha”.
A tendência é um adendo curioso à carreira de Toulmouche. Nascido em Nantes, França, em 1829, ele era conhecido por pintar retratos idealizados de parisienses ricas, numa época em que seus contemporâneos, como Claude Monet e Edgar Degas, estavam migrando para a escola menos rígida do impressionismo. O estilo de Toulmouche, que é chamado de realismo acadêmico, acabou perdendo para a mais celebrada onda dos impressionistas.
A Noiva Hesitante, que não estava entre as pinturas mais conhecidas de sua época, retrata quatro mulheres com roupas opulentas e ambientes típicos dos temas de Toulmouche. Mas a expressão severa da noiva é incomum, disse Therese Dolan, professora emérita de arte moderna e contemporânea na Escola de Arte e Arquitetura Tyler da Universidade Temple, na Filadélfia.
“Não é comum ver isso na pintura do século 19 – esse tipo de expressão independente”, disse Dolan. “Na verdade, ela está mostrando a emoção de não querer se casar com a pessoa que sua família obviamente rica escolheu”.
Sua raiva evidente fica ainda mais apropriada quando se tem em conta que as mulheres da sociedade parisiense perdiam muitos de seus direitos depois do casamento, disse ela, acrescentando: “O que Toulmouche faz com tanto sucesso é entrar na psique da mulher”.
Os espectadores de hoje apresentam interpretações abrangentes da pintura e suas aplicações na vida moderna.
Ficarra, a roteirista, acha que a pintura bombou online porque muitas mulheres se identificam com a frustração no rosto da noiva numa situação em que se espera que ela pareça grata. A pintura mostra que as mulheres vêm se aborrecendo com essas expectativas sociais há séculos, disse ela, e recorrendo a outras mulheres para enfrentar a situação: “Honestamente, parece uma cena de uma noite de sexta-feira com as amigas”.
Joan Hawk, proprietária da galeria Bedford Fine Art em Bedford, Pensilvânia, que vendeu algumas das obras de Toulmouche, indagou se o ressurgimento da pintura teria a ver com a mudança de atitude das jovens em relação ao casamento. A luz na pintura destaca o rosto da noiva, o que, disse Hawk, comunica algo como: “Ugh, será que eu realmente tenho que passar por isso?”.
Nos cantos LGBT do TikTok, algumas pessoas têm interpretações ainda mais profundas sobre a relutância da noiva. A noiva é amparada por outras três mulheres, uma das quais segura sua mão enquanto outra beija sua testa.
Ela destacou o “toque delicado” entre as mulheres na pintura e a intimidade que elas demonstram num momento em que uma delas está claramente chateada. Os relacionamentos lésbicos muitas vezes são disfarçados ou descartados como amizades, acrescentou ela.
Enquanto novos debates sobre a pintura se desenrolam entre os jovens que são novatos na arte francesa do século 19, Toulmouche, que morreu em 1890, jamais poderá apreciar seus novos fãs.
“R.I.P. para um grande amigo”, disse Haines.
Este artigo foi originalmente publicado em The New York Times.
/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU