O arquiteto Rino Levi (1901-1965) foi pioneiro em muitos sentidos, tanto no estético como no empresarial e ecológico. Primeiro brasileiro a criar um escritório de arquitetura, em 1927, Levi também é considerado o autor de um dos primeiros manifestos em defesa da arquitetura moderna no Brasil, publicado em 1925 no Estado, quando ainda era estudante e morava na Itália (ele retornaria ao Brasil em 1926). Por tudo isso – e também por ser autor de projetos de prédios históricos em São Paulo – o arquiteto será homenageado pelo Itaú Cultural, a partir do dia 29, sábado, com a Ocupação Rino Levi, 49.ª edição da série que destaca a vida e obra de grandes criadores.
Levi é o sétimo da lista de importantes arquitetos selecionados pelo Itaú Cultural, que já exibiu projetos de Warchavchik, Vilanova Artigas, Oscar Niemeyer, Sérgio Rodrigues, Flávio Império e Paulo Mendes da Rocha. Reunindo peças do acervo de Rino Levi – croquis, maquetes, fotos e recortes de jornais –, a Ocupação que leva seu nome presta tributo ao arquiteto e urbanista cuja atuação foi fundamental no processo de verticalização de São Paulo, ao assinar projetos de residências, cinemas e hospitais que ainda hoje podem ser vistos na cidade, especialmente na área central (incluindo aí Higienópolis e Perdizes).
Em Higienópolis, por exemplo, um prédio residencial icônico dos anos 1940, o Prudência (1944-48), tombado pelo Patrimônio Histórico em 1994, traz as marcas da inovação arquitetônica comandada pelo escritório de Rino Levi e seu sócio Roberto Cerqueira César, parceiro em vários projetos. Em seus 12 andares, o Prudência abrigava o que havia de mais moderno na época: torneiras aquecidas, gerador próprio, ar condicionado e divisórias móveis, que convidavam o morador a interferir no desenho arquitetônico. Isso não era tudo: o paisagismo do Prudência era assinado por Burle Marx, amigo do arquiteto, que acompanhou Levi em sua última expedição botânica em busca de bromélias, na Bahia, em 1965.
Viver nos trópicos tem lá sua dose de desafio, e a arquitetura de Rino Levi revela sua preocupação de criar uma relação harmoniosa com o meio ambiente. Ao desenhar projetos de hospitais – é dele o do Hospital Israelita Albert Einstein (1958) –, Rino Levi pensava, antes de tudo, no sistema de circulação de ar, obedecendo a critérios científicos para evitar a contaminação dos pacientes. Ao desenhar residências, o primeiro traço era sempre em direção ao pátio interno, onde o morador poderia usufruir da privacidade e contemplar o jardim (tropical, claro). Finalmente, quando concebia um edifício comercial, como o do Banco Sul-Americano do Brasil (atual agência do Banco Itaú, na esquina da Paulista com Frei Caneca), sua principal preocupação era o controle da luz tropical por meio de brises (elementos para impedir a incidência direta da radiação solar). Detalhe: o prédio começou a ser construído em 1946.
Rino Levi revisitado
Autor do livro Rino Levi, Arquitetura e Cidade (Romano Guerra Editora), o arquiteto e urbanista Renato Anelli, cocurador da Ocupação Rino Levi, abre no dia 2 de março o seminário Móvel, Casa e Cidade: Arquitetura e Modernização, realizado pelo Itaú Cultural em parceria com a FAU. Na ocasião, será lançada a segunda edição do livro de Anelli, publicado em 2011 e esgotado desde então. Nele, entre outros assuntos, o autor aborda a formação italiana do arquiteto, que estudou em plena ascensão do fascismo, num movimento pendular entre a escola de engenharia milanesa e o racionalismo romano.
Rino Levi não era um arquiteto militante de esquerda como Niemeyer ou Vilanova Artigas, mas um liberal. Fez tanto residências de luxo – uma delas hoje ocupada pela Galeria Luciana Brito, no Itaim – como cinemas gigantescos para as massas (Cines Ufa-Palácio e Universo, ambos da década de 1930). No entanto, todos traziam a marca do refinamento e da interação entre arquitetura e arte – e o exemplo mais evidente é o do Teatro Cultura Artística (1947-1950), que ostenta em sua fachada um grande painel de Di Cavalcanti (milagrosamente, a obra sobreviveu ao incêndio que destruiu parcialmente o prédio em 2008, hoje em reconstrução). Levi ainda ajudou a criar o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) em 1948, do qual foi diretor executivo.
Tânia Rodrigues, gerente da Enciclopédia Itaú Cultural de Arte Brasileira, que assina a curadoria da mostra com o Observatório Itaú Cultural, destaca outra aspecto na obra do arquiteto, o da inovação tecnológica. “Ele tem estudos sobre acústica que vamos mostrar na Ocupação, feitos para aprimorar o som de salas de espetáculos como o Cine Universo, com capacidade para mais de 4 mil pessoas.” A Ocupação vai possibilitar ao público uma viagem virtual pelo cinema, inaugurado em 1939, no bairro do Brás, e hoje desativado.