Lais Myrrha dialoga com Hirszman na 32ª Bienal


Questões sintetizadas na obra ‘Dois Pesos, Duas Medidas’, da artista, também ecoam em trilogia do cineasta

Por Camila Molina

Dois Pesos, Duas Medidas, de Lais Myrrha, tornou-se ícone da 32.ª Bienal de São Paulo. De uma forma surpreendente, a obra não se impõe pela monumentalidade das duas torres de oito metros de altura construídas no vão central que liga três andares do edifício projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer – mas pela síntese, como tão bem diz a artista, que este trabalho criado para a edição da mostra, em cartaz até 11 de dezembro, consegue carregar.

De um lado, uma das torres representa a construção indígena, a “casa xinguana”, “método construtivo mais próximo dos índios tupi, que estavam aqui com a chegada dos europeus”, com sua base de terra batida, seu corpo de toras de eucalipto, pilhas de bambu e teto de piaçava. Do outro, seguindo o mesmo modelo formal, ergue-se uma estrutura de concreto, ferro, tijolos e vidro numa clara referência à construção civil, popular, industrial. “Crio esse sistema visual comparativo”, afirma Lais Myrrha – e outra camada de reflexão, ainda, é estimulada pelo título da obra. “Cada dia que eu abro o jornal, percebo que existem dois pesos e duas medidas”, continua a artista, resumindo, enfim, um momento, uma cultura – brasileira – baseada na “adoção de critérios distintos para julgar duas situações similares”, como escreve o crítico Fábio Zuker.

Torres. Lais Myrrha e vista de sua obra para a 32ª Bienal: sistema comparativo de construções Foto: Daniel Teixeira/Estadão
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A criação de Lais Myrrha é, portanto, uma das presenças mais importantes desta 32.ª Bienal, intitulada Incerteza Viva. A obra é vizinha, ainda, de outra potência da exposição, a exibição dos filmes Cantos de Trabalho (1975-1976), trilogia do cineasta Leon Hirszman (1937-1987). Em três curtas, o diretor documentou uma tradição, a prática de trabalhadores de cantar durante a tapagem de uma casa (Mutirão) e as lavouras de Cana-de-Açúcar e de Cacau. “Observando com a câmera, Hirszman utiliza a narração em off para salientar que os cantos de trabalho nasceram da solidariedade de pessoas reunidas para executar uma tarefa comum, mas são canções em risco de desaparecimento”, descreve Guilherme Giufrida.

“O Leon tem uma visão revolucionária”, define Lais Myrrha, de 41 anos, que também produziu outra passagem especial da mostra, um texto sobre Cantos de Trabalho narrado por ela para o projeto Campo Sonoro da 32.ª Bienal. Sua fala pode ser acessada por meio de um aplicativo no local – e está disponível na internet, transformando-se em mais do que audioguia, mas em diálogo com Leon Hirszman, numa leitura sensível e contemporânea que encadeia questões de ordens diversas e amplas.

“Os cantos de trabalho não desapareceram, ainda ecoam no bater da laje que a vizinhança ajuda a construir, no ritmo dos gritos de alerta que acompanham os arremessos de tijolos de mão em mão, lembrando a Inconstância Material do tijolo, da obra, do homem. Nos cantos das lavadeiras que a voz de Clementina ecoa mesmo depois de sua partida, mesmo depois de ter deixado de trabalhar como empregada doméstica. Mas o homem na estrada, aquele que lançava os tijolos, restou mudo, anônimo, atrapalhando o tráfego. Por esses anônimos choraram e hão de chorar muitos, milhares”, narra Lais em um dos trechos do texto.

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Dessa maneira, a contundência de Dois Pesos, Duas Medidas, que, com sua combinação de monumentalidade e “escala humana”, promove diferentes relações físicas e visuais dos espectadores com a obra no percurso do pavilhão, e da trilogia de Hirszman ecoa para além do primeiro andar do prédio, onde estão localizados, para além das rampas sinuosas desenhadas por Niemeyer que conduzem os visitantes a outros pavimentos do edifício e obras da 32.ª Bienal.32ª BIENAL DE SÃO PAULO Pavilhão Ciccillo Matarazzo. Pq. do Ibirapuera, portão 3; 5576-7600. 3ª, 4ª, 6ª e dom., 9h/19h; 5ª e sáb., 9h/22h. Grátis. Até 11/12

Dois Pesos, Duas Medidas, de Lais Myrrha, tornou-se ícone da 32.ª Bienal de São Paulo. De uma forma surpreendente, a obra não se impõe pela monumentalidade das duas torres de oito metros de altura construídas no vão central que liga três andares do edifício projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer – mas pela síntese, como tão bem diz a artista, que este trabalho criado para a edição da mostra, em cartaz até 11 de dezembro, consegue carregar.

De um lado, uma das torres representa a construção indígena, a “casa xinguana”, “método construtivo mais próximo dos índios tupi, que estavam aqui com a chegada dos europeus”, com sua base de terra batida, seu corpo de toras de eucalipto, pilhas de bambu e teto de piaçava. Do outro, seguindo o mesmo modelo formal, ergue-se uma estrutura de concreto, ferro, tijolos e vidro numa clara referência à construção civil, popular, industrial. “Crio esse sistema visual comparativo”, afirma Lais Myrrha – e outra camada de reflexão, ainda, é estimulada pelo título da obra. “Cada dia que eu abro o jornal, percebo que existem dois pesos e duas medidas”, continua a artista, resumindo, enfim, um momento, uma cultura – brasileira – baseada na “adoção de critérios distintos para julgar duas situações similares”, como escreve o crítico Fábio Zuker.

Torres. Lais Myrrha e vista de sua obra para a 32ª Bienal: sistema comparativo de construções Foto: Daniel Teixeira/Estadão

A criação de Lais Myrrha é, portanto, uma das presenças mais importantes desta 32.ª Bienal, intitulada Incerteza Viva. A obra é vizinha, ainda, de outra potência da exposição, a exibição dos filmes Cantos de Trabalho (1975-1976), trilogia do cineasta Leon Hirszman (1937-1987). Em três curtas, o diretor documentou uma tradição, a prática de trabalhadores de cantar durante a tapagem de uma casa (Mutirão) e as lavouras de Cana-de-Açúcar e de Cacau. “Observando com a câmera, Hirszman utiliza a narração em off para salientar que os cantos de trabalho nasceram da solidariedade de pessoas reunidas para executar uma tarefa comum, mas são canções em risco de desaparecimento”, descreve Guilherme Giufrida.

“O Leon tem uma visão revolucionária”, define Lais Myrrha, de 41 anos, que também produziu outra passagem especial da mostra, um texto sobre Cantos de Trabalho narrado por ela para o projeto Campo Sonoro da 32.ª Bienal. Sua fala pode ser acessada por meio de um aplicativo no local – e está disponível na internet, transformando-se em mais do que audioguia, mas em diálogo com Leon Hirszman, numa leitura sensível e contemporânea que encadeia questões de ordens diversas e amplas.

“Os cantos de trabalho não desapareceram, ainda ecoam no bater da laje que a vizinhança ajuda a construir, no ritmo dos gritos de alerta que acompanham os arremessos de tijolos de mão em mão, lembrando a Inconstância Material do tijolo, da obra, do homem. Nos cantos das lavadeiras que a voz de Clementina ecoa mesmo depois de sua partida, mesmo depois de ter deixado de trabalhar como empregada doméstica. Mas o homem na estrada, aquele que lançava os tijolos, restou mudo, anônimo, atrapalhando o tráfego. Por esses anônimos choraram e hão de chorar muitos, milhares”, narra Lais em um dos trechos do texto.

Dessa maneira, a contundência de Dois Pesos, Duas Medidas, que, com sua combinação de monumentalidade e “escala humana”, promove diferentes relações físicas e visuais dos espectadores com a obra no percurso do pavilhão, e da trilogia de Hirszman ecoa para além do primeiro andar do prédio, onde estão localizados, para além das rampas sinuosas desenhadas por Niemeyer que conduzem os visitantes a outros pavimentos do edifício e obras da 32.ª Bienal.32ª BIENAL DE SÃO PAULO Pavilhão Ciccillo Matarazzo. Pq. do Ibirapuera, portão 3; 5576-7600. 3ª, 4ª, 6ª e dom., 9h/19h; 5ª e sáb., 9h/22h. Grátis. Até 11/12

Dois Pesos, Duas Medidas, de Lais Myrrha, tornou-se ícone da 32.ª Bienal de São Paulo. De uma forma surpreendente, a obra não se impõe pela monumentalidade das duas torres de oito metros de altura construídas no vão central que liga três andares do edifício projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer – mas pela síntese, como tão bem diz a artista, que este trabalho criado para a edição da mostra, em cartaz até 11 de dezembro, consegue carregar.

De um lado, uma das torres representa a construção indígena, a “casa xinguana”, “método construtivo mais próximo dos índios tupi, que estavam aqui com a chegada dos europeus”, com sua base de terra batida, seu corpo de toras de eucalipto, pilhas de bambu e teto de piaçava. Do outro, seguindo o mesmo modelo formal, ergue-se uma estrutura de concreto, ferro, tijolos e vidro numa clara referência à construção civil, popular, industrial. “Crio esse sistema visual comparativo”, afirma Lais Myrrha – e outra camada de reflexão, ainda, é estimulada pelo título da obra. “Cada dia que eu abro o jornal, percebo que existem dois pesos e duas medidas”, continua a artista, resumindo, enfim, um momento, uma cultura – brasileira – baseada na “adoção de critérios distintos para julgar duas situações similares”, como escreve o crítico Fábio Zuker.

Torres. Lais Myrrha e vista de sua obra para a 32ª Bienal: sistema comparativo de construções Foto: Daniel Teixeira/Estadão

A criação de Lais Myrrha é, portanto, uma das presenças mais importantes desta 32.ª Bienal, intitulada Incerteza Viva. A obra é vizinha, ainda, de outra potência da exposição, a exibição dos filmes Cantos de Trabalho (1975-1976), trilogia do cineasta Leon Hirszman (1937-1987). Em três curtas, o diretor documentou uma tradição, a prática de trabalhadores de cantar durante a tapagem de uma casa (Mutirão) e as lavouras de Cana-de-Açúcar e de Cacau. “Observando com a câmera, Hirszman utiliza a narração em off para salientar que os cantos de trabalho nasceram da solidariedade de pessoas reunidas para executar uma tarefa comum, mas são canções em risco de desaparecimento”, descreve Guilherme Giufrida.

“O Leon tem uma visão revolucionária”, define Lais Myrrha, de 41 anos, que também produziu outra passagem especial da mostra, um texto sobre Cantos de Trabalho narrado por ela para o projeto Campo Sonoro da 32.ª Bienal. Sua fala pode ser acessada por meio de um aplicativo no local – e está disponível na internet, transformando-se em mais do que audioguia, mas em diálogo com Leon Hirszman, numa leitura sensível e contemporânea que encadeia questões de ordens diversas e amplas.

“Os cantos de trabalho não desapareceram, ainda ecoam no bater da laje que a vizinhança ajuda a construir, no ritmo dos gritos de alerta que acompanham os arremessos de tijolos de mão em mão, lembrando a Inconstância Material do tijolo, da obra, do homem. Nos cantos das lavadeiras que a voz de Clementina ecoa mesmo depois de sua partida, mesmo depois de ter deixado de trabalhar como empregada doméstica. Mas o homem na estrada, aquele que lançava os tijolos, restou mudo, anônimo, atrapalhando o tráfego. Por esses anônimos choraram e hão de chorar muitos, milhares”, narra Lais em um dos trechos do texto.

Dessa maneira, a contundência de Dois Pesos, Duas Medidas, que, com sua combinação de monumentalidade e “escala humana”, promove diferentes relações físicas e visuais dos espectadores com a obra no percurso do pavilhão, e da trilogia de Hirszman ecoa para além do primeiro andar do prédio, onde estão localizados, para além das rampas sinuosas desenhadas por Niemeyer que conduzem os visitantes a outros pavimentos do edifício e obras da 32.ª Bienal.32ª BIENAL DE SÃO PAULO Pavilhão Ciccillo Matarazzo. Pq. do Ibirapuera, portão 3; 5576-7600. 3ª, 4ª, 6ª e dom., 9h/19h; 5ª e sáb., 9h/22h. Grátis. Até 11/12

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