Por três vezes recusada na Bienal de São Paulo, a pintora brasileira de origem alemã Eleonore Koch (1926-2018) é agora destaque da mostra e objeto de duas exposições internacionais simultâneas, uma em Nova York e outra em Londres, ambas frutos de uma parceria entre as galerias Almeida & Dale e Mendes Wood, além de uma mostra coletiva na Galeria Marcelo Guarnieri de Ribeirão Preto, que começou dia 17. Eleonore, ou Lore, como era chamada pelos amigos, foi uma pintora extremamente reservada, o que explica as poucas exposições individuais que realizou nos últimos anos de vida, mas sua obra, reconhecida por grandes críticos, ganha agora nova dimensão com as exposições americana e inglesa, a primeira na Galeria Mendes Wood de Nova York e a segunda na Modern Art de Londres.
A curadora de ambas, Kiki Mazzucchelli, selecionou noves obras para cada uma delas. Algumas figuram no livro Lore Koch, publicado pela extinta editora Cosac Naify, hoje disputado por colecionadores. Sua obra, aliás, é agora objeto do desejo de muitos deles, especialmente os que colecionam pinturas de Volpi, mestre da artista, uma pintora que herdou dele a técnica da têmpera e o rigor. Havia entre dois uma reconhecida afinidade, destacada inicialmente por críticos como Anatol Rosenfeld, Geraldo Ferraz e Theon Spanudis – o que acompanhou mais de perto a evolução de seu trabalho, tendo convencido Volpi a aceitá-la como discípula.
A mostra inglesa tem especial significado nessa revalorização da pintura de Lore Koch. Um dos maiores colecionadores estrangeiros de sua obra foi o barão inglês Alistair McAlpine (1942-2014), que deixou para museus como a Tate obras de David Annesley, Philip King e William Tucker, além de ter sido um dos primeiros colecionadores dos expressionistas abstratos americanos (Jackson Pollock e Mark Rothko). McAlpine firmou com ela um acordo de exclusividade em 1971 (que durou até 1977) e chegou a ter 30 telas de Lore Koch em sua casa de campo, um castelo do século 18 em West Green, ao norte de Londres. Elas foram destruídas num incêndio, em 1990, possivelmente provocado por ataques do IRA.
A curadora da exposição não conseguiu localizar nenhuma obra remanescente dessa época. Lore viveu em Londres por mais de duas décadas, de 1968 a 1989, ano em que retornou ao Brasil. “Há quase 40 anos ela fez sua última exposição em Londres, na Barbican Art Gallery (uma coletiva chamada 18 Artistas Brasileiras)”, lembra a curadora Kiki Mazzucchelli, citando ainda duas outras individuais inglesas da artista (uma em 1973, na Rutland Gallery, quando trabalhava como tradutora e intérprete na Scotland Yard, e outra em 1978, na Campbell & Franks Fine Arts, ambas em Londres).
Isso justifica a inclusão na mostra londrina de têmperas produzidas na cidade, que retratam parques à noite – composições reduzidas a traços e cores essenciais. “É um reencontro com a cidade que ela retratou”, observa a curadora, revelando ter descoberto o local que serviu de modelo para uma das telas, o St. John’s Lodge, com seus três degraus que conduzem à entrada do jardim em que três colunas ocupam o centro da composição. Há várias versões dessa têmpera, realizadas em diferentes épocas com sutis diferenças cromáticas e composição.
“Ela era minuciosa, anotava todas as cores, fotografava as paisagens que depois seriam usadas como modelos”, diz Mazzucchelli, lembrando ainda que os espaços vazios caracterizam essas telas em que muitas vezes um único elemento marca o cenário – um farol ao longe, uma boia ao lado de um píer abandonado. Igual procedimento se aplica às naturezas-mortas. “Ela repetia o mesmo motivo em muitas telas, mudando apenas as cores”.
O apego de Lore Koch aos objetos, a exemplo de Morandi, não pode ser considerado materialista. Antes, como definiu o crítico Theon Spanudis, era uma relação de caráter transcendental – Lore “sacraliza” os objetos de uso diário, escreveu. Vivendo sozinha toda a vida, a pintora traduziu esse isolamento tanto ao retratar interiores como em paisagens em que a ausência da figura humana é dominante – como nas representações do deserto do Arizona, dos píers de Emden, na Alemanha, ou dos jardins ingleses.
“A luz do Hemisfério Norte tem muito a ver com sua personalidade (saturnina, seria possível acrescentar)”, afirma a curadora, chamando a atenção para o refinamento de suas composições que, por vezes, remetem ao pintor inglês David Hockney, a quem admirava. Ou às soluções cromáticas que encontrava com base nos estudos de seu parente, o também pintor Josef Albers. Hoje, Lore Koch pertence ao mesmo panteão: suas telas estão à venda nas galerias de Nova York e Londres que expõem as obras por preços que variam entre US$ 30 mil e US$ 135 mil.