O caráter serialista e musical da obra de Macaparana já foi destacado por alguns críticos, entre eles o argentino Daniel Molina, quando apresentou há cinco anos a primeira exposição do artista pernambucano na galeria Denise René, em Paris. E não é diferente em sua individual, inaugurada ontem, 11, na Dan Galeria, onde também lançou o livro Macaparana, edição com textos assinados pelo crítico brasileiro Ferreira Gullar e o curador cubano Osbel Suárez. Um dos raros brasileiros a figurar no elenco da histórica galeria francesa da marchande Denise René, que lançou os artistas cinéticos latinos nos anos 1950, Macaparana construiu uma sólida carreira internacional que inclui mostras na Espanha, Estados Unidos e, recentemente, na Argentina, onde expôs, em abril de 2015, na galeria Jorge Mara, de Buenos Aires, além de exibir trabalhos novos na Denise René, em março deste ano.
A individual de Macaparana (José de Souza Oliveira Filho) na Dan Galeria marca os 30 anos do seu renascimento como artista abstrato, em 1986. Ele, que começou como pintor figurativo, ainda em Pernambuco, chamou a atenção do neoconcreto Willys de Castro (1928-1988) numa exposição realizada em São Paulo, em 1983. Nela, Macaparana reinterpretou os ex-votos nordestinos, tão marcantes na infância passada em sua cidade natal, Macaparana, mas o fez numa pintura realista em que até as ranhuras de madeira eram reproduzidas em detalhes.
“Willys, então, sugeriu que eu usasse a madeira no lugar do simulacro na pintura”, conta Macaparana. Três anos depois, Willys seria o curador da seminal exposição de 1986, na Galeria Mônica Filgueiras de Almeida, que mostrou pela primeira vez o abstracionismo geométrico do pernambucano, inicialmente marcado pela obra do construtivista uruguaio Torres-García (1874-1949). “Torres-García foi o artista que adotei como referência na passagem da figuração para a geometria”, diz, destacando outros nomes que inspiraram sua obra, do próprio Willys a Hans Arp, a quem dedica uma das 50 obras em exposição na Dan Galeria, realizadas entre 2012 e este ano.
Definido, de modo geral, como herdeiro dos neoconcretos, por causa dos fortes laços de amizade que o uniram a Willys e Hércules Barsotti, Macaparana, porém, resistiu aos rótulos. Ferreira Gullar, no livro, lembra que a sua é, de fato, uma obra ancorada no movimento neoconcreto – e há quem sustente, como o argentino Daniel Molina, que Macaparana seja o elo entre o racionalismo apolíneo de Willys de Castro e a geometria lírica, dionisíaca, de Barsotti. No entanto, ele avança e recua no tempo com liberdade e independência, incorporando outros elementos, das construções dos stabiles e móbiles de Calder à formas surrealistas de Hans Arp. “Arp também era artista da galeria de Denise René e, ao visitar sua fundação, fiquei fascinado pela poética libertária do dadaísmo, um contraponto à rigidez que vivemos hoje.”
Tudo, para Macaparana, se resume a uma questão de afinidade eletiva. Willys de Castro, que era compositor, além de artista visual, intuiu a estreita ligação entre as formas criadas pelo amigo no espaço e o tempo que marca a escritura musical. Assim como Paul Klee – músico, como Willys – assumiu o trânsito mimético entre pintura e partitura, Macaparana ultrapassou os limites espaciais da tela para lidar com a temporalidade musical. Há, na exposição da Dan, trabalhos que se assemelham às partituras gráficas de Stockhausen e do compositor inglês Cornelius Cardew (1936-1981).
“Minha relação com a música é intensa, vital”, diz Macaparana, contando que começou a ouvir os clássicos ainda criança, por influência de um primo que morava no Recife, hoje juiz. Filho de um alfaiate e neto de um marceneiro, o artista cresceu numa família grande (18 irmãos) e de poucas posses. Ao 18 anos, expôs pela primeira vez no Recife, conseguindo convencer o pai a ceder os fundos de sua alfaiataria para montar seu ateliê. Ficou lá dois anos, até mudar-se para o Rio, onde conheceu artistas neoconcretos, entre eles Lygia Pape e Amilcar de Castro. Mas foi em São Paulo, onde mora, que sua carreira se consolidou, impulsionada, entre outros, pelo pintor Antonio Maluf e o criador do Masp, Pietro Bardi, dupla que cunhou seu nome artístico.
A escola construtiva de Maluf, seu marchand na Galeria Seta, acabou ganhando mais um aluno. Os concretos, idem, mas, a exemplo de Volpi, que passou ao largo do movimento por sempre evocar o próprio passado figurativo, também Macaparana preferiu manter a autonomia. Ele presta uma homenagem ao mestre. Na exposição atual há trabalhos da série Volpi (2013), em que duas palavras do vocabulário musical – harmonia e ritmo – ganham dimensão espacial na releitura sinestésica de uma pequena obra do pintor, Composição Concreta (1950), têmpera sobre papel com quadrados que se deslocam, presente de Barsotti a Macaparana. Com uma diferença: a cor perdeu seu protagonismo. “É agora mais dosada, para não criar ruído na construção dos trabalhos”, justifica o artista.