Machado de Assis: exposição e reedição jogam luz (e cor) sobre a construção do gênio literário


‘Ocupação Machado de Assis’ vai exibir cerca de 100 peças do autor no Itaú Cultural, com fotos colorizadas por Marina Amaral. Coleção ‘Todos os Livros de Machado de Assis’ reúne obra do enxadrista, censor e mestre das letras

Por Ubiratan Brasil
Atualização:
Imagens históricas de Machado de Assis passaram por processo de colorização digital pela artista Marina Amaral, a convite do Itaú Cultural, para a exposição 'Ocupação Machado de Assis' Foto: Acervo Academia Brasileira de Letras; Marina Amaral/Itaú Cultural

Ao mesmo tempo em que se consagrou como autor de Memórias Póstumas de Brás Cubas, um dos clássicos da literatura brasileira que ainda continua original, terrível e divertido, Machado de Assis (1839-1908) tinha predileção pelo xadrez, participando de torneios e escrevendo sobre o assunto.

E, se seu texto ardiloso ainda deixa o leitor em dúvida se Capitu traiu ou não Bentinho no romance Dom Casmurro, o Bruxo do Cosme Velho (alcunha dada a Machado) manteve uma atuação como servidor público por mais de 40 anos, tratando de questões cruciais para o País, além de ter atuado como censor do Conservatório Dramático Brasileiro.

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Como as duas faces de uma moeda, a carreira consagrada do escritor e a vida reservada e pacata do homem inspiram dois importantes projetos dedicados a Machado de Assis. De um lado, uma coleção lançada pela editora Todavia que reúne 26 volumes entre poesia, teatro, conto e romance com tudo o que ele escreveu e publicou em livro.

De outro, a Ocupação Machado de Assis, que vai exibir, no Itaú Cultural, cerca de 100 peças, entre antigas fotografias, manuscritos originais, cartas, exemplares de sua obra e de seus escritores favoritos e primeiras edições de livros. O lançamento oficial dos dois projetos acontece no sábado, dia 18.

Contratos assinados por Machado de Assis para publicação de 'Quincas Borba' (esquerda) e 'Várias Histórias' (direita), em 1896 e 1902 respectivamente Foto: Acervo Academia Brasileira de Letras
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“Machado não nasceu pronto. Ele se tornou Machado de Assis contando sem dúvida com um talento, uma sensibilidade e uma inteligência raras, mas também por meio de muito trabalho, de um aperfeiçoamento e domínio crescentes das técnicas da escrita”, comenta Hélio de Seixas Guimarães, professor de Literatura Brasileira na Universidade de São Paulo, pesquisador do CNPq e especialista na obra do escritor. Ele participou da organização dos dois projetos.

Neste primeiro momento, os livros que compõem a coleção só poderão ser adquiridos por meio de uma caixa especial, com tiragem limitada. A partir do primeiro semestre de 2024, os títulos serão comercializados separadamente. Há também um volume extra, Terras, testemunho de seu trabalho como servidor público, função que exerceu por mais de 40 anos.

Publicar, de uma vez só, todos os livros que Machado escreveu e editou em vida mantendo a sua dicção permite identificar sua formação como autor, acredita Seixas. “Memórias Póstumas, por exemplo, lançado em 1881 e aclamado como sua grande obra, é o 14º livro e o quinto romance de Machado, ou seja, está no meio do caminho de uma escrita cuja técnica foi muito exercitada antes.”

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Imagens históricas de Machado de Assis passaram por processo de colorização digital pela artista Marina Amaral, a convite do Itaú Cultural, para a exposição 'Ocupação Machado de Assis' Foto: Acervo Academia Brasileira de Letras; Marina Amaral/Itaú Cultural

O autor descrevia as características da sociedade brasileira e deixou em suas páginas um fiel retrato historiográfico da formação do Brasil. “Machado traz figuras clássicas em sua obra para fazer uma crítica do Brasil do século 19″, comenta Seixas, que listou para o Estadão cinco fatos curiosos sobre o escritor:

  1. O primeiro livro de Machado de Assis, a peça Desencantos (1861), e o último livro, o romance Memorial de Aires (1908), são protagonizados por viúvas, tipo de personagem que aparece com frequência ao longo de toda obra, pondo em xeque ideias românticas sobre amor e casamento.
  2. Memórias Póstumas de Brás Cubas é o 14º livro publicado por Machado de Assis, antecedido por quatro livros de teatro, três de poesia, dois de contos e quatro romances, publicados num intervalo de duas décadas.
  3. Entre Memórias Póstumas de Brás Cubas e Papéis Avulsos, Machado publicou em livro a peça Tu Só, Tu, Puro Amor, que escreveu para as comemorações do tricentenário da morte de Luís de Camões. Encenada e publicada numa revista em 1880, ela saiu em livro em 1881 e foi selecionada por Machado para compor a coletânea Páginas Recolhidas, de 1899.
  4. A correspondência de Machado de Assis inclui cartas do escritor para seus editores, em que trata de aspectos materiais das edições (tipo de papel, diagramação, tiragens etc.), mostrando o cuidado que teve com a produção dos seus livros.
  5. O soneto A Carolina, que escreveu em homenagem à sua companheira, morta em 1904, foi o último poema recolhido por Machado em livro, em Relíquias de Casa Velha (1906). Cinco anos antes, ele havia reunido sua “bagagem poética” em Poesias Completas, que teria sido o encerramento da longa trajetória do poeta.
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Obra completa de Machado de Assis é publicada pela 'Todavia' com todos os livros lançados pelo autor Foto: Editora Todavia

Outro assunto essencial tratado na coleção é a questão racial na obra de Machado. “No século 20, criou-se a teoria errônea de que ele evitava o assunto, reflexo de uma sociedade que jogava a discussão para debaixo do tapete”, observa Paulo Dutra, professor na Universidade do Novo México (EUA) e autor das notas de rodapé sobre o tema.

Segundo Dutra, Machado tinha a literatura como primeiro compromisso. “Mas a questão racial surge de forma implícita e também explícita. Um exemplo do primeiro caso está no conto A Mulher Pálida, a história de um rapaz que procura a mulher mais pálida do mundo para se casar, uma sátira à eterna obsessão brasileira pela branquitude europeia.”

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Já exemplos mais explícitos aparecem tanto na violência física e simbólica sofrida pelo moleque Prudêncio em Memórias Póstumas como na discussão sobre como a escravidão era elemento de manobra, em Memorial de Aires.

Imagens históricas de Machado de Assis passaram por processo de colorização digital pela artista Marina Amaral, a convite do Itaú Cultural, para a exposição 'Ocupação Machado de Assis' Foto: Acervo Academia Brasileira de Letras; Marina Amaral/Itaú Cultural

Dutra traça um curioso paralelo entre a forma como Machado lidava com o assunto e o estilo de Lima Barreto que, a partir da adoção de um estilo seco e direto, lutava para que a literatura fosse um meio de levar ao homem comum a mensagem de sua libertação e um estímulo para continuar lutando para o reconhecimento de todos os seus direitos fundamentais.

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“Se fizermos uma alusão ao boxe, Lima seria um lutador que aplicava golpes diretos com a direita e esquerda, além de ganchos, enquanto Machado era mais sutil e disparava jabs.”

Paulo Dutra

O embranquecimento de Machado, tema urgente dos últimos anos, também está na pauta na exposição que vai abrir no Itaú Cultural. A convite da entidade, Marina Amaral, colorista digital especializada em adicionar cores a fotografias históricas em preto e branco, trabalhou em imagens de Machado. Apresentadas em uma espécie de colagem animada em vídeo, as imagens demonstram a negritude do escritor como parte dos movimentos que se contrapõem ao processo de branqueamento por que passou a figura do escritor.

Encontram-se ainda primeiras edições de suas obras, como a peça de teatro Desencantos: Fantasia Dramática, lançada em 1861. Foi o primeiro texto publicado por ele e, embora a peça não tenha sido encenada, há indícios de boa recepção ao texto na época.

Imagens históricas de Machado de Assis passaram por processo de colorização digital pela artista Marina Amaral, a convite do Itaú Cultural, para a exposição 'Ocupação Machado de Assis' Foto: Acervo Academia Brasileira de Letras; Marina Amaral/Itaú Cultural

Veja outras curiosidades da Ocupação Machado de Assis

Enxadrista

Machado de Assis participava de torneios de xadrez e contribuía para a Revista Musical e de Bellas Artes escrevendo sobre o assunto. Na exposição, é possível ver páginas da publicação que citam o autor e a sua colocação em uma disputa realizada em 1880. O jogo também marcou sua obra: Iaiá Garcia, romance de 1878, possui uma personagem enxadrista.

Censor

Nessa função, ele assinou um parecer sobre a tradução de Lessa Paranhos da comédia Os Nossos Íntimos, do dramaturgo Victorien Sardou. A análise, datada de 11 de junho de 1862, foi escrita pelo autor durante a sua atuação como censor no Conservatório Dramático Brasileiro, trabalho associado à sua militância pelo desenvolvimento do teatro brasileiro na imprensa fluminense.

Funcionário público

Machado trabalhou como servidor público por mais de quarenta anos, tratando de questões cruciais para o país. Em 1873, começou a trabalhar na Secretaria de Estado da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Em 1881, ainda no funcionalismo público, ele passou a atuar como oficial de gabinete do ministro da Agricultura. Oito anos depois, em 1889, voltou a compor o quadro de funcionários da secretaria.

Influências

A exposição traz a edição em francês de O Vermelho e o Negro, de Stendhal. Em Memórias Póstumas, o defunto autor se compara ao francês: “Que Stendhal confessasse haver escrito um de seus livros para cem leitores, cousa é que admira e consterna. O que não admira, nem provavelmente consternará é se este outro livro não tiver os cem leitores de Stendhal, nem cinquenta, nem vinte, e quando muito, dez. Dez? Talvez cinco.”

Tradutor

Durante parte considerável de sua carreira, Machado de Assis realizou traduções literárias de escritores renomados, cujos originais são em francês, alemão, inglês, espanhol e italiano. Como Oliver Twist (1838), de Charles Dickens, publicada de maneira anônima no Jornal da Tarde, em 1870.

Imagens históricas de Machado de Assis passaram por processo de colorização digital pela artista Marina Amaral, a convite do Itaú Cultural, para a exposição 'Ocupação Machado de Assis' Foto: Acervo Academia Brasileira de Letras; Marina Amaral/Itaú Cultural

“Estamos diante de narrativas orgânicas enquanto composição, de textos que bem sustentam impasses, que armam debates não estabilizados, livram-se de obviedades, desmontam frases feitas e, de modo irônico, desdenham de questões absolutas”, observa Jader Rosa, superintendente do Itaú Cultural.

Um fundador – assim o crítico literário americano Harold Bloom classificou Machado de Assis, colocando-o ao lado de outros nomes decisivos para a evolução da escrita, como o francês Gustave Flaubert, o português Eça de Queirós, o argentino Jorge Luis Borges e o italiano Italo Calvino. Todos considerados por Bloom como “ironistas trágicos”.

Serviço

Todos os Livros de Machado de Assis

  • Editora: Todavia
  • Autor: Machado de Assis
  • 28 volumes; R$ 1.599,90 (coleção completa)

Ocupação Machado de Assis

  • Itaú Cultural. Avenida Paulista, 149
  • Terça a sábado, 11h/20h. Domingos e feriados, 11h/19h
  • Entrada Gratuita. Abertura 18/11. Até 4/2/2024
Imagens históricas de Machado de Assis passaram por processo de colorização digital pela artista Marina Amaral, a convite do Itaú Cultural, para a exposição 'Ocupação Machado de Assis' Foto: Acervo Academia Brasileira de Letras; Marina Amaral/Itaú Cultural

Ao mesmo tempo em que se consagrou como autor de Memórias Póstumas de Brás Cubas, um dos clássicos da literatura brasileira que ainda continua original, terrível e divertido, Machado de Assis (1839-1908) tinha predileção pelo xadrez, participando de torneios e escrevendo sobre o assunto.

E, se seu texto ardiloso ainda deixa o leitor em dúvida se Capitu traiu ou não Bentinho no romance Dom Casmurro, o Bruxo do Cosme Velho (alcunha dada a Machado) manteve uma atuação como servidor público por mais de 40 anos, tratando de questões cruciais para o País, além de ter atuado como censor do Conservatório Dramático Brasileiro.

Como as duas faces de uma moeda, a carreira consagrada do escritor e a vida reservada e pacata do homem inspiram dois importantes projetos dedicados a Machado de Assis. De um lado, uma coleção lançada pela editora Todavia que reúne 26 volumes entre poesia, teatro, conto e romance com tudo o que ele escreveu e publicou em livro.

De outro, a Ocupação Machado de Assis, que vai exibir, no Itaú Cultural, cerca de 100 peças, entre antigas fotografias, manuscritos originais, cartas, exemplares de sua obra e de seus escritores favoritos e primeiras edições de livros. O lançamento oficial dos dois projetos acontece no sábado, dia 18.

Contratos assinados por Machado de Assis para publicação de 'Quincas Borba' (esquerda) e 'Várias Histórias' (direita), em 1896 e 1902 respectivamente Foto: Acervo Academia Brasileira de Letras

“Machado não nasceu pronto. Ele se tornou Machado de Assis contando sem dúvida com um talento, uma sensibilidade e uma inteligência raras, mas também por meio de muito trabalho, de um aperfeiçoamento e domínio crescentes das técnicas da escrita”, comenta Hélio de Seixas Guimarães, professor de Literatura Brasileira na Universidade de São Paulo, pesquisador do CNPq e especialista na obra do escritor. Ele participou da organização dos dois projetos.

Neste primeiro momento, os livros que compõem a coleção só poderão ser adquiridos por meio de uma caixa especial, com tiragem limitada. A partir do primeiro semestre de 2024, os títulos serão comercializados separadamente. Há também um volume extra, Terras, testemunho de seu trabalho como servidor público, função que exerceu por mais de 40 anos.

Publicar, de uma vez só, todos os livros que Machado escreveu e editou em vida mantendo a sua dicção permite identificar sua formação como autor, acredita Seixas. “Memórias Póstumas, por exemplo, lançado em 1881 e aclamado como sua grande obra, é o 14º livro e o quinto romance de Machado, ou seja, está no meio do caminho de uma escrita cuja técnica foi muito exercitada antes.”

Imagens históricas de Machado de Assis passaram por processo de colorização digital pela artista Marina Amaral, a convite do Itaú Cultural, para a exposição 'Ocupação Machado de Assis' Foto: Acervo Academia Brasileira de Letras; Marina Amaral/Itaú Cultural

O autor descrevia as características da sociedade brasileira e deixou em suas páginas um fiel retrato historiográfico da formação do Brasil. “Machado traz figuras clássicas em sua obra para fazer uma crítica do Brasil do século 19″, comenta Seixas, que listou para o Estadão cinco fatos curiosos sobre o escritor:

  1. O primeiro livro de Machado de Assis, a peça Desencantos (1861), e o último livro, o romance Memorial de Aires (1908), são protagonizados por viúvas, tipo de personagem que aparece com frequência ao longo de toda obra, pondo em xeque ideias românticas sobre amor e casamento.
  2. Memórias Póstumas de Brás Cubas é o 14º livro publicado por Machado de Assis, antecedido por quatro livros de teatro, três de poesia, dois de contos e quatro romances, publicados num intervalo de duas décadas.
  3. Entre Memórias Póstumas de Brás Cubas e Papéis Avulsos, Machado publicou em livro a peça Tu Só, Tu, Puro Amor, que escreveu para as comemorações do tricentenário da morte de Luís de Camões. Encenada e publicada numa revista em 1880, ela saiu em livro em 1881 e foi selecionada por Machado para compor a coletânea Páginas Recolhidas, de 1899.
  4. A correspondência de Machado de Assis inclui cartas do escritor para seus editores, em que trata de aspectos materiais das edições (tipo de papel, diagramação, tiragens etc.), mostrando o cuidado que teve com a produção dos seus livros.
  5. O soneto A Carolina, que escreveu em homenagem à sua companheira, morta em 1904, foi o último poema recolhido por Machado em livro, em Relíquias de Casa Velha (1906). Cinco anos antes, ele havia reunido sua “bagagem poética” em Poesias Completas, que teria sido o encerramento da longa trajetória do poeta.
Obra completa de Machado de Assis é publicada pela 'Todavia' com todos os livros lançados pelo autor Foto: Editora Todavia

Outro assunto essencial tratado na coleção é a questão racial na obra de Machado. “No século 20, criou-se a teoria errônea de que ele evitava o assunto, reflexo de uma sociedade que jogava a discussão para debaixo do tapete”, observa Paulo Dutra, professor na Universidade do Novo México (EUA) e autor das notas de rodapé sobre o tema.

Segundo Dutra, Machado tinha a literatura como primeiro compromisso. “Mas a questão racial surge de forma implícita e também explícita. Um exemplo do primeiro caso está no conto A Mulher Pálida, a história de um rapaz que procura a mulher mais pálida do mundo para se casar, uma sátira à eterna obsessão brasileira pela branquitude europeia.”

Já exemplos mais explícitos aparecem tanto na violência física e simbólica sofrida pelo moleque Prudêncio em Memórias Póstumas como na discussão sobre como a escravidão era elemento de manobra, em Memorial de Aires.

Imagens históricas de Machado de Assis passaram por processo de colorização digital pela artista Marina Amaral, a convite do Itaú Cultural, para a exposição 'Ocupação Machado de Assis' Foto: Acervo Academia Brasileira de Letras; Marina Amaral/Itaú Cultural

Dutra traça um curioso paralelo entre a forma como Machado lidava com o assunto e o estilo de Lima Barreto que, a partir da adoção de um estilo seco e direto, lutava para que a literatura fosse um meio de levar ao homem comum a mensagem de sua libertação e um estímulo para continuar lutando para o reconhecimento de todos os seus direitos fundamentais.

“Se fizermos uma alusão ao boxe, Lima seria um lutador que aplicava golpes diretos com a direita e esquerda, além de ganchos, enquanto Machado era mais sutil e disparava jabs.”

Paulo Dutra

O embranquecimento de Machado, tema urgente dos últimos anos, também está na pauta na exposição que vai abrir no Itaú Cultural. A convite da entidade, Marina Amaral, colorista digital especializada em adicionar cores a fotografias históricas em preto e branco, trabalhou em imagens de Machado. Apresentadas em uma espécie de colagem animada em vídeo, as imagens demonstram a negritude do escritor como parte dos movimentos que se contrapõem ao processo de branqueamento por que passou a figura do escritor.

Encontram-se ainda primeiras edições de suas obras, como a peça de teatro Desencantos: Fantasia Dramática, lançada em 1861. Foi o primeiro texto publicado por ele e, embora a peça não tenha sido encenada, há indícios de boa recepção ao texto na época.

Imagens históricas de Machado de Assis passaram por processo de colorização digital pela artista Marina Amaral, a convite do Itaú Cultural, para a exposição 'Ocupação Machado de Assis' Foto: Acervo Academia Brasileira de Letras; Marina Amaral/Itaú Cultural

Veja outras curiosidades da Ocupação Machado de Assis

Enxadrista

Machado de Assis participava de torneios de xadrez e contribuía para a Revista Musical e de Bellas Artes escrevendo sobre o assunto. Na exposição, é possível ver páginas da publicação que citam o autor e a sua colocação em uma disputa realizada em 1880. O jogo também marcou sua obra: Iaiá Garcia, romance de 1878, possui uma personagem enxadrista.

Censor

Nessa função, ele assinou um parecer sobre a tradução de Lessa Paranhos da comédia Os Nossos Íntimos, do dramaturgo Victorien Sardou. A análise, datada de 11 de junho de 1862, foi escrita pelo autor durante a sua atuação como censor no Conservatório Dramático Brasileiro, trabalho associado à sua militância pelo desenvolvimento do teatro brasileiro na imprensa fluminense.

Funcionário público

Machado trabalhou como servidor público por mais de quarenta anos, tratando de questões cruciais para o país. Em 1873, começou a trabalhar na Secretaria de Estado da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Em 1881, ainda no funcionalismo público, ele passou a atuar como oficial de gabinete do ministro da Agricultura. Oito anos depois, em 1889, voltou a compor o quadro de funcionários da secretaria.

Influências

A exposição traz a edição em francês de O Vermelho e o Negro, de Stendhal. Em Memórias Póstumas, o defunto autor se compara ao francês: “Que Stendhal confessasse haver escrito um de seus livros para cem leitores, cousa é que admira e consterna. O que não admira, nem provavelmente consternará é se este outro livro não tiver os cem leitores de Stendhal, nem cinquenta, nem vinte, e quando muito, dez. Dez? Talvez cinco.”

Tradutor

Durante parte considerável de sua carreira, Machado de Assis realizou traduções literárias de escritores renomados, cujos originais são em francês, alemão, inglês, espanhol e italiano. Como Oliver Twist (1838), de Charles Dickens, publicada de maneira anônima no Jornal da Tarde, em 1870.

Imagens históricas de Machado de Assis passaram por processo de colorização digital pela artista Marina Amaral, a convite do Itaú Cultural, para a exposição 'Ocupação Machado de Assis' Foto: Acervo Academia Brasileira de Letras; Marina Amaral/Itaú Cultural

“Estamos diante de narrativas orgânicas enquanto composição, de textos que bem sustentam impasses, que armam debates não estabilizados, livram-se de obviedades, desmontam frases feitas e, de modo irônico, desdenham de questões absolutas”, observa Jader Rosa, superintendente do Itaú Cultural.

Um fundador – assim o crítico literário americano Harold Bloom classificou Machado de Assis, colocando-o ao lado de outros nomes decisivos para a evolução da escrita, como o francês Gustave Flaubert, o português Eça de Queirós, o argentino Jorge Luis Borges e o italiano Italo Calvino. Todos considerados por Bloom como “ironistas trágicos”.

Serviço

Todos os Livros de Machado de Assis

  • Editora: Todavia
  • Autor: Machado de Assis
  • 28 volumes; R$ 1.599,90 (coleção completa)

Ocupação Machado de Assis

  • Itaú Cultural. Avenida Paulista, 149
  • Terça a sábado, 11h/20h. Domingos e feriados, 11h/19h
  • Entrada Gratuita. Abertura 18/11. Até 4/2/2024
Imagens históricas de Machado de Assis passaram por processo de colorização digital pela artista Marina Amaral, a convite do Itaú Cultural, para a exposição 'Ocupação Machado de Assis' Foto: Acervo Academia Brasileira de Letras; Marina Amaral/Itaú Cultural

Ao mesmo tempo em que se consagrou como autor de Memórias Póstumas de Brás Cubas, um dos clássicos da literatura brasileira que ainda continua original, terrível e divertido, Machado de Assis (1839-1908) tinha predileção pelo xadrez, participando de torneios e escrevendo sobre o assunto.

E, se seu texto ardiloso ainda deixa o leitor em dúvida se Capitu traiu ou não Bentinho no romance Dom Casmurro, o Bruxo do Cosme Velho (alcunha dada a Machado) manteve uma atuação como servidor público por mais de 40 anos, tratando de questões cruciais para o País, além de ter atuado como censor do Conservatório Dramático Brasileiro.

Como as duas faces de uma moeda, a carreira consagrada do escritor e a vida reservada e pacata do homem inspiram dois importantes projetos dedicados a Machado de Assis. De um lado, uma coleção lançada pela editora Todavia que reúne 26 volumes entre poesia, teatro, conto e romance com tudo o que ele escreveu e publicou em livro.

De outro, a Ocupação Machado de Assis, que vai exibir, no Itaú Cultural, cerca de 100 peças, entre antigas fotografias, manuscritos originais, cartas, exemplares de sua obra e de seus escritores favoritos e primeiras edições de livros. O lançamento oficial dos dois projetos acontece no sábado, dia 18.

Contratos assinados por Machado de Assis para publicação de 'Quincas Borba' (esquerda) e 'Várias Histórias' (direita), em 1896 e 1902 respectivamente Foto: Acervo Academia Brasileira de Letras

“Machado não nasceu pronto. Ele se tornou Machado de Assis contando sem dúvida com um talento, uma sensibilidade e uma inteligência raras, mas também por meio de muito trabalho, de um aperfeiçoamento e domínio crescentes das técnicas da escrita”, comenta Hélio de Seixas Guimarães, professor de Literatura Brasileira na Universidade de São Paulo, pesquisador do CNPq e especialista na obra do escritor. Ele participou da organização dos dois projetos.

Neste primeiro momento, os livros que compõem a coleção só poderão ser adquiridos por meio de uma caixa especial, com tiragem limitada. A partir do primeiro semestre de 2024, os títulos serão comercializados separadamente. Há também um volume extra, Terras, testemunho de seu trabalho como servidor público, função que exerceu por mais de 40 anos.

Publicar, de uma vez só, todos os livros que Machado escreveu e editou em vida mantendo a sua dicção permite identificar sua formação como autor, acredita Seixas. “Memórias Póstumas, por exemplo, lançado em 1881 e aclamado como sua grande obra, é o 14º livro e o quinto romance de Machado, ou seja, está no meio do caminho de uma escrita cuja técnica foi muito exercitada antes.”

Imagens históricas de Machado de Assis passaram por processo de colorização digital pela artista Marina Amaral, a convite do Itaú Cultural, para a exposição 'Ocupação Machado de Assis' Foto: Acervo Academia Brasileira de Letras; Marina Amaral/Itaú Cultural

O autor descrevia as características da sociedade brasileira e deixou em suas páginas um fiel retrato historiográfico da formação do Brasil. “Machado traz figuras clássicas em sua obra para fazer uma crítica do Brasil do século 19″, comenta Seixas, que listou para o Estadão cinco fatos curiosos sobre o escritor:

  1. O primeiro livro de Machado de Assis, a peça Desencantos (1861), e o último livro, o romance Memorial de Aires (1908), são protagonizados por viúvas, tipo de personagem que aparece com frequência ao longo de toda obra, pondo em xeque ideias românticas sobre amor e casamento.
  2. Memórias Póstumas de Brás Cubas é o 14º livro publicado por Machado de Assis, antecedido por quatro livros de teatro, três de poesia, dois de contos e quatro romances, publicados num intervalo de duas décadas.
  3. Entre Memórias Póstumas de Brás Cubas e Papéis Avulsos, Machado publicou em livro a peça Tu Só, Tu, Puro Amor, que escreveu para as comemorações do tricentenário da morte de Luís de Camões. Encenada e publicada numa revista em 1880, ela saiu em livro em 1881 e foi selecionada por Machado para compor a coletânea Páginas Recolhidas, de 1899.
  4. A correspondência de Machado de Assis inclui cartas do escritor para seus editores, em que trata de aspectos materiais das edições (tipo de papel, diagramação, tiragens etc.), mostrando o cuidado que teve com a produção dos seus livros.
  5. O soneto A Carolina, que escreveu em homenagem à sua companheira, morta em 1904, foi o último poema recolhido por Machado em livro, em Relíquias de Casa Velha (1906). Cinco anos antes, ele havia reunido sua “bagagem poética” em Poesias Completas, que teria sido o encerramento da longa trajetória do poeta.
Obra completa de Machado de Assis é publicada pela 'Todavia' com todos os livros lançados pelo autor Foto: Editora Todavia

Outro assunto essencial tratado na coleção é a questão racial na obra de Machado. “No século 20, criou-se a teoria errônea de que ele evitava o assunto, reflexo de uma sociedade que jogava a discussão para debaixo do tapete”, observa Paulo Dutra, professor na Universidade do Novo México (EUA) e autor das notas de rodapé sobre o tema.

Segundo Dutra, Machado tinha a literatura como primeiro compromisso. “Mas a questão racial surge de forma implícita e também explícita. Um exemplo do primeiro caso está no conto A Mulher Pálida, a história de um rapaz que procura a mulher mais pálida do mundo para se casar, uma sátira à eterna obsessão brasileira pela branquitude europeia.”

Já exemplos mais explícitos aparecem tanto na violência física e simbólica sofrida pelo moleque Prudêncio em Memórias Póstumas como na discussão sobre como a escravidão era elemento de manobra, em Memorial de Aires.

Imagens históricas de Machado de Assis passaram por processo de colorização digital pela artista Marina Amaral, a convite do Itaú Cultural, para a exposição 'Ocupação Machado de Assis' Foto: Acervo Academia Brasileira de Letras; Marina Amaral/Itaú Cultural

Dutra traça um curioso paralelo entre a forma como Machado lidava com o assunto e o estilo de Lima Barreto que, a partir da adoção de um estilo seco e direto, lutava para que a literatura fosse um meio de levar ao homem comum a mensagem de sua libertação e um estímulo para continuar lutando para o reconhecimento de todos os seus direitos fundamentais.

“Se fizermos uma alusão ao boxe, Lima seria um lutador que aplicava golpes diretos com a direita e esquerda, além de ganchos, enquanto Machado era mais sutil e disparava jabs.”

Paulo Dutra

O embranquecimento de Machado, tema urgente dos últimos anos, também está na pauta na exposição que vai abrir no Itaú Cultural. A convite da entidade, Marina Amaral, colorista digital especializada em adicionar cores a fotografias históricas em preto e branco, trabalhou em imagens de Machado. Apresentadas em uma espécie de colagem animada em vídeo, as imagens demonstram a negritude do escritor como parte dos movimentos que se contrapõem ao processo de branqueamento por que passou a figura do escritor.

Encontram-se ainda primeiras edições de suas obras, como a peça de teatro Desencantos: Fantasia Dramática, lançada em 1861. Foi o primeiro texto publicado por ele e, embora a peça não tenha sido encenada, há indícios de boa recepção ao texto na época.

Imagens históricas de Machado de Assis passaram por processo de colorização digital pela artista Marina Amaral, a convite do Itaú Cultural, para a exposição 'Ocupação Machado de Assis' Foto: Acervo Academia Brasileira de Letras; Marina Amaral/Itaú Cultural

Veja outras curiosidades da Ocupação Machado de Assis

Enxadrista

Machado de Assis participava de torneios de xadrez e contribuía para a Revista Musical e de Bellas Artes escrevendo sobre o assunto. Na exposição, é possível ver páginas da publicação que citam o autor e a sua colocação em uma disputa realizada em 1880. O jogo também marcou sua obra: Iaiá Garcia, romance de 1878, possui uma personagem enxadrista.

Censor

Nessa função, ele assinou um parecer sobre a tradução de Lessa Paranhos da comédia Os Nossos Íntimos, do dramaturgo Victorien Sardou. A análise, datada de 11 de junho de 1862, foi escrita pelo autor durante a sua atuação como censor no Conservatório Dramático Brasileiro, trabalho associado à sua militância pelo desenvolvimento do teatro brasileiro na imprensa fluminense.

Funcionário público

Machado trabalhou como servidor público por mais de quarenta anos, tratando de questões cruciais para o país. Em 1873, começou a trabalhar na Secretaria de Estado da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Em 1881, ainda no funcionalismo público, ele passou a atuar como oficial de gabinete do ministro da Agricultura. Oito anos depois, em 1889, voltou a compor o quadro de funcionários da secretaria.

Influências

A exposição traz a edição em francês de O Vermelho e o Negro, de Stendhal. Em Memórias Póstumas, o defunto autor se compara ao francês: “Que Stendhal confessasse haver escrito um de seus livros para cem leitores, cousa é que admira e consterna. O que não admira, nem provavelmente consternará é se este outro livro não tiver os cem leitores de Stendhal, nem cinquenta, nem vinte, e quando muito, dez. Dez? Talvez cinco.”

Tradutor

Durante parte considerável de sua carreira, Machado de Assis realizou traduções literárias de escritores renomados, cujos originais são em francês, alemão, inglês, espanhol e italiano. Como Oliver Twist (1838), de Charles Dickens, publicada de maneira anônima no Jornal da Tarde, em 1870.

Imagens históricas de Machado de Assis passaram por processo de colorização digital pela artista Marina Amaral, a convite do Itaú Cultural, para a exposição 'Ocupação Machado de Assis' Foto: Acervo Academia Brasileira de Letras; Marina Amaral/Itaú Cultural

“Estamos diante de narrativas orgânicas enquanto composição, de textos que bem sustentam impasses, que armam debates não estabilizados, livram-se de obviedades, desmontam frases feitas e, de modo irônico, desdenham de questões absolutas”, observa Jader Rosa, superintendente do Itaú Cultural.

Um fundador – assim o crítico literário americano Harold Bloom classificou Machado de Assis, colocando-o ao lado de outros nomes decisivos para a evolução da escrita, como o francês Gustave Flaubert, o português Eça de Queirós, o argentino Jorge Luis Borges e o italiano Italo Calvino. Todos considerados por Bloom como “ironistas trágicos”.

Serviço

Todos os Livros de Machado de Assis

  • Editora: Todavia
  • Autor: Machado de Assis
  • 28 volumes; R$ 1.599,90 (coleção completa)

Ocupação Machado de Assis

  • Itaú Cultural. Avenida Paulista, 149
  • Terça a sábado, 11h/20h. Domingos e feriados, 11h/19h
  • Entrada Gratuita. Abertura 18/11. Até 4/2/2024
Imagens históricas de Machado de Assis passaram por processo de colorização digital pela artista Marina Amaral, a convite do Itaú Cultural, para a exposição 'Ocupação Machado de Assis' Foto: Acervo Academia Brasileira de Letras; Marina Amaral/Itaú Cultural

Ao mesmo tempo em que se consagrou como autor de Memórias Póstumas de Brás Cubas, um dos clássicos da literatura brasileira que ainda continua original, terrível e divertido, Machado de Assis (1839-1908) tinha predileção pelo xadrez, participando de torneios e escrevendo sobre o assunto.

E, se seu texto ardiloso ainda deixa o leitor em dúvida se Capitu traiu ou não Bentinho no romance Dom Casmurro, o Bruxo do Cosme Velho (alcunha dada a Machado) manteve uma atuação como servidor público por mais de 40 anos, tratando de questões cruciais para o País, além de ter atuado como censor do Conservatório Dramático Brasileiro.

Como as duas faces de uma moeda, a carreira consagrada do escritor e a vida reservada e pacata do homem inspiram dois importantes projetos dedicados a Machado de Assis. De um lado, uma coleção lançada pela editora Todavia que reúne 26 volumes entre poesia, teatro, conto e romance com tudo o que ele escreveu e publicou em livro.

De outro, a Ocupação Machado de Assis, que vai exibir, no Itaú Cultural, cerca de 100 peças, entre antigas fotografias, manuscritos originais, cartas, exemplares de sua obra e de seus escritores favoritos e primeiras edições de livros. O lançamento oficial dos dois projetos acontece no sábado, dia 18.

Contratos assinados por Machado de Assis para publicação de 'Quincas Borba' (esquerda) e 'Várias Histórias' (direita), em 1896 e 1902 respectivamente Foto: Acervo Academia Brasileira de Letras

“Machado não nasceu pronto. Ele se tornou Machado de Assis contando sem dúvida com um talento, uma sensibilidade e uma inteligência raras, mas também por meio de muito trabalho, de um aperfeiçoamento e domínio crescentes das técnicas da escrita”, comenta Hélio de Seixas Guimarães, professor de Literatura Brasileira na Universidade de São Paulo, pesquisador do CNPq e especialista na obra do escritor. Ele participou da organização dos dois projetos.

Neste primeiro momento, os livros que compõem a coleção só poderão ser adquiridos por meio de uma caixa especial, com tiragem limitada. A partir do primeiro semestre de 2024, os títulos serão comercializados separadamente. Há também um volume extra, Terras, testemunho de seu trabalho como servidor público, função que exerceu por mais de 40 anos.

Publicar, de uma vez só, todos os livros que Machado escreveu e editou em vida mantendo a sua dicção permite identificar sua formação como autor, acredita Seixas. “Memórias Póstumas, por exemplo, lançado em 1881 e aclamado como sua grande obra, é o 14º livro e o quinto romance de Machado, ou seja, está no meio do caminho de uma escrita cuja técnica foi muito exercitada antes.”

Imagens históricas de Machado de Assis passaram por processo de colorização digital pela artista Marina Amaral, a convite do Itaú Cultural, para a exposição 'Ocupação Machado de Assis' Foto: Acervo Academia Brasileira de Letras; Marina Amaral/Itaú Cultural

O autor descrevia as características da sociedade brasileira e deixou em suas páginas um fiel retrato historiográfico da formação do Brasil. “Machado traz figuras clássicas em sua obra para fazer uma crítica do Brasil do século 19″, comenta Seixas, que listou para o Estadão cinco fatos curiosos sobre o escritor:

  1. O primeiro livro de Machado de Assis, a peça Desencantos (1861), e o último livro, o romance Memorial de Aires (1908), são protagonizados por viúvas, tipo de personagem que aparece com frequência ao longo de toda obra, pondo em xeque ideias românticas sobre amor e casamento.
  2. Memórias Póstumas de Brás Cubas é o 14º livro publicado por Machado de Assis, antecedido por quatro livros de teatro, três de poesia, dois de contos e quatro romances, publicados num intervalo de duas décadas.
  3. Entre Memórias Póstumas de Brás Cubas e Papéis Avulsos, Machado publicou em livro a peça Tu Só, Tu, Puro Amor, que escreveu para as comemorações do tricentenário da morte de Luís de Camões. Encenada e publicada numa revista em 1880, ela saiu em livro em 1881 e foi selecionada por Machado para compor a coletânea Páginas Recolhidas, de 1899.
  4. A correspondência de Machado de Assis inclui cartas do escritor para seus editores, em que trata de aspectos materiais das edições (tipo de papel, diagramação, tiragens etc.), mostrando o cuidado que teve com a produção dos seus livros.
  5. O soneto A Carolina, que escreveu em homenagem à sua companheira, morta em 1904, foi o último poema recolhido por Machado em livro, em Relíquias de Casa Velha (1906). Cinco anos antes, ele havia reunido sua “bagagem poética” em Poesias Completas, que teria sido o encerramento da longa trajetória do poeta.
Obra completa de Machado de Assis é publicada pela 'Todavia' com todos os livros lançados pelo autor Foto: Editora Todavia

Outro assunto essencial tratado na coleção é a questão racial na obra de Machado. “No século 20, criou-se a teoria errônea de que ele evitava o assunto, reflexo de uma sociedade que jogava a discussão para debaixo do tapete”, observa Paulo Dutra, professor na Universidade do Novo México (EUA) e autor das notas de rodapé sobre o tema.

Segundo Dutra, Machado tinha a literatura como primeiro compromisso. “Mas a questão racial surge de forma implícita e também explícita. Um exemplo do primeiro caso está no conto A Mulher Pálida, a história de um rapaz que procura a mulher mais pálida do mundo para se casar, uma sátira à eterna obsessão brasileira pela branquitude europeia.”

Já exemplos mais explícitos aparecem tanto na violência física e simbólica sofrida pelo moleque Prudêncio em Memórias Póstumas como na discussão sobre como a escravidão era elemento de manobra, em Memorial de Aires.

Imagens históricas de Machado de Assis passaram por processo de colorização digital pela artista Marina Amaral, a convite do Itaú Cultural, para a exposição 'Ocupação Machado de Assis' Foto: Acervo Academia Brasileira de Letras; Marina Amaral/Itaú Cultural

Dutra traça um curioso paralelo entre a forma como Machado lidava com o assunto e o estilo de Lima Barreto que, a partir da adoção de um estilo seco e direto, lutava para que a literatura fosse um meio de levar ao homem comum a mensagem de sua libertação e um estímulo para continuar lutando para o reconhecimento de todos os seus direitos fundamentais.

“Se fizermos uma alusão ao boxe, Lima seria um lutador que aplicava golpes diretos com a direita e esquerda, além de ganchos, enquanto Machado era mais sutil e disparava jabs.”

Paulo Dutra

O embranquecimento de Machado, tema urgente dos últimos anos, também está na pauta na exposição que vai abrir no Itaú Cultural. A convite da entidade, Marina Amaral, colorista digital especializada em adicionar cores a fotografias históricas em preto e branco, trabalhou em imagens de Machado. Apresentadas em uma espécie de colagem animada em vídeo, as imagens demonstram a negritude do escritor como parte dos movimentos que se contrapõem ao processo de branqueamento por que passou a figura do escritor.

Encontram-se ainda primeiras edições de suas obras, como a peça de teatro Desencantos: Fantasia Dramática, lançada em 1861. Foi o primeiro texto publicado por ele e, embora a peça não tenha sido encenada, há indícios de boa recepção ao texto na época.

Imagens históricas de Machado de Assis passaram por processo de colorização digital pela artista Marina Amaral, a convite do Itaú Cultural, para a exposição 'Ocupação Machado de Assis' Foto: Acervo Academia Brasileira de Letras; Marina Amaral/Itaú Cultural

Veja outras curiosidades da Ocupação Machado de Assis

Enxadrista

Machado de Assis participava de torneios de xadrez e contribuía para a Revista Musical e de Bellas Artes escrevendo sobre o assunto. Na exposição, é possível ver páginas da publicação que citam o autor e a sua colocação em uma disputa realizada em 1880. O jogo também marcou sua obra: Iaiá Garcia, romance de 1878, possui uma personagem enxadrista.

Censor

Nessa função, ele assinou um parecer sobre a tradução de Lessa Paranhos da comédia Os Nossos Íntimos, do dramaturgo Victorien Sardou. A análise, datada de 11 de junho de 1862, foi escrita pelo autor durante a sua atuação como censor no Conservatório Dramático Brasileiro, trabalho associado à sua militância pelo desenvolvimento do teatro brasileiro na imprensa fluminense.

Funcionário público

Machado trabalhou como servidor público por mais de quarenta anos, tratando de questões cruciais para o país. Em 1873, começou a trabalhar na Secretaria de Estado da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Em 1881, ainda no funcionalismo público, ele passou a atuar como oficial de gabinete do ministro da Agricultura. Oito anos depois, em 1889, voltou a compor o quadro de funcionários da secretaria.

Influências

A exposição traz a edição em francês de O Vermelho e o Negro, de Stendhal. Em Memórias Póstumas, o defunto autor se compara ao francês: “Que Stendhal confessasse haver escrito um de seus livros para cem leitores, cousa é que admira e consterna. O que não admira, nem provavelmente consternará é se este outro livro não tiver os cem leitores de Stendhal, nem cinquenta, nem vinte, e quando muito, dez. Dez? Talvez cinco.”

Tradutor

Durante parte considerável de sua carreira, Machado de Assis realizou traduções literárias de escritores renomados, cujos originais são em francês, alemão, inglês, espanhol e italiano. Como Oliver Twist (1838), de Charles Dickens, publicada de maneira anônima no Jornal da Tarde, em 1870.

Imagens históricas de Machado de Assis passaram por processo de colorização digital pela artista Marina Amaral, a convite do Itaú Cultural, para a exposição 'Ocupação Machado de Assis' Foto: Acervo Academia Brasileira de Letras; Marina Amaral/Itaú Cultural

“Estamos diante de narrativas orgânicas enquanto composição, de textos que bem sustentam impasses, que armam debates não estabilizados, livram-se de obviedades, desmontam frases feitas e, de modo irônico, desdenham de questões absolutas”, observa Jader Rosa, superintendente do Itaú Cultural.

Um fundador – assim o crítico literário americano Harold Bloom classificou Machado de Assis, colocando-o ao lado de outros nomes decisivos para a evolução da escrita, como o francês Gustave Flaubert, o português Eça de Queirós, o argentino Jorge Luis Borges e o italiano Italo Calvino. Todos considerados por Bloom como “ironistas trágicos”.

Serviço

Todos os Livros de Machado de Assis

  • Editora: Todavia
  • Autor: Machado de Assis
  • 28 volumes; R$ 1.599,90 (coleção completa)

Ocupação Machado de Assis

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  • Terça a sábado, 11h/20h. Domingos e feriados, 11h/19h
  • Entrada Gratuita. Abertura 18/11. Até 4/2/2024

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