Mais ativistas estão se colando a obras de arte. Suas táticas não são novas


Manifestantes de hoje estão ‘usando esse ato para tirar as pessoas de suas vidas normais e cotidianas’

Por Kelsey Ables
Atualização:

Quando Eben Lazarus e Hannah Hunt apareceram na National Gallery de Londres em julho, armados com fita adesiva, cola e camisetas Just Stop Oil debaixo do casaco, eles não estavam ali para ver arte. Mas, cinco minutos antes de se colarem à moldura de The Hay Wain, de John Constable, e pedirem ao governo britânico que suspendesse novas licenças para exploração de gás e petróleo, eles pararam por alguns instantes em frente a The Toilet of Venus, de Diego Velázquez.

Não foram as pinceladas suaves de Velázquez que os atraíram, mas uma história mais ousada que ouviram sobre a obra do século 17. Em 1914, a sufragista canadense Mary Richardson atacou a pintura com um machado, cortando as costas e os quadris da figura, para protestar contra a prisão de uma colega ativista e condenar a representação misógina da obra. O ato de Richardson inspirou tantas seguidoras que alguns museus britânicos proibiram temporariamente as visitas de mulheres.

Olhando para a pintura, Lazarus se sentiu tragado para dentro de uma história maior de desobediência civil. “Sentimos uma conexão surreal com as pessoas que vieram antes de nós e lutaram por direitos básicos que agora damos de barato. E isso solidificou nossa convicção no que estávamos prestes a fazer”, disse ele. “Na verdade, foi um momento bastante pacífico”.

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Pouco depois, Lazarus e Hunt cobriram The Hay Wain com um pôster mostrando uma visão caótica e apocalíptica do campo inglês e se colaram à moldura da obra original. Ajoelhado no chão da galeria, Lazarus gritou: “Quando não há comida, para que serve a arte? Quando não há água, para que serve a arte?”

Naquele dia, a dupla se juntou aos notáveis anais de um movimento de protesto idiossincrático que soa mais como uma peça performática inspirada no dadaísmo. Nos últimos meses, ativistas de todo o mundo têm se afixado a molduras e coberturas de vidro de obras de arte - um Picasso na Austrália, um Botticelli na Itália, um Rafael na Alemanha - exigindo que seus governos parem de apoiar a indústria de combustíveis fósseis. No início de outubro, ativistas da Just Stop Oil jogaram sopa nos Girassóis de Vincent van Gogh na National Gallery antes de se colarem na parede embaixo da obra. Tática emprestada dos protestos de rua, a cola aumenta o tempo que os manifestantes têm para passar sua mensagem naquilo que, de um instante para outro, pode se tornar um palco internacional.

Esses subversivos da cola foram ridicularizados como filisteus em busca de publicidade e saudados como mártires de uma causa vital. Mas o que se perde no ruído é o fato que esses atos fazem parte de uma longa história de protestos nos museus. Esse ativismo atingiu um pico nos últimos anos, com manifestantes pedindo às instituições que repensassem suas coleções, diversificassem sua equipe, devolvessem artefatos saqueados e expurgassem doadores tóxicos. Nesse momento em que os museus se tornaram o marco zero para reescrever narrativas do passado, não deveria ser surpresa que os ativistas climáticos também tenham se voltado para eles na esperança de reescrever o futuro.

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Os museus ocidentais há muito se apresentam como santuários e guardiões objetivos da história, apartados dos eventos correntes. É claro que se trata de uma ilusão. Na década de 1960, artistas como Hans Haacke começaram a criar obras que questionavam diretamente os próprios museus, desencadeando um movimento conhecido como Crítica Institucional, que passaria a incluir obras de Andrea Fraser e Louise Lawler.

A famosa MoMA Poll de Haacke, feita durante a Guerra do Vietnã, perguntava aos visitantes do museu se o fato de o governador Nelson Rockefeller - então presidente do conselho do MoMA - não ter “denunciado a política do presidente Nixon para a Indochina” os dissuadiria de votar nele. Em outra obra destinada a criticar a divisão entre a arte e o mundo exterior, Haacke montou uma máquina de telex para imprimir atualizações de notícias ao vivo em um rolo de papel aparentemente interminável.

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Falando sobre a obra em uma entrevista de 2008, Haacke disse: “O que me interessava na época e o que ainda é importante para mim hoje é que as pessoas que entram numa galeria, museu ou qualquer outro local de exposição de arte sejam lembradas de que esses espaços de arte não são um mundo apartado do resto do mundo. O mundo da arte não é um mundo à parte”.

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Os ativistas climáticos adotaram esse pensamento. Por meio de suas ações, uma pintura de John Constable se torna mais do que uma fantasia rural escapista: torna-se um lembrete pungente de que a paisagem natural está ameaçada. Massacre na Coreia, de Pablo Picasso, não apenas mostra a história, mas também alerta para a guerra e a fome que podem vir com o aquecimento da Terra. E a Primavera’ de Sandro Botticelli, não fala sobre celebrar a beleza da primavera: fala sobre chorar pela biodiversidade que corremos o risco de perder.

Leonardo Basso, estudante de 23 anos de Pádua que ajudou os ativistas da Ultima Generazione a planejar o protesto em frente a A Tempestade, de Giorgione, diz que essas ações dão um poder renovado à arte. “Se mantivermos essa arte trancada no museu, e não fizermos nada com ela além de mostrá-la a alguns pagantes que a postam no Instagram, então a arte se torna o café que tomamos na Starbucks”, diz ele. “A arte ainda está ao nosso alcance. Precisamos usar a arte”.

Kirsty Robertson, professora da Western University e autora de Tear Gas Epiphanies: Protest, Culture, Museums, vê paralelos entre ativistas como Basso e a Internacional Situacionista, um grupo anticapitalista de artistas e pensadores ativo de 1957 a 1972. O slogan do grupo, “Sous les pavés, la plage!” (“Sob as calçadas, a praia”) aborda a lógica por trás do gesto de se colar a uma pintura: raspe o verniz do status quo e você encontrará algo melhor abaixo.

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Assim como os situacionistas, os manifestantes de hoje estão “usando esse ato para tirar as pessoas de suas vidas normais e cotidianas”, diz Robertson. O cenário amplifica o choque. “O que há de tão especial nos museus é que eles são esse ponto de contato entre o público e uma rica história elitista”, diz ela. “A obra de arte é um botão de emergência.”

Beka Economopoulos, cofundadora e ativista do Not An Alternative que esteve por trás do esforço para remover David Koch, negacionista das mudanças climáticas, dos conselhos dos museus, vê esse movimento como parte de um “continuum” de ativismo climático focado nas artes que inclui organizações como BP ou Not BP e Liberte Tate. A recente tensão econômica - como a crise do custo de vida na Inglaterra - dá profundidade a essas ações, diz ela.

“Vemos o valor da arte subindo cada vez mais, enquanto trabalhadores e comunidades de baixos salários estão tendo cada vez mais dificuldade de sobreviver. Nossos valores estão de cabeça para baixo, e tudo isso vem à tona no cenário dos museus”, disse ela. “Não é atacar a pintura dos girassóis, é atacar algo que pode simbolizar a profunda violência de um sistema econômico que cria extrema riqueza e extrema pobreza”.

Os críticos dizem que esses grupos ativistas não estão desafiando os museus, mas apenas os usando como palanques particularmente sensacionalistas. A BP or Not BP criou performances espirituosas no estilo shakespeariano e a Liberate Tate fez ações criativas de arte - como simular um derramamento de petróleo no chão do museu - tudo para pedir às instituições britânicas que parassem de receber dinheiro das grandes petrolíferas. Mas os grupos que se agarram às pinturas e levam sua fama às manchetes não têm demandas tão tangíveis para as instituições que ocupam.

Quando os manifestantes fazem ações em museus, “você tem de se perguntar: por que você está em um museu? O que você está dizendo ao museu?”, diz Emma Mahony, professora que estuda museus e ativismo no National College of Art and Design em Dublin. Ela elogia a Liberate Tate por trazer os amantes da arte para o lado deles e se preocupa com o risco de que os ativistas que se colam nas paredes estejam afastando potenciais apoiadores. “Você não vai fazer amizade com os donos do petróleo, mas precisa trazer os 99% a bordo se quiser conseguir alguma coisa”.

Embora Lazarus insista que o Just Stop Oil não está tentando ser popular, ele se orgulhou de trazer pelo menos algumas pessoas para a causa na National Gallery. Quando ele e Hunt entraram na galeria onde estava pendurado The Hay Wain’ viram um grupo de alunos estudando uma pintura nas proximidades. Então eles se detiveram por um momento, sem saber se deveriam continuar com o protesto. “Acho que foi só por causa dessa tendência de proteger as crianças”, disse ele. “Mas, na verdade, elas precisam saber a verdade. Todo mundo precisa”.

Ao terminarem seus discursos, as crianças - que são mais propensas a enfrentar as duras realidades da crise climática do que muitos de nós - explodiram em aplausos. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Quando Eben Lazarus e Hannah Hunt apareceram na National Gallery de Londres em julho, armados com fita adesiva, cola e camisetas Just Stop Oil debaixo do casaco, eles não estavam ali para ver arte. Mas, cinco minutos antes de se colarem à moldura de The Hay Wain, de John Constable, e pedirem ao governo britânico que suspendesse novas licenças para exploração de gás e petróleo, eles pararam por alguns instantes em frente a The Toilet of Venus, de Diego Velázquez.

Não foram as pinceladas suaves de Velázquez que os atraíram, mas uma história mais ousada que ouviram sobre a obra do século 17. Em 1914, a sufragista canadense Mary Richardson atacou a pintura com um machado, cortando as costas e os quadris da figura, para protestar contra a prisão de uma colega ativista e condenar a representação misógina da obra. O ato de Richardson inspirou tantas seguidoras que alguns museus britânicos proibiram temporariamente as visitas de mulheres.

Olhando para a pintura, Lazarus se sentiu tragado para dentro de uma história maior de desobediência civil. “Sentimos uma conexão surreal com as pessoas que vieram antes de nós e lutaram por direitos básicos que agora damos de barato. E isso solidificou nossa convicção no que estávamos prestes a fazer”, disse ele. “Na verdade, foi um momento bastante pacífico”.

Pouco depois, Lazarus e Hunt cobriram The Hay Wain com um pôster mostrando uma visão caótica e apocalíptica do campo inglês e se colaram à moldura da obra original. Ajoelhado no chão da galeria, Lazarus gritou: “Quando não há comida, para que serve a arte? Quando não há água, para que serve a arte?”

Naquele dia, a dupla se juntou aos notáveis anais de um movimento de protesto idiossincrático que soa mais como uma peça performática inspirada no dadaísmo. Nos últimos meses, ativistas de todo o mundo têm se afixado a molduras e coberturas de vidro de obras de arte - um Picasso na Austrália, um Botticelli na Itália, um Rafael na Alemanha - exigindo que seus governos parem de apoiar a indústria de combustíveis fósseis. No início de outubro, ativistas da Just Stop Oil jogaram sopa nos Girassóis de Vincent van Gogh na National Gallery antes de se colarem na parede embaixo da obra. Tática emprestada dos protestos de rua, a cola aumenta o tempo que os manifestantes têm para passar sua mensagem naquilo que, de um instante para outro, pode se tornar um palco internacional.

Esses subversivos da cola foram ridicularizados como filisteus em busca de publicidade e saudados como mártires de uma causa vital. Mas o que se perde no ruído é o fato que esses atos fazem parte de uma longa história de protestos nos museus. Esse ativismo atingiu um pico nos últimos anos, com manifestantes pedindo às instituições que repensassem suas coleções, diversificassem sua equipe, devolvessem artefatos saqueados e expurgassem doadores tóxicos. Nesse momento em que os museus se tornaram o marco zero para reescrever narrativas do passado, não deveria ser surpresa que os ativistas climáticos também tenham se voltado para eles na esperança de reescrever o futuro.

Os museus ocidentais há muito se apresentam como santuários e guardiões objetivos da história, apartados dos eventos correntes. É claro que se trata de uma ilusão. Na década de 1960, artistas como Hans Haacke começaram a criar obras que questionavam diretamente os próprios museus, desencadeando um movimento conhecido como Crítica Institucional, que passaria a incluir obras de Andrea Fraser e Louise Lawler.

A famosa MoMA Poll de Haacke, feita durante a Guerra do Vietnã, perguntava aos visitantes do museu se o fato de o governador Nelson Rockefeller - então presidente do conselho do MoMA - não ter “denunciado a política do presidente Nixon para a Indochina” os dissuadiria de votar nele. Em outra obra destinada a criticar a divisão entre a arte e o mundo exterior, Haacke montou uma máquina de telex para imprimir atualizações de notícias ao vivo em um rolo de papel aparentemente interminável.

Falando sobre a obra em uma entrevista de 2008, Haacke disse: “O que me interessava na época e o que ainda é importante para mim hoje é que as pessoas que entram numa galeria, museu ou qualquer outro local de exposição de arte sejam lembradas de que esses espaços de arte não são um mundo apartado do resto do mundo. O mundo da arte não é um mundo à parte”.

Os ativistas climáticos adotaram esse pensamento. Por meio de suas ações, uma pintura de John Constable se torna mais do que uma fantasia rural escapista: torna-se um lembrete pungente de que a paisagem natural está ameaçada. Massacre na Coreia, de Pablo Picasso, não apenas mostra a história, mas também alerta para a guerra e a fome que podem vir com o aquecimento da Terra. E a Primavera’ de Sandro Botticelli, não fala sobre celebrar a beleza da primavera: fala sobre chorar pela biodiversidade que corremos o risco de perder.

Leonardo Basso, estudante de 23 anos de Pádua que ajudou os ativistas da Ultima Generazione a planejar o protesto em frente a A Tempestade, de Giorgione, diz que essas ações dão um poder renovado à arte. “Se mantivermos essa arte trancada no museu, e não fizermos nada com ela além de mostrá-la a alguns pagantes que a postam no Instagram, então a arte se torna o café que tomamos na Starbucks”, diz ele. “A arte ainda está ao nosso alcance. Precisamos usar a arte”.

Kirsty Robertson, professora da Western University e autora de Tear Gas Epiphanies: Protest, Culture, Museums, vê paralelos entre ativistas como Basso e a Internacional Situacionista, um grupo anticapitalista de artistas e pensadores ativo de 1957 a 1972. O slogan do grupo, “Sous les pavés, la plage!” (“Sob as calçadas, a praia”) aborda a lógica por trás do gesto de se colar a uma pintura: raspe o verniz do status quo e você encontrará algo melhor abaixo.

Assim como os situacionistas, os manifestantes de hoje estão “usando esse ato para tirar as pessoas de suas vidas normais e cotidianas”, diz Robertson. O cenário amplifica o choque. “O que há de tão especial nos museus é que eles são esse ponto de contato entre o público e uma rica história elitista”, diz ela. “A obra de arte é um botão de emergência.”

Beka Economopoulos, cofundadora e ativista do Not An Alternative que esteve por trás do esforço para remover David Koch, negacionista das mudanças climáticas, dos conselhos dos museus, vê esse movimento como parte de um “continuum” de ativismo climático focado nas artes que inclui organizações como BP ou Not BP e Liberte Tate. A recente tensão econômica - como a crise do custo de vida na Inglaterra - dá profundidade a essas ações, diz ela.

“Vemos o valor da arte subindo cada vez mais, enquanto trabalhadores e comunidades de baixos salários estão tendo cada vez mais dificuldade de sobreviver. Nossos valores estão de cabeça para baixo, e tudo isso vem à tona no cenário dos museus”, disse ela. “Não é atacar a pintura dos girassóis, é atacar algo que pode simbolizar a profunda violência de um sistema econômico que cria extrema riqueza e extrema pobreza”.

Os críticos dizem que esses grupos ativistas não estão desafiando os museus, mas apenas os usando como palanques particularmente sensacionalistas. A BP or Not BP criou performances espirituosas no estilo shakespeariano e a Liberate Tate fez ações criativas de arte - como simular um derramamento de petróleo no chão do museu - tudo para pedir às instituições britânicas que parassem de receber dinheiro das grandes petrolíferas. Mas os grupos que se agarram às pinturas e levam sua fama às manchetes não têm demandas tão tangíveis para as instituições que ocupam.

Quando os manifestantes fazem ações em museus, “você tem de se perguntar: por que você está em um museu? O que você está dizendo ao museu?”, diz Emma Mahony, professora que estuda museus e ativismo no National College of Art and Design em Dublin. Ela elogia a Liberate Tate por trazer os amantes da arte para o lado deles e se preocupa com o risco de que os ativistas que se colam nas paredes estejam afastando potenciais apoiadores. “Você não vai fazer amizade com os donos do petróleo, mas precisa trazer os 99% a bordo se quiser conseguir alguma coisa”.

Embora Lazarus insista que o Just Stop Oil não está tentando ser popular, ele se orgulhou de trazer pelo menos algumas pessoas para a causa na National Gallery. Quando ele e Hunt entraram na galeria onde estava pendurado The Hay Wain’ viram um grupo de alunos estudando uma pintura nas proximidades. Então eles se detiveram por um momento, sem saber se deveriam continuar com o protesto. “Acho que foi só por causa dessa tendência de proteger as crianças”, disse ele. “Mas, na verdade, elas precisam saber a verdade. Todo mundo precisa”.

Ao terminarem seus discursos, as crianças - que são mais propensas a enfrentar as duras realidades da crise climática do que muitos de nós - explodiram em aplausos. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Quando Eben Lazarus e Hannah Hunt apareceram na National Gallery de Londres em julho, armados com fita adesiva, cola e camisetas Just Stop Oil debaixo do casaco, eles não estavam ali para ver arte. Mas, cinco minutos antes de se colarem à moldura de The Hay Wain, de John Constable, e pedirem ao governo britânico que suspendesse novas licenças para exploração de gás e petróleo, eles pararam por alguns instantes em frente a The Toilet of Venus, de Diego Velázquez.

Não foram as pinceladas suaves de Velázquez que os atraíram, mas uma história mais ousada que ouviram sobre a obra do século 17. Em 1914, a sufragista canadense Mary Richardson atacou a pintura com um machado, cortando as costas e os quadris da figura, para protestar contra a prisão de uma colega ativista e condenar a representação misógina da obra. O ato de Richardson inspirou tantas seguidoras que alguns museus britânicos proibiram temporariamente as visitas de mulheres.

Olhando para a pintura, Lazarus se sentiu tragado para dentro de uma história maior de desobediência civil. “Sentimos uma conexão surreal com as pessoas que vieram antes de nós e lutaram por direitos básicos que agora damos de barato. E isso solidificou nossa convicção no que estávamos prestes a fazer”, disse ele. “Na verdade, foi um momento bastante pacífico”.

Pouco depois, Lazarus e Hunt cobriram The Hay Wain com um pôster mostrando uma visão caótica e apocalíptica do campo inglês e se colaram à moldura da obra original. Ajoelhado no chão da galeria, Lazarus gritou: “Quando não há comida, para que serve a arte? Quando não há água, para que serve a arte?”

Naquele dia, a dupla se juntou aos notáveis anais de um movimento de protesto idiossincrático que soa mais como uma peça performática inspirada no dadaísmo. Nos últimos meses, ativistas de todo o mundo têm se afixado a molduras e coberturas de vidro de obras de arte - um Picasso na Austrália, um Botticelli na Itália, um Rafael na Alemanha - exigindo que seus governos parem de apoiar a indústria de combustíveis fósseis. No início de outubro, ativistas da Just Stop Oil jogaram sopa nos Girassóis de Vincent van Gogh na National Gallery antes de se colarem na parede embaixo da obra. Tática emprestada dos protestos de rua, a cola aumenta o tempo que os manifestantes têm para passar sua mensagem naquilo que, de um instante para outro, pode se tornar um palco internacional.

Esses subversivos da cola foram ridicularizados como filisteus em busca de publicidade e saudados como mártires de uma causa vital. Mas o que se perde no ruído é o fato que esses atos fazem parte de uma longa história de protestos nos museus. Esse ativismo atingiu um pico nos últimos anos, com manifestantes pedindo às instituições que repensassem suas coleções, diversificassem sua equipe, devolvessem artefatos saqueados e expurgassem doadores tóxicos. Nesse momento em que os museus se tornaram o marco zero para reescrever narrativas do passado, não deveria ser surpresa que os ativistas climáticos também tenham se voltado para eles na esperança de reescrever o futuro.

Os museus ocidentais há muito se apresentam como santuários e guardiões objetivos da história, apartados dos eventos correntes. É claro que se trata de uma ilusão. Na década de 1960, artistas como Hans Haacke começaram a criar obras que questionavam diretamente os próprios museus, desencadeando um movimento conhecido como Crítica Institucional, que passaria a incluir obras de Andrea Fraser e Louise Lawler.

A famosa MoMA Poll de Haacke, feita durante a Guerra do Vietnã, perguntava aos visitantes do museu se o fato de o governador Nelson Rockefeller - então presidente do conselho do MoMA - não ter “denunciado a política do presidente Nixon para a Indochina” os dissuadiria de votar nele. Em outra obra destinada a criticar a divisão entre a arte e o mundo exterior, Haacke montou uma máquina de telex para imprimir atualizações de notícias ao vivo em um rolo de papel aparentemente interminável.

Falando sobre a obra em uma entrevista de 2008, Haacke disse: “O que me interessava na época e o que ainda é importante para mim hoje é que as pessoas que entram numa galeria, museu ou qualquer outro local de exposição de arte sejam lembradas de que esses espaços de arte não são um mundo apartado do resto do mundo. O mundo da arte não é um mundo à parte”.

Os ativistas climáticos adotaram esse pensamento. Por meio de suas ações, uma pintura de John Constable se torna mais do que uma fantasia rural escapista: torna-se um lembrete pungente de que a paisagem natural está ameaçada. Massacre na Coreia, de Pablo Picasso, não apenas mostra a história, mas também alerta para a guerra e a fome que podem vir com o aquecimento da Terra. E a Primavera’ de Sandro Botticelli, não fala sobre celebrar a beleza da primavera: fala sobre chorar pela biodiversidade que corremos o risco de perder.

Leonardo Basso, estudante de 23 anos de Pádua que ajudou os ativistas da Ultima Generazione a planejar o protesto em frente a A Tempestade, de Giorgione, diz que essas ações dão um poder renovado à arte. “Se mantivermos essa arte trancada no museu, e não fizermos nada com ela além de mostrá-la a alguns pagantes que a postam no Instagram, então a arte se torna o café que tomamos na Starbucks”, diz ele. “A arte ainda está ao nosso alcance. Precisamos usar a arte”.

Kirsty Robertson, professora da Western University e autora de Tear Gas Epiphanies: Protest, Culture, Museums, vê paralelos entre ativistas como Basso e a Internacional Situacionista, um grupo anticapitalista de artistas e pensadores ativo de 1957 a 1972. O slogan do grupo, “Sous les pavés, la plage!” (“Sob as calçadas, a praia”) aborda a lógica por trás do gesto de se colar a uma pintura: raspe o verniz do status quo e você encontrará algo melhor abaixo.

Assim como os situacionistas, os manifestantes de hoje estão “usando esse ato para tirar as pessoas de suas vidas normais e cotidianas”, diz Robertson. O cenário amplifica o choque. “O que há de tão especial nos museus é que eles são esse ponto de contato entre o público e uma rica história elitista”, diz ela. “A obra de arte é um botão de emergência.”

Beka Economopoulos, cofundadora e ativista do Not An Alternative que esteve por trás do esforço para remover David Koch, negacionista das mudanças climáticas, dos conselhos dos museus, vê esse movimento como parte de um “continuum” de ativismo climático focado nas artes que inclui organizações como BP ou Not BP e Liberte Tate. A recente tensão econômica - como a crise do custo de vida na Inglaterra - dá profundidade a essas ações, diz ela.

“Vemos o valor da arte subindo cada vez mais, enquanto trabalhadores e comunidades de baixos salários estão tendo cada vez mais dificuldade de sobreviver. Nossos valores estão de cabeça para baixo, e tudo isso vem à tona no cenário dos museus”, disse ela. “Não é atacar a pintura dos girassóis, é atacar algo que pode simbolizar a profunda violência de um sistema econômico que cria extrema riqueza e extrema pobreza”.

Os críticos dizem que esses grupos ativistas não estão desafiando os museus, mas apenas os usando como palanques particularmente sensacionalistas. A BP or Not BP criou performances espirituosas no estilo shakespeariano e a Liberate Tate fez ações criativas de arte - como simular um derramamento de petróleo no chão do museu - tudo para pedir às instituições britânicas que parassem de receber dinheiro das grandes petrolíferas. Mas os grupos que se agarram às pinturas e levam sua fama às manchetes não têm demandas tão tangíveis para as instituições que ocupam.

Quando os manifestantes fazem ações em museus, “você tem de se perguntar: por que você está em um museu? O que você está dizendo ao museu?”, diz Emma Mahony, professora que estuda museus e ativismo no National College of Art and Design em Dublin. Ela elogia a Liberate Tate por trazer os amantes da arte para o lado deles e se preocupa com o risco de que os ativistas que se colam nas paredes estejam afastando potenciais apoiadores. “Você não vai fazer amizade com os donos do petróleo, mas precisa trazer os 99% a bordo se quiser conseguir alguma coisa”.

Embora Lazarus insista que o Just Stop Oil não está tentando ser popular, ele se orgulhou de trazer pelo menos algumas pessoas para a causa na National Gallery. Quando ele e Hunt entraram na galeria onde estava pendurado The Hay Wain’ viram um grupo de alunos estudando uma pintura nas proximidades. Então eles se detiveram por um momento, sem saber se deveriam continuar com o protesto. “Acho que foi só por causa dessa tendência de proteger as crianças”, disse ele. “Mas, na verdade, elas precisam saber a verdade. Todo mundo precisa”.

Ao terminarem seus discursos, as crianças - que são mais propensas a enfrentar as duras realidades da crise climática do que muitos de nós - explodiram em aplausos. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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